• Nenhum resultado encontrado

Análise do acordo de não persecução penal numa perspectiva dos direitos do investigado e da desburocatização e desafogamento do Poder Judiciário

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2021

Share "Análise do acordo de não persecução penal numa perspectiva dos direitos do investigado e da desburocatização e desafogamento do Poder Judiciário"

Copied!
80
0
0

Texto

(1)

VANESSA MAIATO RAMOS

ANÁLISE DO ACORDO DE NÃO PERSECUÇÃO PENAL NUMA PERSPECTIVA DOS DIREITOS DO INVESTIGADO E DA

DESBUROCATIZAÇÃO E DESAFOGAMENTO DO PODER JUDICIÁRIO

Tubarão 2020

(2)

ANÁLISE DO ACORDO DE NÃO PERSECUÇÃO PENAL NUMA PERSPECTIVA DOS DIREITOS DO INVESTIGADO E DA

DESBUROCATIZAÇÃO E DESAFOGAMENTO DO PODER JUDICIÁRIO

Monografia apresentada ao Curso de Direito da Universidade do Sul de Santa Catarina como requisito parcial à obtenção do título de Bacharel em Direito.

Linha de pesquisa: Justiça e Sociedade.

Orientador: Prof. Denise Silva de Amorim Faria, Me.

Tubarão 2020

(3)
(4)

Dedico o presente trabalho monográfico à minha família, por todo o suporte, carinho e amor que sempre tive.

(5)

AGRADECIMENTOS

Primeiramente, agradeço à Deus pelas inúmeras bençãos que concedeu à minha vida. Aos meus pais, Gelson e Roseane, pelo amor, incentivo e apoio incondicional. Nunca mediram esforços para contribuir com minha vida pessoal e profissional. Se fizeram imprescindíveis ao meu desenvolvimento. Vocês são os meus maiores exemplos de caráter, determinação e coragem. Esta monografia é a prova de que seus empenhos valeram a pena e não foram em vão. Sou imensamente grata.

Aos meus irmãos, Leonardo e Vinícius, que são a alegria da minha vida. Obrigada por serem meus parceiros em todos os momentos que precisei.

Ao meu namorado, Rodolfo, pela compreensão e apoio imensurável que teve ao longo do ano. Meu maior incentivador, sempre disponível para corrigir meus textos e me emprestar doutrinas. Teu amparo foi primordial para o encerramento deste ciclo. Obrigada!

À toda minha família, pelo acolhimento que sempre tive. Em especial aos meus avós Gelson, Terezinha, Maria da Glória e David por serem casa em todos os momentos da minha vida que precisei.

À minha orientadora, Denise, pela confiança depositada em mim, bem como por dedicar horas para sanar minhas dúvidas e me direcionar ao caminho certo. Com sua dedicação, se fez presente mesmo em meio a este momento atípico que estamos passando.

Estendo meus agradecimentos aos demais mestres que lecionam na Universidade do Sul de Santa Catarina (UNISUL) pelos ensinamentos transmitidos ao decorrer do curso.

Aos amigos que fiz na 2ª Vara da Comarca de Jaguaruna, a qual estagiei. Em especial ao doutor Rodrigo Barreto, um grande exemplo de profissional. Obrigada pelos ensinamentos, pela amizade e pela dica do tema!

Aos amigos que fiz ao longo destes 5 anos de curso. Cada um à sua maneira, foram fundamentais para a conclusão desta monografia. Sempre guardarei cada um de vocês, bem como os momentos que tivemos, em meu coração. São pessoas que me marcaram muito e que pretendo levar para a vida.

(6)

“Os sonhos não determinam o lugar onde iremos chegar, mas produzem a força necessária para tirar-nos do lugar que estamos” (Augusto Cury).

(7)

RESUMO

OBJETIVO: Analisar se há observância aos direitos e garantias fundamentais do investigado na aplicação do Acordo de Não Persecução Penal ou se o instituto atende apenas ao fim de desburocratização do sistema penal e desafogamento do Poder Judiciário, sob a perspectiva dos direitos do investigado e da desburocratização e desafogamento do Poder Judiciário. MÉTODO: Trata-se de pesquisa exploratória e de abordagem qualitativa; quanto ao procedimento, classificada como uma coleta de dados bibliográfica baseada na doutrina, e documental, a partir da legislação e jurisprudência. RESULTADOS: Os doutrinadores que se posicionaram de maneira contrária ao ANPP alegam dissonância entre a inovação e os direitos fundamentais e garantias constitucionais, tendo em vista a relativização desses direitos quando se visa a celeridade processual. Consequentemente, a prática incisiva do Estado acarretará prejuízos processuais consideráveis ao acordante. Neste segmento, o cerne da discussão é a exigência da confissão, pois consideram que o indivíduo renunciará direitos fundamentais, bem como corromperá o magistrado em um julgamento futuro. Aos que se posicionam de forma favorável, argumentam justamente pela morosidade do judiciário, como um empecilho que causa sensação de impunidade perante a sociedade. Ademais, pontuam que se trata de uma alternativa firmada no livre acordo entre as partes. Não obstante, a presença do advogado se faz imprescindível perante a observância dos direitos e garantias fundamentais. Quanto às questões polêmicas, isto é, que não apresentam soluções práticas na redação do 28-A, foram trazidas doutrinas e jurisprudências divergentes. CONCLUSÃO: Concluiu-se que o instituto não viola os direitos e garantias constitucionais, considerando que o papel do advogado no momento da homologação é analisar o melhor cenário para o cliente. A homologação também se faz importante, visto que o magistrado analisará a voluntariedade do ato. Além disso, destaca-se que a via judicial é considerada a ultima ratio para o processo penal e, neste sentido, havendo a possibilidade de outros meios para a resolução do conflito, esses devem ser adotados. Por fim, cumpre ser mencionado que o acordante, ao aceitar a benesse, não sofrerá limitação de sua liberdade nem gerará reincidência ou maus antecedentes.

(8)

ABSTRACT

OBJECTIVE: To analyze whether there is observance of the fundamental rights and guarantees of the investigated in the application of the Penal Non-Persecution Agreement or if the institute only serves to reduce the bureaucracy of the penal system and relieve the Judiciary, from the perspective of the rights of the investigated and the reduction of bureaucracy and unburdening of the Judiciary. METHOD: This is an exploratory research with a qualitative approach; as for the procedure, publication as a bibliographic data collection based on doctrine, and documentary, based on legislation and jurisprudence. RESULTS: The indoctrinators who opposed the ANPP claim dissonance between innovation and fundamental rights and constitutional guarantees, with a view to relativizing these rights when aiming at procedural speed. Consequently, the State's incisive practice will cause considerable procedural losses to the agreement. In this segment, the core of the discussion is the requirement of confession, as it considers that the individual will renounce fundamental rights, as well as corrupt the magistrate in a future trial. Those who are in a favorable position argue precisely because of the slowness of the judiciary, as an obstacle that causes a feeling of impunity before a society. In addition, they point out that this is an alternative established in the free agreement between the parties. Nevertheless, the presence of the lawyer is essential in view of the observance of fundamental rights and guarantees. As for the controversial issues, that is, that do not present practical solutions in the writing of 28-A, divergent doctrines and jurisprudence were brought. CONCLUSION: It was concluded that the institute does not violate constitutional rights and guarantees, considering that the role of the lawyer at the time of approval is the analysis of the best scenario for the client. Homologation is also important, since the magistrate will analyze the voluntariness of the act. In addition, it is emphasized that the judicial route is considered the ultimate reason for criminal proceedings and, in this sense, with the possibility of other means for resolving the conflict, these must be adopted. Finally, it must be considered that the awakening, when accepting the benefit, will not be limited by his freedom nor will it generate a recurrence or bad antecedents.

