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Em Julho de 1889, começou a ser publicado, na cidade do Porto, o mensário Revista

de Portugal, sob a direcção do renomeado escritor Eça de Queiroz. O novo periódico

conheceu inicialmente um enorme êxito editorial, motivado, quer pela forte publicidade que precedeu o respectivo aparecimento (com anúncios nos diversos jornais e revistas já existentes),2 quer pela fama do director. Os leitores, porém, rapidamente se desiludiram com a revista, que em poucos meses perdeu dois terços dos leitores e não duraria mais de 24 números. Num esforço para recuperar as vendas, Eça introduziu no periódico a tradução em fascículos de uma novela inglesa, As Minas de Salomão, a qual, quando surgira, quatro anos antes, constituíra um grande sucesso (pelo menos 5000 exemplares vendidos na Grã-Bretanha, só em 1885). A publicação dessa narrativa na Revista de Portugal (entre Outubro de 1889 e Junho de 1890) era, na opinião de Eça, um autêntico trunfo, algo que poderia potenciar as tiragens do periódico, não obstante o elevado preço do mesmo (500 réis). A novela em questão, da autoria do escritor britânico Henry Rider Haggard, beneficiara, também ela, de uma forte campanha publicitária quando da sua 1.ª edição inglesa, mas isso não chega, naturalmente, para explicar o descomunal êxito que alcançara nos países anglo-saxónicos.3

1

CONRAD, Joseph – O coração das trevas. Trad. de Teresa Amaro. Porto: Público, imp. 2004, p. 10- 11.

2

Ver, por exemplo, REVISTA DE PORTUGAL. Pontos nos ii. Lisboa. Ano 5, n.º 202 (1889-03-28), p. 97.

3

HIGGINS, D. S. – Rider Haggard. New York: Stein and Day, 1983, p. 70-77, 83-86, 100-101, 108; MATOS, A. Campos, org. – Dicionário de Eça de Queiroz. 2.ª ed. rev. e aumentada. Lisboa: Caminho, imp. 1993-2000, vol. 1, p. 590-598, 848-849. A versão portuguesa da novela foi posteriormente republicada sob a

O apelo das Minas de Salomão junto do público europeu advinha da forma como conseguia prender o leitor médio a um assunto da actualidade – a chamada “corrida a África”. O argumento girava em torno de uma expedição de exploração africana, descrita de tal modo que, como nas novelas contemporâneas de Júlio Verne (também elas um êxito de público em toda a Europa, sem exceptuar Portugal), parecia quase impossível discernir onde acabava a realidade e começava a ficção. Simplesmente, enquanto o realismo atingido pelo escritor francês se baseava essencialmente na leitura atenta de revistas de divulgação científica, a verosimilhança atingida pelo inglês devia-se em grande parte ao facto de este último ter passado vários anos na África Austral.

Os expedicionários europeus que protagonizavam as Minas de Salomão eram três: um caçador de elefantes, Alão Quartelmar (Allan Quatermain, na versão original); um militar de carreira, o capitão da Marinha, John Good; e, finalmente, um abastado aristocrata, o baronete Sir Henry Curtis. Quartelmar era descrito como um homem de baixa estatura, à semelhança dos famosos exploradores da vida real, Livingstone e Stanley, embora o público leitor preferisse pensar que a personagem se baseava em outro africanista inglês, o caçador Frederick Courteney Selous, cujo relato de viagens, A Hunter’s Wanderings in Africa, publicado em 1881, constava certamente da bibliografia usada por Rider Haggard para redigir as Minas.4 Houve ainda quem visse o modelo do capitão John Good no nosso já conhecido Harry Johnston, que em 1885 ainda não visitara o Chire, mas possuía um vasto currículo de viagens a Tunes, Angola, Congo e monte Quilimanjaro, na África Oriental.5 Quanto ao baronete Henry Curtis, era um aristocrata de ascendência dinamarquesa, à semelhança do próprio Rider Haggard.

A expedição partia para o sertão rodeada de um certo sigilo, como era comum, não só nas aventuras escritas por Júlio Verne, mas também na vida real. Pois em África o segredo era

forma de livro: HAGGARD, Rider – As minas de Salomão. Traducção rev. por Eça de Queiroz. Porto: Chardron, 1891.

4

Selous fez questão de encontrar-se com o explorador Serpa Pinto em Pretória, quando o português terminava a travessia de África. Cf. O Occidente. Lisboa. Vol. 2, n.º 44 (1879-10-15), p. 159; PINTO, Serpa –

Como eu atravessei Àfrica. Londres: Sampson Low, 1881, vol. 2, p. 282-284. 5

JOHNSTON, Alex – The life and letters of Sir Harry Johnston. Whitefish, Montana: Kessinger, [2005], p. 87-88. Rider Haggard, porém, negava a identificação do fictício capitão da Marinha com o então ainda relativamente pouco conhecido explorador, como, aliás, rejeitava que Quartelmar fosse inspirado em Selous. Cf. HIGGINS – Rider Haggard, p. 71-72, 101.

a alma do negócio, e os próprios intermediários comerciais do sertão não tinham escrúpulos em dar informações falsas aos viajantes, para os impedirem de obterem um acesso directo às mercadorias, ou do litoral ou do centro do continente, conforme o caso. Os macololos que Livingstone levou consigo, do Baroce para Luanda, por exemplo, tiveram de se haver, pelo caminho, com os praticantes de tal “política de sigilo”.6

A expedição descrita na novela tinha também uma componente “científica”, o que era, aliás, usual nas narrativas de Verne e, de uma forma geral, nas obras de literatura infanto- juvenil coeva, cuja missão era, supostamente, instruir enquanto divertiam. No caso vertente, o capitão Good possuía um almanaque que lhe permitia calcular com precisão os eclipses do Sol. Isto, pelo menos, até que leitores mais versados em astronomia fizeram notar a Rider Haggard a impossibilidade de, conforme se encontrava descrito na narrativa ficcional, imediatamente após uma noite de Lua cheia, se dar um eclipse solar. O “erro científico” foi imediatamente corrigido pelo autor, certamente para o livro não perder credibilidade, nem compradores, entre os pais preocupados com a qualidade do que os seus filhos liam… Como tal correcção, porém, só se deu na reedição de 1887 e posteriores, e a tradução publicada na

Revista de Portugal contém o mencionado “erro”, devemos concluir que o texto português se

baseia numa versão anterior da novela.7

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