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3 A polícia precisa ser policiada

3.3 Uma imagem mais próxima dos efetivos policiais

Para melhor compreendermos a imagem dos efetivos da Brigada Militar aqui desenhados, a partir de agora, vamos analisar, em especial, o 1° Esquadrão do 1° RC. Os dados pesquisados estão no livro número um do esquadrão, que foi elaborado de 1895 até 1903. O total de homens ali relacionados ao longo do período é de 436 praças, destes, 155 são descritos como brancos, 248 são descritos como homens de cor, ficando 33 praças sem qualquer tipo de identificação de sua etnia. Portanto, temos 35,55% de homens classificados como brancos e 7,56% de homens sem qualquer identificação. Novamente, seguindo a tendência geral da instituição, a maioria são os homens qualificados como de cor, somando um total de 56,88% dos 436 praças relacionados.

Morais (2002) desenvolve uma história da Brigada Militar com base nos oficiais e não nos praças da instituição policial-militar, atribuindo profissionalismo aos oficiais e, com isso, desconsiderando os praças, que eram a maioria esmagadora dos efetivos. Para Morais, há uma ruptura entre o modelo coercitivo imperial e a formação do policial e militar do moderno modelo republicano. Este teria por base o profissionalismo, a disciplina e o espírito de grupo, o que teria possibilitado o surgimento do “militar puro, em outras palavras, do corpo despossuído da ideia de classe social e, ao mesmo tempo, identitariamente, identificado com o Estado.” (2002, p. 45) Não há como concordar com Morais nesse sentido. Primeiramente, porque Moreira (1995), ao fazer uma história das praças de polícia, já demonstrou não apenas a existência de um vínculo de classe social, mas também seu peso e importância na constituição dos efetivos policiais. Afinal, não era fácil recrutar, desde os tempos finais do Império, os homens das classes sociais mais abastadas. Isso pode ser constatar nos primeiros anos de constituição da Brigada Militar, a partir da continuidade da prática em recrutar homens oriundos das classes sociais subalternas da sociedade, ou seja, os nacionais de cor.

Se não considerarmos as praças do 1° Esquadrão que não possuem identificação, os números nos são mais reveladores. Desse modo, teremos 38,46% de praças classificados como brancos, e uma grande maioria, 61,53% identificados como homens de cor. Composição étnica da polícia, que Carvalho (2005) considera possuir peso político no cotidiano das ruas em Santa Maria. A pesquisadora demonstrou, ao analisar processos crimes, em que ficava implícita a identificação étnica entre policiais e homens de cor, pois, “é preciso relativizar que as relações entre policiais e populares eram, via de regra, de animosidades.” (2005, p.213)

Para Morais (2002), os soldados da Brigada Militar possuíam o “profissionalismo dos oficiais” e a possibilidade de estabilidade funcional na instituição, o que não estava ao alcance das praças, que estavam de passagem temporária na polícia. Isso seria, segundo o pesquisador, “uma política de identificação do soldado-burocrata com o estado republicano” (2002, p. 46), porque o soldado-burocrata seria fruto da modernização do aparato coativo do estado. Uma modernização que foi feita do ponto de vista da administração racional dos meios e recursos da instituição militar e do próprio estado burguês que se instalava.

Conforme Morais (2002), o oficial teria uma relação de profunda identificação com o estado, proporcionada pelo fato de eles usufruirem do direito de pensão aos familiares em caso de seu falecimento e da possibilidade de aposentadoria; direitos que as praças não possuíam. Mariante (1972), que também escreve uma história dos oficiais, corrobora essa

condição, ao descrever que nas instituições policiais, embrião da Brigada Militar, os oficiais já possuíam o direito à aposentadoria, o que não se estendia as praças.

O oficial possui uma relação identitária com o estado de maior intensidade, o que demanda uma disciplina específica, atribuindo-lhe determinadas responsabilidades na administração da violência que o diferencia substancialmente do praça, um mero executor técnico. (MORAIS, 2002, p.89)

Dessa forma, o “soldado burocrata” ou mesmo o “militar militarizado,” 11 descrito por Morais, não condiz com a situação da grande maioria dos homens que compunham a instituição policial e militar do Estado do Rio Grande do Sul. Morais descreve um soldado moderno, disciplinado, bem preparado, enfim, um profissional que era desejado pelo discurso positivista referendado pelo governo castilhista. Estende tais características “aos soldados” de maneira generalizante, porém esse soldado ideal, reflexo dos oficiais da Brigada Militar, não nos foi possível visualizar nas tropas em geral. O compromisso com a corporação e a pretensa estabilidade na instituição não nos parece possível mediante a condição temporária que o serviço militar/policial tinha para o praça, antes ou mesmo após, a formação da Brigada Militar.