(9)

LISTA DE SIGLAS AMB - Associação de Magistrados Brasileiros

ANPP – Acordo de não persecução penal CF – Constituição Federal

CFOAB - Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil

CNPG - Conselho Nacional de Procuradores-Gerais dos Ministérios Públicos dos Estados e da União

CNMO – Conselho Nacional do Ministério Público CP – Código Penal

CPP – Código de Processo Penal

GNCCRIM - Grupo Nacional de Coordenadores de Centro de Apoio Criminal ART - Artigo

(10)

SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO... 8

2 O PROCESSO PENAL ... 15

2.1 A FUNÇÃO DO DIREITO PROCESSUAL PENAL NO ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO ... 15

2.2 PRINCÍPIOS PROCESSUAIS PENAIS ... 17

2.2.1 Do devido processo legal ... 18

2.2.2 Da presunção de inocência ... 18 2.2.3 Do juiz natural ... 19 2.2.4 Da legalidade da prisão ... 20 2.2.5 Da publicidade ... 20 2.2.6 Da verdade real... 21 2.2.7 Da oficialidade ... 22 2.2.8 Da indisponibilidade ... 22 2.2.9 Da legalidade ... 23

2.3 AÇÃO PENAL PÚBLICA ... 23

2.3.1 Princípios da ação penal pública ... 24

2.3.1.1 Da indisponibilidade ... 24 2.3.1.2 Da (in)divisibilidade ... 24 2.3.1.3 Da intranscendência... 25 2.3.1.4 Da oficialidade... 25 2.3.1.5 Da autorietariedade ... 25 2.3.1.6 Da oficiosidade ... 25 2.3.1.7 Da obrigatoriedade ou compulsoriedade ... 26

2.3.1.8 Mitigação do princípio penal da obrigatoriedade ... 27

3 O ACORDO DE NÃO PERSECUÇÃO PENAL ... 30

3.1 PRINCÍPIOS QUE SE BUSCAM ALCANÇAR COM O ACORDO ... 31

3.1.1 Da razoável duração e efetiva celeridade processual ... 31

3.1.2 Da simplicidade na resolução dos conflitos ... 31

3.1.3 Da economia processual ... 32

3.1.4 Do desafogamento do aparelho estatal ... 32

3.2 HIPÓTESES EM QUE SÃO CABÍVEIS A PROPOSIÇÃO DO ACORDO ... 33

(11)

3.2.2 Requisitos subjetivos ... 35 3.3 DA CONFISSÃO ... 36 3.4 DO PROCEDIMENTO ... 37 3.5 DA EXECUÇÃO DO ANPP ... 39 3.6 DA EXCLUSÃO DE PUNIBILIDADE ... 39 3.7 DO DESCUMPRIMENTO ... 40

4 ANÁLISE CRÍTICA/CONSTITUCIONAL DO ACORDO DE NÃO PERSECUÇÃO PENAL ... 41

4.1 UMA NOVA REALIDADE NO ÂMBITO DA PERSECUÇÃO PENAL BRASILEIRA 41 4.2 POSICONAMENTOS CONTRÁRIOS AO ANPP ... 43

4.3 POSICIONAMENTOS FAVORÁVEIS AO ANPP ... 47

4.4 QUESTÕES POLÊMICAS SOBRE O ANPP ... 51

4.4.1 Momento de proposição do acordo de não persecução penal ... 52

4.4.2 Possibilidade de aplicação em Ação Penal Privada... 55

4.4.3 Confissão ... 56

4.4.4 Pena mínima e crime continuado ... 57

4.4.5 Classificação do acordo de não persecução penal: direito subjetivo do indivíduo ou faculdade ministerial? ... 58

5 CONCLUSÃO ... 60

(12)

1 INTRODUÇÃO

O Direito Processual Penal pode ser definido como o corpo de normas jurídicas que possui a finalidade de regular o modo, os meios e os órgãos encarregados de punir do Estado, sendo o Poder Judiciário constitucionalmente incumbindo de aplicar a lei ao caso concreto (NUCCI, 2017). Nessa linha de raciocínio, Oliveira (2015, p. 10) caracteriza o Processo Penal como:

Um ramo do direito público interno de um País, que atua como instrumento estatal metodológico de investigação e instrução, indissociável do exercício do direito de punir, desenvolvido com fiel observância os princípios do devido processo legal, da dignidade da pessoa investigada e do contraditório, em seus diversos aspectos, com vistas à apuração das circunstâncias em que um determinado fato com relevância criminal ocorreu, para que seja possível, ao final, concluir pela possibilidade ou não de imputar a responsabilidade penal do acusado.

Contudo, há de se ressaltar, que o Processual Penal, em um Estado Democrático de Direito, deve seguir paralelo ao Direito Constitucional e, neste sentido, sempre em consonância com os direitos e garantias fundamentais do indivíduo.

Sendo assim, ressalta-se a pretensão garantista do estado. “O garantismo surge, como forma de proteção e segurança da ordem jurídica, como a regulação jurídica do próprio Direito Positivo, não só quanto às formas de produção, mas também sobre a produção de seus conteúdos” (DUARTE, 2013).

O Estado Democrático de Direito exige que o único instrumento apto para criar direitos, impor restrições e criar obrigações para a coletividade seja a lei ou ato normativo de idêntica hierarquia. Além disso, importante salientar que tais dispositivos precisam estar em consonância com os anseios populares e que visem à sua satisfação (MOTTA, 2019). Nesta linha, explica-se o Processo Penal Democrático:

Cuida da visualização do processo penal a partir dos postulados estabelecidos pela Constituição Federal, no contexto dos direitos e garantias humanas fundamentais, adaptando o Código de Processo Penal a essa realidade, ainda que, se preciso for, deixe-se de aplicar legislação infraconstitucional defasada e, por vezes, nitidamente inconstitucional (NUCCI, 2017, p. 29).

Ainda, no que tange ao Processo Penal, relevante se faz a menção dos seus princípios norteadores, os quais se tratam dos “alicerces de uma ciência, funcionando como diretrizes, linhas mestras ou grandes nortes do sistema jurídico, auxiliando na compreensão e na orientação das regras” (MESSA, 2017, p. 121).

(13)

Deste modo, a aplicação da lei processual penal deve ser aplicada em observância aos princípios da dignidade da pessoa humana; do devido processo legal; da presunção da Inocência; do in dubio pro reo; da imunidade à autoacusação; do juiz natural e imparcial; da consequencial da iniciativa das partes; da publicidade; do duplo grau de jurisdição; da oficialidade; da intranscendência; da verdade real, entre outros.

A par dessas premissas, no ano de 2019 foi sancionada a Lei n. 13.964/2019 (BRASIL, 2019), conhecida como “Pacote Anticrime”, a qual foi proposta pelo ex-Ministro de Justiça Sério Fernando Moro, sendo a referida norma responsável por alterar substancialmente a legislação penal e o Código de Processo Penal.

