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law. Este sistema “foi desenvolvido com o fim do feudalismo e após a descoberta dos textos compilados do direito romano dos tempos do império romano” (PANTOJA, 2019), tendo como principal característica o positivismo da norma.

Os países adotantes deste sistema jurídico acometam mais burocracia no trâmite processual, o que, consequentemente, aflige diretamente na celeridade. A crise é impulsionada pela sobrecarga no judiciário, causada pelo aumento da taxa de criminalidade e pela demora da prestação jurisdicional (NARDELLI, 2014), conforme elucidado por Viana (2019, p. 361):

Embora o Brasil seja um país tradicionalmente norteado pelo sistema do civil law, a Lei n. 9.099/1995 foi a responsável pela implementação de duas grandes medidas despenalizadoras – transação penal e suspensão condicional do processo –, as quais foram fortemente influenciadas pelo modelo americano (common law) de justiça penal.

À vista disto, a adoção de práticas que visem à desobstrução do judiciário estão sendo cada vez mais incorporadas no ordenamento jurídico, sendo que a Constituição da República Federativa do Brasil, em seu art. 98, já previa a possibilidade de institutos para crimes de menor potencial ofensivo:

Art. 98. A União, no Distrito Federal e nos Territórios, e os Estados criarão:

I - juizados especiais, providos por juízes togados, ou togados e leigos, competentes para a conciliação, o julgamento e a execução de causas cíveis de menor complexidade e infrações penais de menor potencial ofensivo, mediante os procedimentos oral e sumaríssimo , permitidos, nas hipóteses previstas em lei, a transação e o julgamento de recursos por turmas de juízes de primeiro grau (BRASIL, 1988).

Assim, desde a implementação da Lei n. 9.099/1995 (BRASIL, 1995), que previa institutos como a transação penal e suspensão condicional do processo, como já dito, este novo modelo de justiça vem sendo implementado de forma gradativa a fim de solucionar os

problemas do sobrecarregamento do judiciário, visando a celeridade, duração razoável do processo e efetividade.

Mais tarde, com o surgimento da Lei n. 12.850/2013 (BRASIL, 2013), outra inovação agregou o ordenamento jurídico: a colaboração premiada. Ademais, nesta longa caminhada de evoluções e inovações, surge o instituto do acordo de não persecução penal, o qual, segundo Viana (2019, p. 363):

A realidade caótica do sistema brasileiro de justiça criminal demanda novas formas de atuação do Estado. E não é de hoje que surgiu essa reivindicação; a implementação de medidas diversionistas (que apresentam soluções diversas da instrução processual plena) é, atualmente, vista como uma alternativa real para a resolução mais célere das lides de natureza penal.

Deste modo, restou estabelecido “um sistema com a eleição inteligente de prioridades, levando para julgamento plenário somente aqueles casos mais graves”, enquanto para os crimes de pequeno e médio potencial ofensivo “restaria a possibilidade da celebração de acordos que evitariam o full trial, economizando-se tempo e recursos públicos e lançando mão de uma intervenção menos traumática para esses tipos de delitos” (CABRAL, 2018, p. 22 apud VIANA, 2019, p. 364).

No ano de 2017, o Conselho Nacional do Ministério Público publicou a Resolução 181/2017, que previa, inicialmente, o ANPP (CONSELHO NACIONAL DO MINISTÉRIO PÚBLICO, 2017). Tal resolução foi alvo de críticas acerca de sua constitucionalidade, considerando que o Ministério Público não tem poder legislativo, e apenas a União pode legislar em matéria criminal. Com efeito, a Resolução foi objeto de Ações Diretas de Constitucionalidade, as quais serão tratadas a seguir.

De largada, a ADI 5793, que tinha como parte autora a Associação dos Magistrados Brasileiros, “argumentava que a resolução do CNMP invadia a competência legislativa, inovando em matéria processual penal e, por conseguinte, violando direitos e garantias individuais do investigado” (MONTEIRO, 2020).

Já a ADI 5790, protocolada pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, “levantou-se que a resolução do CNMP ofendia o princípio da reserva legal e da segurança jurídica, extrapolando o poder regulamentar do Conselho Federal do Ministério Público, sob clara afronta ao que prevê a Constituição Federal” (MONTEIRO, 2020).