Moreira (1995) já havia demonstrado o caráter transitório do “estar policial”, ou seja, a situação temporária que a profissão possuía nas vidas dos homens que optavam por essa ocupação nos anos finais do Império. Isso será visualizado para o 1° Esquadrão, a partir das faixas etárias do efetivo de praças que compunham organização militar:

QUADRO 1 – FAIXA ETÁRIA DOS HOMENS QUE SENTARAM PRAÇA NA BM

Faixa etária de ingresso na BM Data referência Número Praças %

De 15 a 20 anos 1880 – 1885 36 24,48%

De 21 a 25 anos 1875 – 1879 47 31,97%

De 26 a 30 anos 1870 – 1874 37 25,17%

De 31 a 35 anos 1860 – 1864 19 12,92%

De 36 a 40 anos 1859 - 1855 07 4,77%

Com mais de 40 anos 1855 – 1859 01 0,69% Total de 147 100% Fonte: Arquivo do Centro Histórico Cel. Pilar – 1° RPMon – Santa Maria – RS.

11

“A militarização do militar está diretamente ligada à despolitização interna da força e sua subordinação técnica ao aparato administrativo estatal. A politização é substituída pelo espírito de corpo que forma a unidade corporativa, disciplinada e identificada com o Estado-burguês.” (MORAIS, 2002, p.51)

Com base nas faixas etárias dos homens que sentavam praça, podemos constatar que não havia um limite de idade específico, ou seja, um pré-requisito para estar habilitado à atividade do policial-militar. Em nossa amostra, estão representados homens que sentaram praça pela primeira vez, com idade entre os 15 e os 50 anos de idade, em que temos uma significativa porcentagem de 18,38% do total, que sentavam praça pela primeira vez, com idade acima dos trinta anos. Podemos aqui destacar o caráter temporário que exercia na vida desses homens a atividade militar. Isso porque, ao implantar ordem burguesa de trabalho, o estar empregado e ter para si um ponto referencial naquela sociedade pareciam ser motivos suficientes para estar empregado como policial e, assim, escapar ao rótulo de vagabundo ou desocupado. (PESAVENTO, 1989) O empregar-se como policial era assumir uma atividade desprestigiada na sociedade de então, mas, ao que nos parece até o momento da análise, o ser policial era uma das principais atividades destinada e assumida pelos homens tidos por nacionais.

Os policiais, conforme procuramos descrever neste artigo, encontravam-se na ambígua condição de sentinelas dos novos hábitos e ao mesmo tempo eram indivíduos que – por sua origem popular – compartilhavam dos comportamentos que a sua instituição visava erradicar. (MOREIRA, 1995, p.94)

Segundo Moreira, a partir da análise dos interrogatórios dos processos crimes de fins do século XIX, pode-se “constatar o caráter temporário e isento de profissionalização dos policiais.” (1995, p.65) Ser policial não era considerado uma ocupação profissional, mas um serviço ocasional. Temporalidade que podemos visualizar no gráfico a seguir, analisando os motivos que conduziam ao desligamento destes homens em relação à Brigada Militar, e também os meios e mecanismos da própria instituição, dos quais eles faziam uso, conforme seus objetivos e circunstâncias pessoais.

GRÁFICO 3 - MOTIVOS DE SAÍDA DA BM

Fonte: Arquivadas no Centro Histórico Cel. Pilar - 1° RPMon - SM.

O que salta aos olhos, na primeira observação dos dados contidos no gráfico, é a condição de incapacidade física como o maior motivo do desligamento dos praças da BM. Os dados ficam ainda mais impressionantes, se somarmos aos praças que deram baixa do serviço policial-militar por motivo de falecimento. Nesse caso, chegaremos a 46,91% do total de praças dos quais temos as referências dos motivos de suas baixas do serviço. Com números que chegam a, praticamente, metade do total, certamente essas eram situações de conhecimento geral, o perigo para a saúde ou mesmo para a vida, devia ser levado em consideração na hora de assumir os riscos da profissão. Qualquer leitor, por mais desatento que seja, irá notar a existência de um grande número de referências a internações hospitalares, nos históricos contidos nos livros de assentamento de praças.