Dentre as mudanças realizadas pela norma mencionada, ressalta-se a inserção, no ordenamento jurídico brasileiro, do acordo de não persecução penal, objeto de estudo da presente pesquisa.

O acordo de não persecução penal (ANPP) foi inserido no artigo 28-A do Código de Processo Penal, e trata-se de um instituto do direito penal negocial, o qual possibilita ao Ministério Público oferecer um acordo ao acusado, antes mesmo de oferecer a denúncia, conforme devidamente explicitado pelo artigo transcrito abaixo:

Art. 28-A. Não sendo caso de arquivamento e tendo o investigado confessado formal e circunstancialmente a prática de infração penal sem violência ou grave ameaça e com pena mínima inferior a 4 (quatro) anos, o Ministério Público poderá propor acordo de não persecução penal, desde que necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime, mediante as seguintes condições ajustadas cumulativa e alternativamente:

I - reparar o dano ou restituir a coisa à vítima, exceto na impossibilidade de fazê-lo; II - renunciar voluntariamente a bens e direitos indicados pelo Ministério Público como instrumentos, produto ou proveito do crime;

III - prestar serviço à comunidade ou a entidades públicas por período correspondente à pena mínima cominada ao delito diminuída de um a dois terços, em local a ser indicado pelo juízo da execução, na forma do art. 46 do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal);

IV - pagar prestação pecuniária, a ser estipulada nos termos do art. 45 do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal), a entidade pública ou de interesse social, a ser indicada pelo juízo da execução, que tenha, preferencialmente, como função proteger bens jurídicos iguais ou semelhantes aos aparentemente lesados pelo delito; ou

V - cumprir, por prazo determinado, outra condição indicada pelo Ministério Público, desde que proporcional e compatível com a infração penal imputada (BRASIL, 1941). Assim, nos termos do referido acordo, presentes os requisitos legais, o investigado assume, perante um defensor, detalhadamente, a autoria do delito e, após homologado o acordo por juiz competente, são aplicadas medidas restritivas de direito, como dispõe Lai (2020):

[...] o acordo de não persecução penal consiste em um negócio jurídico pré-processual entre o Ministério Público (MP) e o investigado com seu defensor (§

(14)

3º) nos casos de infração penal sem violência ou grave ameaça, na qual a lei comine pena mínima inferior a 4 anos, mediante o cumprimento de determinadas condições (incisos I a V), decretando-se, ao final, a extinção de punibilidade (§ 13) e, consequentemente, se evitando a deflagração da ação penal e a reincidência. Quanto à aplicabilidade do ANPP, ressalta-se que existem exceções, eis que não se aplica o instituto quando for cabível a transação penal; quando o investigado for reincidente ou ainda havendo elementos probatórios que indiquem conduta criminal habitual, reiterada ou profissional, exceto se insignificantes; não ter sido o agente beneficiado com ANPP, transação penal ou suspensão condicional do processo; nos crimes de violência doméstica ou familiar, ou praticados contra a mulher por razões da condição de sexo feminino (BRASIL, 1941).

Ainda, cumpre ser destacado que o instituto não é uma novidade na legislação brasileira, pois já estava presente no artigo 18 da Resolução n. 181, de 07 /08/2017, do Conselho Nacional do Ministério Público (2017), sendo objeto de duas Ações Diretas de Inconstitucionalidade n. 5790 e n. 5793 (BRASIL, 2017a; BRASIL, 2017c). Dentre os assuntos alegados, ressalta-se a não observância aos direitos e garantias constitucionais resguardados pela ordem jurídica, como o contraditório, a ampla defesa, e o da não autoincriminação.

De forma primordial, destaca-se a ADI n. 5793 (BRASIL, 2017c), proposta pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (CFOAB), onde foi alegado que o acordo de não persecução penal causará lesões irreparáveis, uma vez que frustra os princípios de ampla defesa e contraditório:

[...] os colaboradores que celebrarem acordo de não persecução penal sofrerão lesão irreparável ao seu direito de ampla defesa e contraditório, posto que terão disponibilizado todo o lastro probatório das infrações penais cometidas à promessa de evitar o oferecimento da denúncia.

Na sequência, a Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 5790 (BRASIL, 2017b), por sua vez, foi proposta pela Associação de Magistrados Brasileiros (AMB) e apontou a violação dos seguintes princípios constitucionais, previstas no art. 5º da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: [...]

LIII - ninguém será processado nem sentenciado senão pela autoridade competente; [...]

LIV - ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal; [...]

LVI - são inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meios ilícitos; [...]

(15)

(BRASIL, 1988).

Sendo assim, a associação entende que resta violado o inciso LIII do art. 5º, uma vez que o Ministério Público não é competente para aplicar medidas de restrição à liberdade ou bens; o inciso LIV, uma vez que o acordo restringe bens sem a observância do devido processo legal, bem como o inciso LVI, já que “a imposição de confissão para obter o benefício, fora das hipóteses legais, configura obtenção de prova por meio do Ministério Público de forma ilícita” (BRASIL, 2017b).

Do que foi dito, dessume-se que mesmo antes da inserção do Acordo de Não Persecução Penal pela Lei n. 13.964/2019 (BRASIL, 2019), já havia bastante discussão acerca da sua constitucionalidade, debate que não deixou de existir no âmbito jurídico.

Os doutrinadores e operadores do direito contrários ao novo instituto de direito processual penal, asseveram que o ANPP afronta princípios norteadores do Direito Processual Penal, tais como o do contraditório, da ampla defesa e do devido processo legal.

Sobre o tema, Castro e Netto (2020) alegam que o ANPP antecipa a conclusão acerca do mérito, inaugurando um novo método de arbitramento de responsabilidade, sem observância ao direito de contraditório do acordante, uma vez que não há hipótese acusatória.

No mesmo sentido, Barbosa (2020) alega que, considerando a exigência da assunção prévia da responsabilidade criminal sem a persecução penal, o ANPP não observa o devido processo legal e a presunção de inocência.

Outrossim, o acordo estaria infringindo o devido processo legal em razão da não existência da “persecutio criminis”, ou seja, da “atuação estatal na investigação de práticas criminosas e na imposição de pena” (CUNHA, 2011, p. 217), não respeitando a devida estruturação do processo, como dispõe Cintra, Grinover e Dinamarco (2001). E a violação a presunção de inocência se faria presente na confissão “forçada”, já que “o acordo pressupõe a confissão do acusado” (MAZLOUM; MAZLOUM, 2020).

Sob outro viés, os defensores do acordo o apontam como uma solução ao moroso judiciário brasileiro, possuindo como objetivos principais: “proporcionar efetividade, elidir a capacidade de burocratização processual, proporcionar despenalização, celeridade na resposta estatal e satisfação da vítima pela reparação dos danos causados pelo acordante ou acusado” (BARROS, 2019).

Pela mesma perspectiva, Couto e Couto (2020), em análise ao acordo, concluíram que não deve ser gerada a desconfiança externada pelos críticos, uma vez que constitui um avanço

(16)

legislativo: “não se trata de aliviar quem praticou algum crime, mas sim de oferecer uma reposta penal mais justa e razoável”.

Ainda, no entendimento dos juristas citados, Couto e Couto (2020), embora haja um aspecto subjetivo para o representante do órgão julgador quanto ao oferecimento do benefício, o legislador exige que sua recusa seja fundada. Logo, tal responsabilidade faz com que o promotor examine cuidadosamente acerca da negociação.

