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Vimos no capítulo anterior que os fenômenos que circundam a sociedade e a vida pública são complexos e envolvem processos históricos e sociais. Procuramos compreender contextos e condições de produção de discursos com base na tríade política-mídia-sociedade, partindo de eventos políticos de grande repercussão para discutir, principalmente a participação da sociedade na vida pública. Abordamos, também, a ideia de classe, as atuações da atual classe média brasileira e o reflexo de mitos e contradições que constituíram e constituem essa classe, incluindo nessa reflexão a ideia de patrimonialismo e de populismo abordada por Jessé Souza. E, acerca disso, concluímos que tais fenômenos corroboraram para o afloramento e a reiteração de discursos antipolíticos e abriram espaço para os outsiders na política.

As abordagens deste estudo partem de teorias advindas da Análise do Discurso, que articula os conhecimentos das Ciências Sociais aos da Linguística, modificando essas duas áreas, já que a primeira se assenta numa certa transparência da linguagem; e a segunda, desconsidera a historicidade envolvida no discurso e suas condições de produção, o que mobiliza, também, preceitos da psicanálise, por tratar da relação entre ideologia e inconsciente. (ORLANDI, 2009, p.20).

Além dessas teorias base, esta pesquisa se firma em outros estudos necessários para interpretar os textos que circulam no cenário abordado no capítulo 1, pesquisas que derivam da AD francesa, que abrangem os discursos do campo político e midiático, tanto seus aspectos individuais quantos suas relações. Assim, para a observação desses aspectos, principalmente os que tratam das transformações da fala pública, nos fundamentamos nas obras de Courtine, Piovezani, Sargentini e nos demais estudos desenvolvidos pelo grupo Labor5 nos últimos anos.

5 Laboratório de estudo dos discursos – PPGL UFSCAR - Artigos publicados nas obras “(In) Subordinações

37 E, sob a ótica da legitimidade e das relações de poder ligadas ao capital simbólico, Bourdieu e estudos derivados de suas obras também foram importantes para a compreensão das relações entre campo político e midiático, e mais especificamente o que iremos analisar: os efeitos de sentido produzidos nos textos da imprensa na cobertura de campanhas eleitorais.

Para analisar esses enunciados e seus efeitos, precisamos ter em vista a complexa relação entre a mídia e os eventos políticos. Em janeiro de 2017, por exemplo, o prefeito de São Paulo, João Doria, em seu primeiro ato comando do município, vestiu-se de gari e fez uma varrição simbólica numa avenida de grande fluxo da cidade. Estavam presentes todos os seus secretários e a imprensa. Doria deu várias entrevistas, pousou para fotos e discursou sobre seus projetos para a cidade. No entanto, como seria essa narrativa sem a presença da imprensa? Possivelmente, esse evento nem teria ocorrido, pois toda a encenação pareceu ser planejada para ser amplamente divulgada pela mídia.

Nesse caso, houve uma sobreposição da mídia em relação ao jogo político, ou seja, não foi um evento político que por acaso foi midiatizado, mas, sim, um evento composto de imagens – o uniforme de gari, a vassoura, a varrição, a cidade –, de um conjunto de elementos simbólicos construídos para serem registrados e divulgados. Isso não significa que a relação entre mídia e política se resuma a essa sobreposição ou a eventos dessa ordem. A mídia se integra ao discurso político contemporâneo de diferentes maneiras e de formas bastante complexas, envolvendo a relativa autonomia e mútua influência entre ambos. Sendo assim, só se pode pensar nessa difusa relação quando se analisa fenômenos específicos a partir de pressupostos sobre esses dois campos.

Bourdieu desenvolve, em algumas de suas obras, o conceito de campo e suas concatenações. Para ele, a relação conflituosa que se trava entre mídia e política reflete o que o autor considera como “um campo de forças e um campo de lutas para conservar ou transformar esse campo de forças” (BOURDIEU, 2004, p. 23). Podemos considerar, então, que o campo, além de ser um microcosmo social com leis e regras específicas, é um lugar de luta e tensão entre os agentes que o integram e que buscam alcançar e manter determinadas posições. Diante dessa vicissitude, o nosso estudo busca compreender um pouco esses dois campos e suas relações, pensando na via de mão dupla entre o discurso político e o discurso midiático, tentando, à princípio, compreender e delimitar o conceito de discurso político e as transformações da fala pública, observando essas transformações em relação à sociedade ambientada e estruturada pela mídia (RUBIM, 2000). E posteriormente refletir sobre o funcionamento da imprensa diante de eventos do campo político.

38 É com base na Análise do Discurso que se torna possível observar e desnaturalizar construções discursivas que circulam à nossa volta sob o rótulo reduzido de “informação”. Os estudos da linguagem, que se dedicam a constituição do sentido, sejam os da enunciação, de contexto e de condições de produção, permitiram uma nova abordagem, um novo campo de análise da linguagem, saindo do estudo dos sistemas da língua para o discurso, que é a história na língua, é o efeito de sentidos entre locutores (PÊCHEUX, 1988).

Quando adotamos o ponto de vista da Análise do Discurso, focalizamos os acontecimentos discursivos a partir do pressuposto de que há um real da língua e um real da história, e o trabalho do analista de discurso é entender a relação entre essas duas ordens, já que o sentido é criado pela relação entre sujeitos históricos e, por isso, a interpretação nasce da relação do homem com a língua e com a história. (GREGOLIM, 2003, p. 11)

Este estudo pretende, ainda que de forma modesta, trazer uma crítica reflexão sobre os discursos da imprensa, discursos que apresentam um complexo processo de constituição de sujeitos, de produção de sentidos, de subjetivação e de construção da realidade (ORLANDI, 2009). Por tratar-se de discursos da imprensa relacionados ao campo político, tem-se um processo ainda mais complexo que envolve os já ditos de ambos os campos. Devido a essa relação e a essa complexibilidade, iniciaremos a discussão a seguir em busca de uma maior compreensão do que caracteriza um discurso como discurso político, para assim, posteriormente, situarmos de modo mais preciso sua relativa autonomia e as interferências da esfera midiática sobre esse campo discursivo.

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