O caso de Victal Vicente, natural deste estado, nascido em 1870, casado, preto, sentou praça em 10/04/1892, permanecendo até 23/04/1900, quando deu baixa do serviço policial- militar por incapacidade física12. Esse praça possui histórico de punições por insubordinação e também por mais de uma deserção, mas sempre se reapresentava e assumia novamente suas funções. Entre uma punição ou uma deserção, o mesmo praça possui relatos em seus assentamentos de que participou de diligências pelo interior do estado, ou seja, cumpria com seu serviço de policial. Histórico que podemos ter como modelo de utilização dos espaços de manobra que existiam dentro da própria força policial. Espaços que permitiam ao praça, ausentar-se por tempo indeterminado, por motivos desconhecidos por nós, mas que faziam

12 Fonte: Arquivada no Centro Histórico Cel. Pilar – 1° RPMon – SM, referente ao livro de assentamento de praças número 1 (1895 – 1903) nas páginas números 38, 179 e 302.

37,03% 18,51%

12,34% 9,88% 9,88% 6,18% 6,18% 100%

Foram considerados somente os praças que apresentavam o motivo de sua saída da BM. Sendo considerados 81 praças do 1° Esqd neste gráfico.

parte das possibilidades desses para resolverem assuntos particulares de seu interesse, ou mesmo, somente para afastar-se temporariamente de alguma obrigação indesejada em seus afazeres da caserna militar, mesmo que isso significasse posterior punição disciplinar.

As possibilidades e brechas que o sistema disciplinar, controle e vigilância da Brigada Militar exercia em seus efetivos policiais foi constatado por nós nas páginas dos livros de assentamento dos praças. Estes deixavam espaços possíveis aos praças para uma opção de escolha. O praça (policial) poderia escolher entre uma punição ou o cumprimento de uma indesejada obrigação ou missão. Muito além de descumprir ordens ou regulamentos, o praça também fazia uso dos mecanismos legais da força que o favorecessem, pois não era só de conflito com o sistema que se fazia esta relação desigual de forças. Moreira (2003), para os anos finais do Império, em especial, para os anos da guerra do Paraguai, descreveu a prática de apresentação de substitutos para o serviço militar. Subterfúgio que os homens da elite colocaram em prática, com a intenção de se isentarem do serviço militar, ou para isentar um filho, ou ainda, um dos seus homens de confiança, que fizesse parte de seu círculo de influências políticas e econômicas.

Na observação de nosso gráfico, chama-nos atenção, mais uma vez, a quantidade significativa de praças que apresentam para si um substituto, diferentemente do contexto de guerra em que Moreira (2003) observou essa prática. Os 6,18% de praças, que usaram da apresentação de um substituto para si, não estavam em um contexto de guerra e nem revolucionário, pois já havia terminado a Revolução Federalista. Não havia escravos para barganhar a troca, e também não eram homens oriundos da elite de então. Esses “homens de cor” – não se pode afirmar com exatidão – poderiam ter utilizado alguma reserva financeira para persuadir o seu substituto a ocupar sua vaga na Brigada Militar? Nossa documentação não possibilita afirmar essa prática, o que fica é a impressão do peso da indicação, da possibilidade de exercer uma função mais aceitável e menos perigosa dentro da corporação militar. A inclusão de um familiar ou amigo que ainda buscava uma melhor posição, etapa que ele, substituído, já teria superado por ter alcançado ocupação melhor e menos ariscada, que a de ser policial naquela sociedade e estar sempre na mira dos regulamentos disciplinares da instituição militar.

Em foco nos regulamentos disciplinares da BM de então, estava a moralização e remodelação dos hábitos e costumes dos policiais e, em consequência, também dos populares. Conforme a doutrina do positivismo castilhista, o casamento assim como o trabalho fixo eram algumas das imposições do processo de normatização e moralização social que exigia o estado republicano castilhista. (PESAVENTO, 1989) Exigências que tinham a intenção de

controlar a mobilidade espacial dos que não se ajustavam às regras do jogo republicano. Nesse sentido, seria normal constatarmos a constituição familiar oficializada perante o estado, nos efetivos da Brigada Militar. No entanto, dos 152 praças arrolados no 1° Esquadrão, 15,78% ou, apenas 24 praças, declaravam-se casados, contra 82,89% ou 126 praças que se diziam solteiros. Dentre estes, somente 1,31%, ou 02 praças, não havia informação se eram ou não casados.