Cumpre, ainda, destacar a inovação no âmbito jurídico, reforçando a justiça negocial, no tocante aos crimes de médio potencial ofensivo.

Nesta nova quadra do Direito Criminal brasileiro, privilegia-se, sem dúvida, a ampliação do espaço de consenso, valorizando, desse modo, na definição das controvérsias oriundas do ilícito criminal, a adoção de soluções fundadas na própria vontade dos sujeitos que integram a relação processual penal (MAZLOUM; MAZLOUM, 2020).

Assim, é importante analisar o instituto sob os dois enfoques, porque não há dúvida de que o Poder Judiciário está sobrecarregado, é lento e ineficiente em muitos aspectos. Também não se olvida que a justiça negociada hoje, é uma realidade e que tem aspectos positivos, como a desburocratização do Poder Judiciário, porém, o que se quer enfatizar, é que na busca desses objetivos não se deve violar os direitos e garantias do investigado, notadamente os do contraditório e da ampla defesa.

Assim sendo, o presente trabalho analisará se há observância aos direitos e garantias fundamentais do investigado na aplicação do Acordo de Não Persecução Penal ou o instituto atende apenas ao fim de desburocratização do sistema penal e desafogamento do Poder Judiciário.

Por conseguinte, com a finalidade de uma melhor compreensão acerca do tema, alguns conceitos são essenciais:

Análise do acordo: Um estudo minucioso e detalhado acerca de um determinado tema, buscando assim sua compreensão. Para fins da presente pesquisa, será analisado o instituto do Acordo de Não Persecução Penal, junto com as opiniões contrárias e favoráveis.

Persecução Penal: Do latim, persecutio criminis, seria a “atuação estatal na investigação de práticas criminosas e na imposição de pena” (CUNHA, 2011, p. 217).

Justiça Negociada: Uma modalidade de resolução consensual de conflitos onde o órgão acusador e o acusado pactuam acerca da consequência da prática criminosa (CUNHA, 2020).

(17)

Direito Processual Penal Garantista: Inspirado na teoria filosófica do jurista italiano, trata-se de um sistema penal que visa assegurar os direitos e garantias do acusado. Nas palavras de Maia (2000, p. 43):

Garantismo, pois, vem do verbo garantir. Seria, no entender de Ferrajoli, uma forma de direito que se preocupa com aspectos formais e substanciais que devem sempre existir para que o direito seja válido. Essa junção de aspectos formais e substanciais teria a função de resgatar a possibilidade de se garantir, efetivamente, aos sujeitos de direito, todos os direitos fundamentais existentes.

O acordo de não persecução penal é um instituto jurídico que visa à desobstrução e redução de morosidade do Poder Judiciário, que é o enfoque da justiça negociada, uma vez que oportuniza ao judiciário equilibrar a demanda e garantir uma resposta célere (VASCONCELLOS, 2015).

É significativa a relevância do tema, considerando a recente implementação do instituto no ordenamento jurídico brasileiro, que se concretizou com a Lei n. 13.964/2019 (ou Pacote Anticrime), a qual promoveu mudanças na legislação penal e processual penal.

Antes da edição da lei, no entanto, o referido acordo já fazia parte da Resolução n. 181/2017 do Conselho Nacional do Ministério Público (2017), porém a sua constitucionalidade era questionada em virtude de ter sido criado por uma resolução ministerial, dentre outros aspectos mencionados.

No entanto, atualmente, o ANPP encontra-se previsto no artigo 28-A do Código de Processo Penal (BRASIL, 1941) e busca lograr êxito na justiça negociada. Isso porque trata-se de um acordo entre o Ministério Público e o investigado, o qual é cabível nas hipóteses de a infração penal não ser cometida com o uso de violência ou grave ameaça, e com pena mínima inferior a quatro anos, desde que não seja o caso de arquivamento e o acusado tenha confessado formalmente a autoria.

Antes de ser oferecida a denúncia, o órgão acusador oportuniza o acordo de não persecução penal para o acordante que deve confessar a prática da ação delituosa, e então, tem sua pena restritiva de liberdade substituída por uma pena restritiva de direito, sendo que o acordo deve ser homologado pelo juiz, que deverá observar a voluntariedade e a atenção aos direitos e garantias do acordante. Se ele considerar inadequadas, insuficientes ou abusivas as condições impostas, deverá o Ministério Público reformular a proposta, conforme dispõe o artigo 28-A, § 5º, do Código de Processo Penal (BRASIL, 1941).

(18)

No que tange a estudos similares ao tema, foi encontrado na BDTB a dissertação “A solução consensual de conflitos penais mediante a homologação judicial de acordos de não persecução penal em audiências de custódia”, de Oliveira (2019).

Quanto à motivação pessoal, destaco o grande interesse ao Direito Penal e Processual Penal, desde o início do curso. Ressalto, também, que já estagiei na 2ª Vara da Comarca de Jaguaruna, que, entre outros temas, atua em feitos criminais e execuções penais.

Ademais, a pesquisa colaborará para a sociedade contribuindo com uma melhor compreensão acerca do tema, tendo em vista que o Pacote Anticrime passou a vigorar em janeiro do ano em curso e, com efeito, recente se faz sua implementação.

A pesquisa tem por objetivo geral analisar a efetividade do acordo de não persecução penal nos crimes de médio potencial ofensivo introduzido pela Lei 13.964/2019 (BRASIL, 2019) sob a perspectiva dos direitos do investigado e da desburocratização e desafogamento do Poder Judiciário. Tem como objetivos específicos demonstrar a função do Processo Penal no Estado Democrático de Direito; expor os principais princípios que regem o Processo Penal; estudar o Acordo de Não Persecução Penal; apontar os benefícios para o acordante, o órgão acusador e o judiciário; analisar os posicionamentos contrários e favoráveis ao acordo; verificar se há observância aos princípios e garantias fundamentais na aplicação do Acordo de Não Persecução Penal.

Quanto à caracterização básica da pesquisa: no que tange ao seu objetivo, esta pesquisa define-se como de natureza exploratória, onde o escopo é buscar uma compreensão básica, para se ter “melhor condição e domínio para compreender melhor o problema e suas hipóteses de resposta” (MARCOMIM; LEONEL, 2015).

No que diz respeito à abordagem de pesquisa, se caracteriza de natureza qualitativa, visto que busca analisar os aspectos e critérios do presente tema, além de interpretar as ideias subjetivas dos doutrinadores. Destarte, este tipo de pesquisa tem por objetivo explicar o porquê das coisas, manifestando o que convém ser feito, mas sem quantificar valores e trocas simbólicas, nem se submeter à prova de fatos, uma vez que os dados analisados não são métricos e se valem de abordagem (GERHARDT; SILVEIRA, 2009).

Quanto ao procedimento usado na coleta de dados, serão utilizados o bibliográfico, considerando que analisará materiais já devidamente publicados, como artigos científicos e buscar o conhecimento de doutrinadores acerca do tema.

Por fim, a presente pesquisa terá abordagem qualitativa, visto que é subjetiva e assim, elaborará uma teoria acerca do tema.

(19)

2 O PROCESSO PENAL

Com o surgimento das práticas delitivas nasce o direito subjetivo do Estado de punir, o chamado jus puniendi. O direito se faz necessário uma vez que a proibição ou a exigência de determinada conduta não se faz suficiente para que os indivíduos se comportem em conformidade com a norma penal, sendo necessária a aplicação de uma sanção em consequência do descumprimento (MOREIRA, 2005).

