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6. UMA IDENTIDADE COLETIVA NO MERCADO

6.2. UM PONTO DE ENCONTRO

Ao longo das conversas com os frequentadores do mercado, o adjetivo por eles empregado para caracterizá-lo com mais freqüência foi “um ponto de encontro”. Segundo muitos, o mais importante da cidade.

É um ponto de apoio, entendeu, tanto da zona rural quanto da cidade. É um local onde se encontra muito amigo, muito conhecimento, tem muito conhecimento. Então eu acredito que isso seja um ponto de apoio de amigos né. Aí vem amigo da roça, amigo da cidade. No dia de feira encontra uns e outros e bate papo. Eu acredito que seja bom né. (Seu Alírio)

De acordo com Seu Benedito, mercador de cereais,

é ponto melhor de nóis encontrar com todo mundo. Parente, é amigo. Faz muito amigo aqui também né. Porque aqui num comércio desse aqui vem gente de toda a região aqui né (...) Eu acho muito bão. É muito bão porque aqui é lugar pra encontrar. (...) Aqui moço, você sabe, o lugar onde a gente encontra com tudo quanto é amigo é aqui. A gente convive com o pessoal né. Faz muito amigo aqui também né. (...) É o maior ponto. É o maior ponto. Mercado e rodoviária, que fica aqui tudo junto. É o maior ponto de Araçuaí é aqui. Todo compromisso que cê faz, é lá no mercado, “me procura lá, nóis encontra lá”. Vem muitas pessoas

que quer encontrar um amigo e passa aqui, fica aqui, vou vendo passeando aí. Às vezes num precisa comprar não mas tá passeando.

O mercado é um espaço onde as pessoas se encontram e se reencontram. Alguns relataram terem até encontrado parentes desconhecidos durante as relações sociais nele presentes. Dona Helena relata:

É muito importante. Porque a importância maior é que aqui muitas vezes cê num tá esperando de encontrar, cê encontra um amigo seu de infância, um amigo que brincou com você na infância, na adolescência, num é isso. Então eu acho que é um ponto de encontro sim, e é muito importante que nós encontre nossos amigos aqui todos os dias né. Quando num é um é outro. Vem um de fora que se torna amigo da gente. Então um ponto de encontro, um lugar onde a gente faz muita amizade.

Outros pontos de encontro da cidade foram citados pelos mercadores como a Praça das Rosas, onde adolescentes se juntam para conversar e namorar, e festas religiosas populares. “Olha, existe mas é uma vez por ano, que é na Semana Santa. O pessoal é muito religioso então ali na praça da igreja é ponto de encontro, os amigos, o parentesco, mas freqüente mesmo é o mercado” (Dona Nieta). Segundo Dona Silvana, mercadora de lanchonete e pague fácil, “pro pessoal da zona rural num tem outro ponto de encontro tão bom” e de acordo com Seu Baiano,

a não ser no dia de festa no clube, porque aí a juventude que gosta de ir pra brincadeira né. Aí é outra coisa. Mas o ponto de encontro mesmo é aqui. A rodoviária é encostada no mercado, cê vê aí né, a pracinha é encostada no mercado, o hospital é encostado no mercado, então, o movimento é aqui.

Por ser o maior ponto comercial de Araçuaí e estar localizado ao lado da rodoviária, a circulação de pessoas diariamente é bastante intensa. Não foi possível um cálculo exato nem foi encontrada alguma estimativa já realizada, mas durante a observação em campo foi constatado que não se passa um minuto sem que um freqüentador adentre em seu espaço. Existem casos onde o mercado é utilizado apenas como um atalho para encurtar caminho entre suas ruas laterais, o que, segundo alguns, também possibilita algumas conversas e encontros com amigos. O mercado é considerado um ponto de encontro tanto pela intensa circulação de pessoas diariamente em seu interior e entorno, quanto pelo convívio cotidiano de seus frequentadores.