Segundo Silvia Arend (1995), na Porto Alegre de fins do XIX e início do XX, a mortalidade entre os populares era o grande motivo da quebra da unidade familiar. Isso, devido, entre outros motivos, as constantes epidemias de cólera, tifo e gripe e, além destas doenças, os populares conviviam com a tuberculose e doenças venéreas. É nesse contexto que a contrapartida ao casamento para os populares, o amasiamento, não era considerado tanto pela polícia quanto pela justiça “um estado equivalente ao casamento” (1995, p. 16). Então, os que ficavam vivos, não eram identificados pelo estado civil de viúvos ou viúvas, por terem perdido seus amásios.

Mesmo havendo a possibilidade legal do casamento e ainda a expectativa de realizá- lo, talvez como forma figurada de ascender à ordem burguesa que o exigia, os populares preferiam o amasiamento (...) ao fazerem essa opção diante da “encruzilhada cultural” que se estabelecia os populares permaneciam “fiéis” ao seu próprio “universo.” (AREND, 1995, p.17)

A campanha das autoridades políticas e policiais, além do trabalho fixo e do casamento como forma de controle social, promovia, no Rio de Janeiro, uma reformulação urbanística do centro da cidade. (CHALHOUB, 2001) Esta teria, como um dos seus focos moralizadores, restringirem o hábito de ingerirem bebidas espirituosas em ambientes de passeio público. Tal fato, na prática, significava a retirada de quiosques que serviam a branquinha, à beira das calçadas para os jornaleiros, ambulantes e trabalhadores em geral. Esses estavam em campanha para identificar e denunciar as zonas de desordem “constituídas por becos, tabernas e prostíbulos (...). Também eram qualificadas como zonas perigosas algumas comunidades inteiras, caso do Areal da Baronesa e da Colônia Africana (MAUCH, 2004, p.85). Bairros inteiros eram estigmatizados devido à composição étnica de sua população.

... o Areal da Baronesa ficou conhecido como um bairro predominantemente negro. Assim como a Rua da Margem e adjacências, o Areal da Baronesa também estava sujeito a alagamentos e só recebeu tratamento urbanístico depois dos anos cinqüenta de nosso século, permanecendo até esta época como local de moradia de famílias

pobres e também de soldados, devido à proximidade de quartéis da Brigada Militar. (MAUCH, 2004, p. 86)

As zonas de desordem eram definidas pela existência ou não de espeluncas (botequins e tabernas), fator suficiente para a área e adjacências serem consideradas “antros” suspeitos. Nesses locais, considerados “propícios para o crime e a desordem” (MAUCH, 2004, p.87), era que boa parte dos praças da Brigada Militar residiam e conviviam com os costumes que deveriam evitar e controlar. Segundo Chalhoub (2001), era nas conversas das horas de descanso, nos botequins e espeluncas, que se entorpeciam os corpos e se afogavam as mágoas do labor diário. A estigmatização desses espaços de lazer por excelência fazia parte do que o pesquisador descreve como a tentativa de transformar o pobre nacional em um morigerado trabalhador.

Dos 152 praças do Primeiro Esquadrão do 1° RC (Regimento de Cavalaria), 72 praças possuíam uma ou mais punições disciplinares, ou seja, 47,36% em um dado momento cumpriram prisão por terem cometido algum tipo de infração e terem sido apanhados por seus superiores hierárquicos. O policial-militar Augusto Luiz dos Santos, nascido em 1872, preto, sentou praça, em 11/09/1896, ainda solteiro, casando-se durante o período em que permaneceu na Brigada Militar. Possui em seus registros uma prisão por ter abandonado o serviço de patrulha e ter ido dançar e bebericar em um baile. Este policial faz parte dos 5,71% de praças que possuem punição por abandono de posto, bem como faz parte do universo representado no gráfico a seguir.