Desta forma, “o processo penal é o conjunto de regras, normas e princípios que regulamentam o exercício do jus puniendi do Estado por meio da aplicação do Direito Penal ao caso concreto” (ANDREUCCI, 2015, p. 17). Na perspectiva de Bonfim (2016, p. 51), é “o ramo do direito público que se ocupa da forma e do modo pelos quais os órgãos estatais encarregados da administração da justiça concretizam a pretensão punitiva, por meio da persecução penal e consequente punição dos culpados”.

Entretanto, cumpre destacar que o Estado tem o dever de assegurar direitos e garantias fundamentais a todos os indivíduos. Simultaneamente, o Estado deve proteger os referidos bens com a limitação dos princípios preconizados na Constituição da República Federativa do Brasil. Gomes ([s. d.] apud OLIVEIRA, 2017) leciona que “nenhum poder dentro de um Estado constitucional e humanitário pode ser absoluto ou ilimitado”.

O Estado encontrará limites em suas atividades, não podendo, a pretexto de trabalhar pelo bem comum, afrontar a liberdade individual, a propriedade ou a dignidade humana, por exemplo, sem respeitar uma série de condições, que se colocam por meio de normas jurídicas (BONFIM, 2016, p. 46).

Destarte, é inexorável falar da atuação do Direito Processual Penal paralela à do Direito Constitucional.

2.1 A FUNÇÃO DO DIREITO PROCESSUAL PENAL NO ESTADO DEMOCRÁTICO

DE DIREITO

Todo processo deve respeitar os direitos e garantias fundamentais de forma que, sua inobservância causa danos irreparáveis a quem os sofre. Tais direitos encontram-se elencados do art. 5º ao 17 da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Todos dentro do Título II, se subdividem em Direitos Individuais e Coletivos, Direitos Sociais, Direitos à Nacionalidade, Direitos Políticos e Partidos Políticos.

(20)

Dessa forma, extrai-se do parágrafo único do art. 1º da Constituição Federal que “todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição” (BRASIL, 1988). Ainda, em seu art. 14, preconiza-se, como direito político, as possibilidades de intervenções populares, tais como: plebiscito, referendo e iniciativa popular (BRASIL, 1988).

A democracia adotada pela Constituição da República Federativa do Brasil é a indireta. Preceituada por Melo e Scalabrin (2017, p. 79), “o poder político é exercido pelo povo por meio de representantes eleitos, mas que também conta com institutos que permitem a discussão de determinados temas diretamente pelo povo”.

Neste sentido, Neves (2014) explica a importância da relação entre Democracia e Direito Processual Penal:

[...] se a Carta Política de um Estado apresenta forma rígida, hierárquica e suprema a todas as normas do sistema normativo, tendo como finalidade a concretização dos direitos fundamentais de seus cidadãos, é porque se está diante de um sistema democrático. Portanto, nesse sistema, e com essa Constituição, não será legitimado um curso de condenação que viole minimamente o devido processo legal, o contraditório, a ampla defesa, a legalidade, a vedação às provas ilícitas, a comunicabilidade do preso, o juiz natural, a não-culpabilidade, a duração razoável do processo penal e as tantas garantias que se estabelecem em prol do acusado, mesmo porque este ainda é um acusado e não um condenado, e o procedimento que conduzirá a uma decisão acerca de sua culpabilidade (lato sensu) não pode estar eivado de vícios e de tendências maliciosas, preconceituosas ou influenciado por discursos meramente políticos.

Em relação ao tema, Ulysses Guimarães, presidente da Assembleia Constituinte, denominou a Constituição vigente como Constituição Cidadã uma vez que, teve a participação popular e tem grande parte dos direitos voltados à área social.

De fato, há um conflito entre a democracia e o Processo Penal, considerando que este ramo do direito acarreta possível violação ao direito à liberdade, que é um direito fundamental. À vista disso, para um Processo Penal Democrático, é necessária a adoção de um conjunto mínimo de princípios e regras, que assegurem a proteção do indivíduo (MEDEIROS; SILVA NETO, 2010).

A implementação do regime político no Processo Penal se faz cada vez mais presente. Não é de hoje que o processo penal no mundo vem se modificando e se tornando cada vez mais garantista.

Inicialmente, tinha-se uma ideia de vingança privada, alastrada pela crueldade, onde a resposta ao delito era a reação da vítima ou de seus familiares. Após este período, foi a vez a vingança divina, que aplicaria a “ira” dos deuses ao autor do delito. Por fim, destaca-se a

(21)

vingança pública que, em uma sociedade um pouco mais organizada, a sanção era imposta por uma autoridade pública (CAVALCANTE, 2007).

Foi preciso chegar à maré das ideias iluministas para inaugurar-se uma nova era do Direito Criminal, em que a atividade punitiva do Estado passa a vincular-se a valores como a liberdade, a igualdade e a fraternidade, motes da Revolução Francesa, no final do século XVII. A liberdade jurídica assume lugar de destaque na pauta das nações centrais, sujeitando-se a sacrifício apenas em casos expressamente previstos e mediante a obediência a regras forjadas pelas progressivas conquistas civilizatórias (CRUZ, 2019, p. 39).

Ao admitir a democracia em um processo penal, a persecução penal se torna “um instrumento de satisfação de direitos humanos fundamentais e, sobretudo, uma garantia contra o arbítrio do Estado”. Por isso, em um Estado Democrático de Direito, onde a Constituição assegura tais direitos, é imprescindível que o Processo Penal atue paralelamente a democracia. 2.2 PRINCÍPIOS PROCESSUAIS PENAIS

Apregoados como “proposições básicas, fundamentais e típicas” (NETO, 2002, p. 47 apud MONTENEGRO FILHO, 2018, p. 18), os princípios auxiliam na aplicabilidade da norma jurídica em abstrato, considerando que conferem validade e por consequência, um estado de certeza. São entendidos como “verdades fundamentais para o desenvolvimento de qualquer sistema de conhecimento” (MONTENEGRO FILHO, 2018, p. 18).

Neste sentido, Reale (2010, p. 60) os conceitua como:

[...] verdades ou juízos fundamentais, que servem de alicerce ou de garantia de certeza a um conjunto de juízos, ordenados em um sistema de conceitos relativos a dada porção da realidade. As vezes também se denominam princípios certas proposições que, apesar de não serem evidentes ou resultantes de evidências, são assumidas como fundantes da validez de um sistema particular de conhecimentos, como seus pressupostos necessários.

Para Silva (2005), os princípios são normas que possibilitam que situações sejam realizadas na maior medida possível diante das possibilidades jurídicas. Em outras palavras, são os alicerces da norma. Sustentam a racionalização da norma e são a base que norteia o ordenamento jurídico (SANTOS, 2015).

Em todos os ramos do direito, há princípios norteadores que amparam o intérprete, conferindo-lhe maior compreensão acerca da aplicabilidade da ordem. A premissa não seria diferente do âmbito do Direito Processual Penal.

(22)

2.2.1 Do devido processo legal

Consagrado na Constituição vigente, trata-se do princípio fundamental com maior relevância, tendo em vista que, de forma subsidiária, ampara os demais princípios, em todos os ramos do Direito. No âmbito das garantias do processo é que o devido processo legal assume uma amplitude inigualável e um significado ímpar como postulado que traduz uma série de garantias hoje devidamente especificadas e especializadas nas várias ordens jurídicas (MENDES, 2018, p. 597).