Isto posto, após muita discussão acerca da constitucionalidade do instituto, no ano de 2019, o então Ministro de Justiça Sérgio Moro apresentou a Lei 13.964/2019 (BRASIL, 2019), popularmente conhecida como pacote anticrime. A norma regularizou o ANPP, visto que agora

estava previsto em lei nacional (o Código de Processo Penal), bem como, flexibilizou o princípio da obrigatoriedade da ação penal pública (MONTEIRO, 2020).

A modificação do Código de Processo Penal, ao trazer o ANPP, alterou de forma considerável a resolução conflitiva no tocante à criminalidade de média potencialidade lesiva, abandonando a postura processual contenciosa para a implementação da justiça penal colaborativa (MELO; BROETO, 2020).

Irrefutável que o ANPP inovou o ordenamento jurídico brasileiro ao ampliar a justiça penal negociada. Isso porque, ao criar soluções rápidas aos crimes de médio potencial ofensivo, o instituto causou imenso impacto e revolucionou o Processo Penal considerando que abarca mais de 70% dos crimes previstos na legislação penal.

Destarte, ante o exposto, mostra-se relevante o estudo sobre o tema, bem como a análise das opiniões contrárias e favoráveis à inovação.

4.2 POSICONAMENTOS CONTRÁRIOS AO ANPP

O motivo primordial que leva os juristas se posicionarem de maneira contraria à evolução e ampliação da justiça penal consensual é a dissonância com os direitos fundamentais e garantias constitucionais. O entendimento é de que a relativização destes direitos afronta o Estado Democrático de Direito (MONTEIRO, 2020), tendo em vista que, por vezes, a constante busca pela modernização e celeridade acabam deixando de lado tais direitos, o que se torna inadmissível para um processo penal justo, pela perspectiva do acusado, conforme destacado por Gomes (2015 apud MONTEIRO, 2020):

Para tanto, importante mencionar as principais críticas perfilhadas em torno da justiça negociada, como os possíveis abusos praticados pelos órgãos acusatórios, a desjudicialização do conflito, a violação do direito ao silêncio, da presunção do estado de inocência, da verdade real e o desequilíbrio da balança entre os atores processuais.

Assim, a premissa é de que, com a adoção de práticas que deneguem o procedimento processual penal comum, ocorra a renúncia às garantias processuais penais e, consequentemente, causem um aniquilamento do modelo garantista, assemelhando-se, deste modo, à tortura, caracterizada pela coação do acusado (BRANDALISE, 2016).

Ademais, a preocupação se dá em razão dos prejuízos que possivelmente advirão da prática incisiva do Estado para com as garantias individuais. Em análise acerca da justiça consensual americana, por exemplo, nota-se que os casos criminais que chegam à instrução

probatória são inferiores à 10%, demonstrando, assim, que o interesse da sociedade é apenas na punição dos acusados, e não na maneira em que são obtidos os resultados (SILVA, 2020).

Dando seguimento ao aludido, o cerne da discussão é a exigência da confissão, haja vista que a confissão obtida no instituto, por ser fora do âmbito processual, não observa as garantias constitucionais. Inclusive, sobre o tema, Nucci (2014, p. 557 apud XIMENES, 2015) destaca que “a confissão extrajudicial, não contando com as garantias constitucionais inerentes ao processo, especialmente o contraditório e a ampla defesa, é apenas um meio de prova indireto, isto é, um indício” (NUCCI, 2014, p. 557 apud XIMENES, 2015).

Ainda assim, é possível utilizá-la como suporte probatório da denúncia, conforme disposto nos Enunciados Interpretativos da Lei 13.964/2019 (BRASIL, 2019):

ENUNCIADO 27 (ART. 28-A, § 10): Havendo descumprimento dos termos do acordo, a denúncia a ser oferecida poderá utilizar como suporte probatório a confissão formal e circunstanciada do investigado (prestada voluntariamente na celebração do acordo) (CONSELHO NACIONAL PROCURADORES-GERAIS, [s. d.]).

Cumpre mencionar que as primeiras menções à confissão, feitas na Lei Mosaica (Bíblia) pelos Hebreus, não reconheciam a condenação com base exclusiva da confissão, considerando que a imposição da culpabilidade representa contrariedade à natureza humana (NUCCI, 1999 apud BETTA, 2020). Neste sentido, cumpre serem analisados alguns posicionamentos.