Todo santo dia aqui no mercado é marcante. Sempre acontece uma coisa interessante (...). O que mais marca a gente é que tá sempre as mesmas pessoas aqui né, a gente tem uma clientela fixa, todo mês os aposentados tão aqui, e o convívio, com todos eles aqui Aproxima a comunidade, sendo da zona rural, ou mesmo da cidade, tudo gira aqui no mercado, então assim, a gente tá bem próximo né, cultura né. Sabe por que? Pela valorização que essas pessoas tem aqui. Elas tem um determinado valor né. Todo mundo conhece todo mundo (Dona Nieta).

A valorização social das pessoas no mercado a partir de suas profissões é algo marcante nas relações sociais nele presentes, o que contribui para a construção de identidades individuais alicerçadas nos ofícios profissionais de cada mercador ou feirante. O mercado é representado como um lugar de valorização e reconhecimento social dos frequentadores e de alegria e amizade. Dona Silvana relata: “Aqui ninguém fica triste. Quando chega umas três horas começa um a gritá o outro: ‘E aí’. É muito difícil ficá triste aqui”.

Pelo que eu conheço aqui do mercado, no ano que eu vim, 90 pra cá, eu fiz muita amizade aqui, né? Porque graças a Deus eu gosto muito de amizade. Tem muita amizade, né? E é muito bom. O mercado aqui pra mim é uma família, né? Eu tenho amizade, e sai daquela rotina de dona de casa, vem pra cá... É gostoso sabe, vir trabalhar aqui, ver gente, ver pessoas, é muito bom, é gostoso (Dona Rita).

Alguns mercadores e feirantes classificaram as amizades criadas nos encontros do mercado como o fator mais importante do mercado para suas vidas.

Eu graças a Deus, porque a gente num ganha bem aqui, às vezes num faz nem pra alimentar. O que a gente faz aqui, chega minha família todinha e almoça, aí aquilo que ficou eu vendo pra comprar as coisas de amanhã. Num tem aquela total renda não. O de bom que eu tenho aqui é as amizade, que eu tenho amizades maravilhosa (Dona Emília).

De primeiro quando meus meninos eram mais pequenos eu não vinha na feira né, meu esposo que vinha. Então, eu sentia muita tristeza, eu sentia vontade assim de nem viver, aquela depressão danada sabe. Aí depois que eu comecei a vir pra feira, que aí na feira a gente faz amigos, a gente conversa, faz amizade, aí meu.. meu vontade de viver é outra, meu ânimo é outro. Então agora eu nem consigo ficar sem vir na feira mais. Um sábado que eu fico sem vir eu já fico com vontade de vir também. Meu menino fica louco pra vim e aí todo sábado é eu que venho. Eu falo: “sábado que vem cê vai” e acaba eu vindo. E aí que aquela depressão, aquela tristeza sumiu tudo, graças a Deus. Quando eu venho aqui que eu fico um fim de semana aqui que eu vou lá em casa, eu tenho animo pra viver mais uma semana, e mais outra semana e assim vai passando o tempo. Minha vida

sentir felicidade, que que adianta né? Então pra mim é melhor vir na feira. As amizades... as amizades, conversar, sorrir, saber novas coisas, aprender né, mais. E divertir também. Pra mim ó, é outra coisa vir na feira (Dona Tina, feirante de hortaliças).

O mercado é representado por seus frequentadores como um ponto de encontro alicerçado na amizade, no clima familiar e nas relações de trocas. “Todo dia é uma história. Aqui é onde todos se encontram, de conhecer, saber das história, conviver, (...) saber da saúde das pessoas” (Dona Rita). Nas palavras de Dona Silvana, o mercado é um lugar de “de união, de conhecimento, de falar, de trocá idéias, experiências, tem pessoas idoso que passa... então cê aprende muita coisa. Cê aprende a lidá com as pessoas, porque às vezes cê tem dificuldade de lidá com idoso. Aqui cê aprende tudo”. Mercado é movimento, é circulação, de produtos é claro, mas principalmente de pessoas. Entre as principais funções sociais do mercado, segundo seus frequentadores, está sua importância como um ponto de encontro e aprendizado que permite a construção de vínculos afetivos de amizade e a realização de trocas simbólicas, como as “trocas de experiências” e as “trocas de histórias”, e a produção de um sentimento de união entre seus frequentadores.