Devido processo legal é o reservatório de princípios constitucionais, expressos e implícitos, que limitam a ação dos Poderes Públicos. [...] Mais do que um princípio, o devido processo legal é um sobreprincípio, ou seja, fundamento sobre o qual todos os demais direitos fundamentais repousam (BULOS, 2018, p. 396).

Encontra-se amparado pela Constituição da República Federativa do Brasil, em seu art. 5º, como um direito fundamental.

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: [...]

LIV - ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal; [...] (BRASIL, 1988).

Destarte, há duas perspectivas quanto à efetividade do princípio: a restrição a quaisquer direitos sem a instauração de um processo se faz inadmissível; e a adequação do processo, que deve assegurar igualdade entre as partes, o contraditório e a ampla defesa. A importância no processo penal uma vez que, o bem jurídico tutelado ameaçado é a liberdade, o segundo direito fundamental mais importante (LEWANDOWSKI, 2017).

2.2.2 Da presunção de inocência

Também positivado no rol dos direitos e garantias fundamentais, o princípio da presunção de inocência encontra amparo na Magna Carta, dispondo que “ninguém será culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória” (BRASIL, 1988).

Previsto de forma implícita, a presunção de inocência é uma garantia processual. O acusado é assegurado da não aplicabilidade de uma sanção penal antecipadamente, sendo esta aplicável apenas em conformidade do devido processo legal.

(23)

Dessa forma, a inocência é a regra geral, e havendo qualquer dúvida em relação à autoria ou materialidade do delito, permanece o indivíduo inocente, ou seja, é necessária a devida a comprovação. A responsabilidade criminal precisa ser comprovada de forma que não reste dúvidas acerca da autoria (BRASIL, 2017a).

[...] há a necessidade de o Estado comprovar a culpabilidade do indivíduo, que é constitucionalmente presumido inocente, sob pena de voltarmos ao total arbítrio estatal, permitindo-se o odioso afastamento de direitos e garantias individuais e a imposição de sanções sem o devido processo legal e a decisão definitiva do órgão competente (MELO, 2006 apud MORAES, 2019, p. 139).

Não obstante, cumpre ressaltar que a aplicação do referido princípio não afasta a possibilidade e a constitucionalidade da prisão em flagrante, conforme entendimento pacificado pela jurisprudência. “Por considerar a legitimidade jurídico-constitucional da prisão cautelar, que, não obstante a presunção juris tantum de não culpabilidade dos réus, pode validamente incidir sobre seu status libertatis” (MORAES, 2019, p. 139).

Assim, são completamente legítimas as prisões temporárias, em flagrante, preventivas, por pronúncia e por sentenças condenatórias sem trânsito em julgado.

2.2.3 Do juiz natural

A Constituição da República Federativa do Brasil preconiza, também em seu art. 5º, que “não haverá juízo ou tribunal de exceção"; e que “ninguém será processado nem sentenciado senão pela autoridade competente" (BRASIL, 1988). Este é, de forma implícita, o amparo do princípio do juiz natural, que é a vedação da criação casuística de tribunais pós-fato, para determinar um determinado fato (TÁVORA; ALENCAR, 2016).

Versa-se sobre um pressuposto que garante a independência e imparcialidade do juízo, evitando que o Magistrado seja “escolhido” (TALON, 2018).

“O princípio do juiz natural [...] constitui uma garantia de limitação dos poderes do Estado, que não pode instituir juízo ou tribunal de exceção para julgar determinadas matérias nem criar juízo ou tribunal para processar e julgar um caso específico” (PRINCÍPIO..., 2020).

Todavia, importante se faz a menção de que, conforme entendimento pacificado pelo Superior Tribunal Federal, “não viola o postulado constitucional do Juiz Natural o julgamento de apelação por órgão composto majoritariamente por juízes convocados”, na hipótese de, em conformidade com a Lei Orgânica da Magistratura, seja convocado juízes de primeiro grau para

(24)

composição da turma julgadora quando um membro do tribunal se afastar por mais de trinta dias, ou ter sido criada uma vaga (TÁVORA; ALENCAR, 2016).

Ademais, não há violação quando o magistrado competente é substituído em conformidade às regras gerais. Nesta possibilidade, entende o referido Tribunal Superior que o julgamento por colegiado integrado, em sua maioria, por magistrados de primeiro grau convocados (TÁVORA; ALENCAR, 2016).

2.2.4 Da legalidade da prisão

Trata-se da confluência de princípios elencados na Magna Carta vigente, que visam assegurar o direito à liberdade. Assim, extrai-se da norma citada:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: [...]

LXV - a prisão ilegal será imediatamente relaxada pela autoridade judiciária; LXII - ninguém será levado à prisão ou nela mantido, quando a lei admitir a liberdade provisória, com ou sem fiança;

LXVIII - não haverá prisão civil por dívida, salvo a do responsável pelo inadimplemento voluntário e inescusável de obrigação alimentícia e a do depositário infiel (BRASIL, 1988).

Como é passível de visualização, a Carta Constitucional demonstra “preocupação com as prisões, tutelando a liberdade contra elas em várias oportunidades, direta e indiretamente” (PACHECO, 2007). Na mesma linha de raciocínio, encontram-se as garantias quanto às prisões. A norma impõe limitações e procedimentos ao Estado, que devem ser observados no momento da execução da sanção, para firmar a regularidade da mesma.

2.2.5 Da publicidade

O Direito Processual Penal atua sempre em conformidade com o que determina a Constituição. Destarte, colaciona-se da norma:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: [...]

LX - a lei só poderá restringir a publicidade dos atos processuais quando a defesa da intimidade ou o interesse social o exigirem (BRASIL, 1988);

Art. 93. Lei complementar, de iniciativa do Supremo Tribunal Federal, disporá sobre o Estatuto da Magistratura, observados os seguintes princípios:

(25)

[...]

IX todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade, podendo a lei limitar a presença, em determinados atos, às próprias partes e a seus advogados, ou somente a estes, em casos nos quais a preservação do direito à intimidade do interessado no sigilo não prejudique o interesse público à informação (BRASIL, 1988).

O princípio da publicidade gera ao Estado o dever de ser transparente em todos os seus atos e assegura ao acusado a garantia fundamental da transparência.

Trata-se de garantia para obstar arbitrariedades e violências contra o acusado e benéfica para a própria Justiça, que, em público, estará mais livre de eventuais pressões, realizando seus fins com mais transparência. Esse princípio da publicidade inclui os direitos de assistência, pelo público em geral, dos atos processuais, a narração dos atos processuais e a reprodução dos seus termos pelos meios de comunicação e a consulta dos autos e obtenção de cópias, extratos e certidões de quaisquer deles (MIRABETE, 2006 apud BAYER, 2013a).

Contudo, há duas exceções quanto à aplicabilidade do princípio supramencionado, quais sejam: “existência de lei (anterior) que contemple o caso em concreto; situação que não cause prejuízo a interesse público à informação” (GARCETE, 2017). Cumpre ressaltar que a regra é a publicidade, e qualquer exceção ao princípio deve ser devidamente fundamentada.

