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Você é tão velho quanto qualquer político velho desse país. Essa frase foi dita por Luiza

Erundina, candidata à prefeitura de São Paulo, em um dos debates que antecederam as eleições em 2016. Ela proferiu a afirmação a João Doria como resposta ao que ele tinha dito anteriormente, que tinha uma “visão moderna, atual”.

Muitos jornais, ao tratarem do assunto, deram destaque a essas falas entre tantas outras, como se essas fizessem parte dos “melhores momentos” do debate, dos momentos mais acalorados. A afirmação de Erundina soou como ofensa a sujeitos que se inscreviam em determinadas posições, porque contrariava a imagem de alguém que se dizia “não político e moderno”. Na verdade, ser chamado de “político velho” soaria como ofensa para qualquer um que estivesse ali, o que diz muito sobre a crise do capital político naquele contexto e sobre o candidato em questão. A fala de Doria também era, sugestivamente, uma ofensa a Erundina, o que no contexto poderia significar “eu sou moderno e você retrógrada”.

Durante a campanha, Doria vendeu a imagem de gestor, de trabalhador, de novidade, de moderno. Querendo ou não, a imprensa, ao falar dele, dificilmente ignoraria esses aspectos tão fixados à sua imagem. A questão é o tratamento dado a esses aspectos e os sentidos produzidos. E para entender o modo como a imprensa brasileira representou tudo isso em seus textos, há três aspectos importantes que serão base para a análise: o que se fala e como se fala do candidato João Doria; o que se fala dele em relação aos seus adversários; e qual a relação disso com o contexto de produção desses discursos pensando-se nos eventos políticos de 2016. Esses aspectos se articulam entre si, pois, como veremos, alguns veículos de comunicação, ao falarem de Doria, reforçaram o discurso do “novo” e, assim, o isentaram dos escândalos políticos daquele contexto, diferindo o agente político dos principais adversários – candidatos que já ocuparam cargos políticos: Marta Suplicy e Erundina tinham sido prefeitas, Haddad era o prefeito naquele ano e Russomano era deputado federal. À vista disso, a posição de Doria parecia comportar uma distinção positiva.

56 Há, de fato, posições distintas perceptíveis nos periódicos analisados. Nota-se, em alguns enunciados, uma ênfase nos qualificativos propagados na campanha, e em outros enunciados, ao contrário, um destaque aos fatos que põem em xeque esses qualificativos. Exemplo disso foram as notícias que circularam quando houve uma divergência na escolha do candidato durante as prévias eleitorais. Houve um “racha” no PSDB, nessa ocasião, quando políticos veteranos filiados ao partido não apoiaram a candidatura de Dória, e esse episódio repercutiu na mídia.

1. Alckmin rebate críticas de racha no PSDB e diz que Doria é 'agregador' (27/09/2016) FSP

2. Para vice-presidente do PSDB, Doria é uma farsa em todos os sentidos (27/09/2016) GGN

Como se pode ver, os títulos das notícias produzem sentidos bastante distintos apesar de usarem elementos comuns: explicitação do nome do político e um qualificativo para Doria.

Lideranças do PSDB: 1. Geraldo Alckmin

2. Vice-presidente Alberto Goldman Qualificam Doria:

1. Agregador

2. Farsa em todos os sentidos

É interessante notar que nos dois casos a imagem de Doria aparece, pelo enunciador midiático, agregado a um julgamento de agentes políticos com forte liderança no partido, o que pode dar legitimidade ao que se diz do candidato. Em (2) há, além do nome, a designação do cargo e a sigla do partido, precedidos de preposição, além da elisão do tema (ruptura no partido). Em (1), o tema é evidenciado e o uso do verbo dicendi “rebate” indica uma tentativa de anulação das críticas. O uso das aspas em ‘agregador’ parece ambivalente, podendo estar relacionada ao discurso direto em uma tentativa de marcar a impessoalidade do enunciador midiático, ou ao sentido do termo, que no âmbito administrativo empresarial, pode ser relacionado ao sentido de “empreendedor”.

Somente esse episódio poderia ser analisado como um indício de posições ideológicas do discurso midiático. Mas, aqui, acrescentaremos outras abordagens: (1) o posicionamento da imprensa em relação a autoafirmação de “gestor” e “não político” e em relação à sua fortuna,

57 analisando os possíveis efeitos de sentido dos enunciados; (2) as maneiras e as formas que se manifestam na imprensa como hábitos de Doria, o modo de se expressar e o modo de se vestir, destacando como muitas destas maneiras remetem à classe social do candidato, analisando os efeitos de sentido desses enunciados.

A sequência da análise se organiza com base nos veículos de comunicação e nos gêneros, começando pelos recortes de notícias dos dois jornais analisados, a Folha de São Paulo e o GGN, e pelos recortes das reportagens das revistas IstoÉ e Carta Capital. Inclui-se nessa análise o item (1) que trata da adesão/recusa do discurso antipolítico de Doria, e evidenciam-se as distinções entre esses discursos, tanto de veículo para veículo, quanto de gênero para gênero. Em seguida, serão analisadas uma reportagem e duas charges do Jornal Folha de São Paulo, contemplando, então, o item (2) que envolve o modo como os hábitos de Doria são relatados e relacionados à sua classe social. A organização segue uma sequência mais ou menos temporal, pois as notícias dos jornais abrangem o período de campanha e a semana pós-eleição, já as reportagens das revistas contemplam apenas o período pós-eleição, de anúncio da vitória.

3.2 Novo, gestor e “do dólar”: João Doria Jr. Representado na mídia

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