De forma primordial, para Silva (2020), a exigência da confissão como um requisito objetivo para a celebração do acordo de não persecução penal fere a Constituição Federal. O art. 5º, o qual apregoa os direitos e garantias fundamentais, mais precisamente no inciso LXVIII, estabelece que “o preso será informado de seus direitos, entre os quais o de permanecer calado” (BRASIL, 1988).

Apesar de a previsão constitucional referenciar apenas pessoas em situação de cárcere, a hipótese do dispositivo abarca suspeitos e acusados em qualquer situação processual (GIACOMOLLI, 2017 apud CARDOSO, 2020).

Em apreciação ao supramencionado, disposto na Constituição Federal, há o entendimento de inobservância do princípio nemo tenetur se detegere, que "tem sido considerado direito fundamental do cidadão e, mais especificamente, do acusado. Cuida-se do direito à não auto-incriminação, que assegura esfera de liberdade ao indivíduo, oponível ao Estado, que não se resume ao direito ao silêncio" (QUEIJO, 2003).

Em outros termos, é o reconhecimento da não atribuição do acordante produzir provas contra si mesmo, considerando que se trata de atribuição do Ministério Público (SILVA, 2020). Outrossim, sobre o tema, destaca Lopes Jr. (2017, p. 446:

O direito de silêncio é apenas uma manifestação de uma garantia muito maior, esculpida no princípio nemo tenetur se detegere, segundo a qual o sujeito passivo não pode sofrer nenhum prejuízo jurídico por omitir-se de colaborar em uma atividade probatória da acusação ou por exercer seu direito de silêncio quando interrogado. Sem embargos, destaca-se que há previsão expressa na Convenção Americana de Direitos Humanos (Pacto de San José da Costa Rica), de 1969, ratificado pelo Brasil, sobre o direito mencionado, conforme se vê:

Artigo 8º - Garantias judiciais

1. Toda pessoa terá o direito de ser ouvida, com as devidas garantias e dentro de um prazo razoável, por um juiz ou Tribunal competente, independente e imparcial, estabelecido anteriormente por lei, na apuração de qualquer acusação penal formulada contra ela, ou na determinação de seus direitos e obrigações de caráter civil, trabalhista, fiscal ou de qualquer outra natureza.

2. Toda pessoa acusada de um delito tem direito a que se presuma sua inocência, enquanto não for legalmente comprovada sua culpa. Durante o processo, toda pessoa tem direito, em plena igualdade, às seguintes garantias mínimas:

[...]

g) direito de não ser obrigada a depor contra si mesma, nem a confessar-se culpada; (BRASIL, 1992).

Ademais, para uma análise aprofundada sobre o tema, Cravo (2020) criou uma situação hipotética onde o acusado que celebrou o acordo com o Ministério Público o descumpra posteriormente, tendo em vista que a situação acarreta o direito ao órgão acusador de oferecer denúncia e dar início a ação penal.

Não obstante, como o instituto exige a declaração voluntária da autoria do crime, constará nos autos que, anteriormente, o réu já confessou o delito, e, consequentemente, o acordante, inevitavelmente sofrerá prejuízos processuais, considerando que o magistrado analisará os termos da confissão antes da ação penal, e penderá para a condenação.

Cumpre destacar que o procedimento inicialmente previsto no pacote anticrime seria homologado pelo chamado Juiz de Garantias e posteriormente, na hipótese de ter sido o acordo descumprido, seria oferecida a denúncia e julgado em uma Vara Criminal normal, ou seja, os julgadores da homologação do ANPP e do processo penal seriam pessoas distintas.

A função do juiz de garantias na fase pré-processual é, exclusivamente, controlar a legalidade do ato e observar o atendimento aos direitos e garantias fundamentais (LOPES JR., 2018 apud MACHADO, 2020).

Assim, Mendes (2013 apud MACHADO, 2020), no que concerne à competência funcional, explica que a intervenção de dois juízes, para as fases de investigação e julgamento, garante a independência judicial. Isto porque, conforme elucidado por Rangel (2015), afasta

“qualquer possibilidade de influência sobre a decisão que será prolatada, pois o compromisso com a verdade, dando a cada um o que é seu, é o principal objetivo da prestação jurisdicional”. Atualmente, como a medida está suspensa por decisão do Min. Luiz Fux, na ADI 6299 MC / DF, o ato de homologação e julgamento (na hipótese de descumprimento), são realizados pelo mesmo magistrado. Sem embargos, destaca-se que recentemente houve a liberação dos autos para posterior análise do plenário, para decidir se mantém ou revoga a decisão. Contudo, não há previsão do julgamento (FUX..., 2020).