2.2.6 Da verdade real

Há, no âmbito processual penal, uma preocupação muito grande em relação à elucidação dos fatos. Diferentemente com o que ocorre no âmbito processual civil, há um interesse em “sobressair das provas constantes nos autos (a verdade formal) para uma elucidação completa dos fatos, tendo em vista a maior gravidade dos fatos nesse ramo do direto” (MARQUES, 2017).

O magistrado deve atentar-se às provas e investigar o que de fato aconteceu, podendo, inclusive, determinar de ofício novas diligências para melhor esclarecimento. Nesse sentido, para garantir a eficácia do princípio, a Constituição e o Código de Processo Penal possuem dispositivos que vedam a utilização de provas obtidas por meios ilícitos uma vez que, estas afastam a segurança jurídica.

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: [...]

LVI - são inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meios ilícitos (BRASIL, 1988).

(26)

Art. 157. São inadmissíveis, devendo ser desentranhadas do processo, as provas ilícitas, assim entendidas as obtidas em violação a normas constitucionais ou legais. § 1º São também inadmissíveis as provas derivadas das ilícitas, salvo quando não evidenciado o nexo de causalidade entre umas e outras, ou quando as derivadas puderem ser obtidas por uma fonte independente das primeiras.

si só, seguindo os trâmites típicos e de praxe, próprios da investigação ou instrução criminal, seria capaz de conduzir ao fato objeto da prova.

§ 3º Preclusa a decisão de desentranhamento da prova declarada inadmissível, esta será inutilizada por decisão judicial, facultado às partes acompanhar o incidente. § 4º (VETADO).

§ 5º O juiz que conhecer do conteúdo da prova declarada inadmissível não poderá proferir a sentença ou acórdão (BRASIL, 1941).

Cumpre mencionar que se entende “por meios ilícitos” toda prova obtida contrariamente à moral e aos bons costumes, reprovável pela opinião pública e proibida pelo Direito. Não obstante, existem as provas ilícitas por derivação, que seria a prova originária da prova ilícita (MOSSIN, 2013).

2.2.7 Da oficialidade

O princípio da oficialidade pressupõe “que os órgãos encarregados da persecução criminal como um todo devem ser órgãos oficiais, tais como a polícia judiciária (na investigação criminal) e o Ministério Público (na investigação criminal e na persecução criminal em juízo)” (ANDREUCCI, 2015, p. 22).

Assim, “a pretensão punitiva do Estado deve se fazer valer por órgãos públicos, ou seja, a autoridade policial, no caso do inquérito, e o Ministério Público, no caso da ação penal pública” (BAYER, 2013b). Quanto às ações penais privadas, essas competem ao ofendido, mediante queixa ou de quem tenha qualidade para representá-lo, conforme preconiza o art. 100, § 2º, do Código Penal (BRASIL, 1940).

2.2.8 Da indisponibilidade

Trata-se de uma decorrência do princípio da obrigatoriedade. O princípio da indisponibilidade pressupõe que “uma vez instaurado o inquérito policial ou o processo penal, os órgãos incumbidos da persecução criminal não podem dela dispor” (TÁVORA; ALENCAR, 2016, p. 45).

Cabe ressaltar que é cabível somente na Ação Penal Pública. No tocante à Ação Penal Privada, o ofendido ou o representante podem dispor da ação penal, “perdoando” o acusado, considerando que temos institutos como a renúncia, desistência, perdão, perempção, etc (MIRABETE, 2007).

(27)

2.2.9 Da legalidade

Considerado um dos princípios que melhor atende aos interesses do Estado, o Princípio da Legalidade encontra amparo na Constituição e no Código de Processo Penal.

Art. 5º- Nos crimes de ação pública o inquérito policial será iniciado: I - de ofício;

II - mediante requisição da autoridade judiciária ou do Ministério Público, ou a requerimento do ofendido ou de quem tiver qualidade para representá-lo.

[...] (BRASIL, 1941).

Art. 24- Nos crimes de ação pública, esta será promovida por denúncia do Ministério Público, mas dependerá, quando a lei o exigir, de requisição do Ministro da Justiça, ou de representação do ofendido ou de quem tiver qualidade para representá-lo. [...] (BRASIL, 1941).

É o dever do membro do Ministério Público de, “havendo indícios de autoria e prova de existência do crime” (ANDREUCCI, 2015, p. 25), oferecer denúncia “sem se inspirar em motivos políticos ou de utilidade social” (PACHECO, 2007). Ainda, ressalta-se que a abstenção configura crime de prevaricação.

2.3 AÇÃO PENAL PÚBLICA

A Ação Penal é caracterizada como pública quando a conduta do agente fere interesses jurídicos de elevada importância, restando ao Estado a titularidade da ação (ANDREUCCI, 2015). Ou seja, o bem jurídico tutelado, ora lesado, é de interesse social.

A titularidade do Estado se concretiza na figura do representante do Ministério Público, que deve oferecer a denúncia sempre que o direito for descumprido. A Constituição da República Federativa do Brasil, em seu art. 129, inciso I, estabelece que é função institucional do Ministério Público promover a ação penal pública (BRASIL, 1988).

O Código Penal, por sua vez, em seu art. 100, § 1º, dispõe que a ação penal é pública e promovida pelo promotor, ressalvados os casos em que, expressamente na capitulação do crime, a lei a declara privativa do ofendido (BRASIL, 1940). Outrossim, há também previsão legal no Código de Processo Penal, o qual preconiza, em seu art. 24, que a ação penal pública será promovida por meio de denúncia por parte do Ministério Público (BRASIL, 1941).

(28)

2.3.1 Princípios da ação penal pública

A Ação Penal Pública é regida por uma série de princípios, os quais serão elencados a seguir.

2.3.1.1 Da indisponibilidade

Decorrente do princípio da obrigatoriedade, este pressupõe que, após ajuizada a ação, não pode o titular – nesse caso o Ministério Público – dela desistir ou transigir, nos termos do art. 42 do Código de Processo Penal: “o Ministério Público não poderá desistir da ação penal (BRASIL, 1941).

Távora et al (2014 apud UCHOAS, 2015) explica que, “se o promotor público ficar convencido da inocência do réu, não deve desistir da ação e sim, manifestar-se e pedir ao juiz a absolvição do réu, e isto não significa disponibilidade, pois o promotor não pode proferir a sentença”.

2.3.1.2 Da (in)divisibilidade

O princípio da indivisibilidade pressupõe que “o processo criminal de um obriga ao processo de todos” (LIMA, 2020c, p. 328). Em conformidade com o princípio da obrigatoriedade, se tem o órgão acusador o dever de não se esquivar da Ação Penal, não pode esse dividir a demanda, oferecendo assim denúncia à apenas um partícipe do crime.

Entretanto, cumpre mencionar que há discussão acerca da sua incidência, eis que a doutrina majoritária e o STJ entendem de maneira adversa. No Recurso Especial 388.473/PR, cujo relator é o ministro Paulo Medina, posicionou-se o tribunal superior no sentido de que tal princípio, preconizado no art. 48 do Código de Processo Penal, aplica-se somente às Ações Penais Privada, possibilitando ao órgão acusador divisão da ação (LIMA, 2020c).

Destarte, na hipótese de haver concurso de agentes, é reservado ao Ministério Público ajuizar a demanda em face de apenas alguns envolvidos, cabendo aditamento da denúncia em momento posterior, para incluir, ou não (no caso de falta de elementos probatórios), outros partícipes.