GRÁFICO 4 - PUNIÇÕES DOS PRAÇAS DO 1° ESQUADRÃO

Fontes: Arquivadas no Centro Histórico Cel. Pilar - 1° RPMon - Santa Maria - RS

Se somarmos os 5,71% que abandonaram o posto de serviço aos 23,8% que nem compareceram ao trabalho, podemos imaginar os motivos dessas faltas. Isso porque o costume de ingerir bebidas espirituosas parecia ser um hábito que fazia parte, inclusive, do ambiente de trabalho. O soldado Ignácio Raymundo dos Reis, nascido em 1877, preto, sentou praça em 04/11/1896 e possui em seus registros mais de uma prisão. Foi preso por estar embriagado e também por levar bebidas alcoólicas quando estava de serviço de patrulha. Podemos estimar os já 29,51% da soma anterior com os 26,66% de praças punidos por terem sido encontrados embriagados por algum de seus superiores hierárquicos.

Conforme Chalhoub (2001), o estabelecimento de novos costumes pelas classes detentoras do dinheiro para as classes sociais subalternas significava justificar, ideologicamente, o poder de mando e o combate à ociosidade do trabalhador nacional. Ou seja, era necessário ao trabalhador estar subordinado a um patrão, a um superior hierárquico,

o que, segundo o próprio pesquisador, não aconteceu de forma harmônica e linear, situação,

que está representada em nosso gráfico, a partir dos 6,66% de punições atribuídas a atos de insubordinação. É o caso de Valmiro de Souza, nascido em 1876, moreno, sentou praça em 23/11/1895, sendo punido com prisão por ter questionado um oficial superior a respeito da prisão de um companheiro seu, pois não aceitava os motivos da punição.

26,66% 23,80% 12,38% 8,57% 6,66% 5,71% 4,76% 4,75% 6,74% 100%

Além das rivalidades, entre os praças e seus superiores, também existia a cumplicidade dos policiais-militares. José da Silva, nascido em 01/01/1877, preto, sentou praça em 14/01/1893, sendo punido com prisão por não ter detido dois companheiros seus de farda, que estavam provocando desordem pública. Era o tipo de ocorrência policial que, segundo Mauch (2004), era estampada nos periódicos.

“Soldados, marinheiros e crioulos debochados” (...) seriam freqüentadores habituais das espeluncas, pois é raro não encontrar pelo menos um deles sendo citado nas matérias sobre o tema. Os soldados e policias, sejam eles praças da Brigada Militar, do Exército, da Guarda Nacional ou da Polícia municipal, são freqüentadores citados como protagonistas de desordens em botequins. (MAUCH, 2004, p.92)

As políticas de repressão durante a República Velha tinham a intenção de controlar os hábitos populares das classes subalternas da sociedade. Estas faziam parte de um grande processo avassalador de mudança espiritual e cultural, segundo Chalhoub (2001). Esse projeto não foi alcançado sem muita luta e resistência por parte dos populares nacionais. A Brigada Militar fez parte desse grande projeto de imposição dos novos hábitos sociais no Estado do Rio Grande do Sul.

Contudo, a historiografia que descreve a atuação desta instituição militar estadual, durante muito tempo, descaracterizou o caráter popular que os efetivos da Brigada Militar possuíam, ou seja, mascarava e maquiava com o que Morais (2002) chamou de militar- militarizado. Assim, subtraindo da instituição policial-militar o seu reflexo popular, trans- figurava a imagem que a sociedade fazia dos praças, a partir da imagem que esta fazia dos oficiais. Entre o esquecer e fazer vistas grossas, a partir do contato cotidiano entre populares e policiais, os praças forjaram a verdadeira imagem do policial-militar, fosse ela da elite dominante ou das classes subalternas.

Morais (2002) busca em Mariante (1972) a explicação para a formação militar dos policiais da Brigada Militar. Todavia, ao fazer essa busca, incorreu no mesmo equívoco deste pesquisador. Ao afirmar que, na pós-Revolução Federalista, o efetivo da Brigada Estadual se aquartelou e lá “permaneceu quase que em sua totalidade na caserna,” não participando do serviço policial durante o período da Republica Velha. (MORAIS, 2002, p.141) Contudo, é justamente essa participação no policiamento que constatamos nas leituras dos históricos dos praças daquela corporação policial-militar. Assim, a partir do próximo capítulo, iremos analisar, a chegada da Brigada Militar no município de Santa Maria.

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