Isto posto, considerando que a Constituição Federal é hierarquicamente superior a todas as normas, o entendimento é que uma Lei Infraconstitucional, no caso o Código de Processo Penal, não possa eliminar o que ela preconiza, o direito ao silêncio. “[...] O requisito confissão para o ANPP elimina por completo o conteúdo essencial do nemo tenetur se detegere, uma vez que não se pode violar um Direito (silêncio) para se conceder outro Direito (ANPP)” (CARDOSO, 2020). Neste sentido, é inconvencional e imoral porque:

1. Viola o núcleo essencial do Direito fundamental previsto no art. 5º, LXIII da CF (Direito ao silêncio);

2. Elimina o conteúdo essencial do Direito previsto no art. 8.2, "g" do dec. 678/92 c/c art. 14.3, "g" do dec. 592/92 (Direito de não confessar);

3. Por consequência das premissas 1 e 2, afronta o nemo tenetur se detegere;

4. Vulnera normas cogentes, quais sejam, art. 5º, LXIII da CF; art. 8.2, "g" do dec. 678/92 e art. 14.3, "g" do dec. 592/92;

5. Exige a violação de um Direito Público subjetivo do acusado (Direito ao silêncio) para concessão de outro Direito Público subjetivo do acusado (ANPP); 6. Equivale a renúncia de um Direito irrenunciável, pois é exigência obrigatória abrir mão do Direito de não confessar (não é uma opção do acusado) para fazer jus a outro Direito (ANPP);

7. Equivale a coação (vício do consentimento), tendo em vista que o acusado é obrigado a confessar para receber a proposta de acordo (CARDOSO, 2020).

Outrossim, a utilização da confissão em posterior suporte probatório da denúncia, em caso de descumprimento, deveria ter a previsão expressa no Código de Processo Penal, uma vez, em caso contrário, estaríamos diante de uma situação de analogia em prejuízo do réu, situação vedada no ordenamento jurídico (SILVA, 2020). Ainda, destaca-se que, por ser obtida mediante vício de consentimento (coação), torna-se nulo o ato, constituindo, desta maneira, prova ilegal (CARDOSO, 2020).

Para se ter uma ideia da aplicação da “benesse”, imprescindível se faz a menção do relato feito por Ceccato Jr. (2020).

Trata-se de prisão em flagrante pela suposta prática de tráfico de drogas privilegiado, onde o investigado era primário, possuía bons antecedentes, trabalho lícito, graduando, filha menor e a real possibilidade de desclassificação para o delito de consumo compartilhado e/ou

consumo próprio. Assim, na hipótese, o promotor argui pela concessão da liberdade provisória enquanto o magistrado decide pelo pagamento da fiança de 10 salários mínimos para a concessão, valor que não pode ser arcado pelo acusado.

Dando segmento, o promotor optou pela proposição do ANPP. O acusado, desesperado, sem ao menos hesitar, concordou com a concessão e confessou um crime (tráfico de drogas) que não cometeu, apenas para se ver livre do cárcere, situação que seria completamente diferente se este se encontrasse em liberdade.

Desta forma, percebe-se que, no caso relatado, não houve a coação explícita, mas de forma intrínseca, já que o acusado se viu obrigado a aceitar o acordo para se ver livre do cárcere. Nas palavras de Ceccato Junior (2020), “reprisa-se que tudo isso ocorreu em menos de um dia. Menos de 24 horas preso fez alguém confessar um crime que não cometeu. Imaginem semanas, meses, anos. Eu confessaria qualquer coisa e só não entregaria a minha família”.

Ainda em análise ao ato em comento, evidenciam-se os prejuízos processuais consequentes. Considerando o descumprimento do instituto, como já dito, servirá de suporte probatório para a denúncia feita pelo Ministério Público, e, obviamente, constará nos autos o termo da confissão circunstanciada, o que, inegavelmente, corromperá o julgador, restando evidente o prejuízo ao acordante.

Por fim, o entendimento é que não se pode exigir a confissão do acusado considerando tratar-se de um negócio jurídico pré-processual, onde não deveria ser analisado o mérito (CRAVO, 2020).