(29)

2.3.1.3 Da intranscendência

A demanda deve ser ajuizada somente contra a pessoa a quem se imputa a prática do delito, seja autor ou partícipe, não se estendendo a terceiros. Há amparo constitucional deste princípio, elencado no art. 5º, inciso XLV, que dispõe que “nenhuma pena passará da pessoa do condenado, podendo a obrigação de reparar o dano e a decretação do perdimento de bens ser, nos termos da lei, estendidas aos sucessores e contra eles executadas, até o limite do valor do patrimônio transferido” (BRASIL, 1988).

2.3.1.4 Da oficialidade

A demanda deve ter como polo ativo o órgão oficial. Na hipótese da Ação Penal Pública o órgão oficial incumbido para o ato é Ministério Público. Ocorrendo a inércia por parte do órgão acusador, e somente neste caso, pode o ofendido ajuizar Ação Penal Privada Subsidiária da Pública.

Trata-se da atribuição da legitimidade para a persecução penal, que incide para os órgãos do Estado (LIMA, 2020c). A previsão está no art. 129, I da Constituição da República Federativa do Brasil, a qual dispõe que “são funções institucionais do Ministério Público: I - promover, privativamente, a ação penal pública, na forma da lei; [...]” (BRASIL, 1988). 2.3.1.5 Da autorietariedade

O órgão processante deve ser autoridade pública, ou seja, o promotor de justiça. Deste modo, o órgão encarregado da persecução penal in judicio é o Ministério Público. A hipótese que configura exceção ao princípio é a Ação Penal Privada, uma vez que promovida pelo ofendido (CAPEZ, 2018).

2.3.1.6 Da oficiosidade

A regra é que os encarregados da persecução penal devem desempenhar suas atividades ex officio, não sendo necessária a autorização ou provocação para a atuação oficial (CAPEZ, 2018). Conforme o Código de Processo Penal: “Nos crimes de ação pública, esta será promovida por denúncia do Ministério Público, mas dependerá, quando a lei o exigir, de requisição do Ministro da Justiça, ou de representação do ofendido ou de quem tiver qualidade para representá-lo” (BRASIL, 1941).

(30)

Cabe destacar que, conforme mencionado pela norma, nos casos condicionados à representação ou à requisição do ministro da justiça, estas deverão de serem feitas, caracterizando assim a exceção ao princípio da oficiosidade.

2.3.1.7 Da obrigatoriedade ou compulsoriedade

Historicamente, este princípio surgiu no ideário iluminista, servindo como um remédio para evitar abusos, arbítrios e perseguições. Posteriormente, acabou se tornando maléfico ao indivíduo, já que ao limitar o arbítrio, transmite a convicção de que a única resposta cabível às práticas delitivas seria uma pena aplicada pelo meio judicial (BOVINO, 1998 apud CABRAL, 2020).

O princípio da obrigatoriedade proíbe que a autoridade competente se esquive de tomar as medidas cabíveis ao ato. Mirabete (1993 apud FREITAS, 2019) o define como “aquele que obriga a autoridade policial a instaurar inquérito policial e o órgão do Ministério Público a promover a ação penal quando da ocorrência da prática de crime que se apure mediante ação penal pública”.

É a vedação dos órgãos persecutórios criminais a adoção de critérios políticos ou de utilidade social para decidir se atuarão. Como efeito, na hipótese da Ação Penal Pública, não pode o Ministério Público simplesmente abdicar da demanda perante a notícia de infração criminal, caso visualize elementos de informação suficientes para a deflagração do processo criminal (LIMA, 2020c).

Não obstante, cumpre relatar os mecanismos de fiscalização deste princípio no ordenamento jurídico. O legislador, na antiga redação do art. 28 do CPP, concedeu ao juiz o exercício da função anômala de fiscalização, podendo assim, caso não concordasse com o pedido de arquivamento feito pelo representante do MP, remeter os autos ao Procurador-Geral de Justiça para análise. Contudo, a Lei 13.964/2019 alterou a redação do referido art., possibilitando este exercício à vítima ou seu representante legal (LIMA, 2020c).

Art. 28. Ordenado o arquivamento do inquérito policial ou de quaisquer elementos informativos da mesma natureza, o órgão do Ministério Público comunicará à vítima, ao investigado e à autoridade policial e encaminhará os autos para a instância de revisão ministerial para fins de homologação, na forma da lei.

§ 1º Se a vítima, ou seu representante legal, não concordar com o arquivamento do inquérito policial, poderá, no prazo de 30 (trinta) dias do recebimento da comunicação, submeter a matéria à revisão da instância competente do órgão ministerial, conforme dispuser a respectiva lei orgânica (BRASIL, 1941).

(31)

A redação atualmente está suspensa pelo ministro Luiz Fux, por intermédio da medida cautelar na ação direta de inconstitucionalidade n. 6.298. O entendimento de Fux é que a medida não observou os impactos financeiros, violando “clausulas que exigem prévia dotação orçamentária para a realização de despesas (Artigo 169, Constituição), além da autonomia financeira dos Ministérios Públicos (Artigo 127, Constituição)” (BRASIL, 2020).

Outro meio de observar e fiscalizar a aplicação do princípio da obrigatoriedade encontra-se na ação penal privada subsidiária da pública. A possibilidade está prevista no Código de Processo Penal.

Art. 29. Será admitida ação privada nos crimes de ação pública, se esta não for intentada no prazo legal, cabendo ao Ministério Público aditar a queixa, repudiá-la e oferecer denúncia substitutiva, intervir em todos os termos do processo, fornecer elementos de prova, interpor recurso e, a todo tempo, no caso de negligência do querelante, retomar a ação como parte principal (BRASIL, 1941).

É a possibilidade de a vítima, seus representantes legais ou seus sucessores agirem diante da inércia do Ministério Público. Enfatiza-se que a titularidade ainda assim é do Parquet, podendo este aditar a denúncia, oferecer denúncia substitutiva ou ainda, retomar como polo passivo.

2.3.1.8 Mitigação do princípio penal da obrigatoriedade

De forma preliminar, cumpre destacar que a Constituição da República Federativa do Brasil não recepcionou o princípio da obrigatoriedade. O Código de Processo Penal, por sua vez, “limita-se a afirmar, no artigo 24, que nos crimes de ação pública a ação penal será promovida por denúncia do Ministério Público e, no artigo 42, que o Ministério Público não poderá, dela, desistir” (GRECO, 2019 apud FREITAS, 2019).

Melo (2020) defende a obrigatoriedade como uma regra ao explicar que não há justificativa para considerar um princípio implícito na Constituição, uma vez que “elementos do poder punitivo devem ser expressos”. Posto isso, quando antagônico ao princípio da independência funcional, sua aplicação se dá de forma hermenêutica.

“O fato inegável é que o princípio da obrigatoriedade da ação penal assenta-se em uma concepção absoluta da pena, que hoje encontra-se amplamente superada” (CABRAL, 2020, p. 30). Em síntese, a obrigatoriedade deve ser interpretada como um impedimento ao representante do Ministério Público simplesmente abster-se da demanda, vedando assim a perseguição arbitrária a alguns, ou a concessão de favores ilegítimos a outros.

(32)

Posto isto, a primeira mitigação ao princípio se deu ao advento da Lei 9.099/95, que criou os Juizados Especiais Cíveis e Criminais. O dispositivo consagrou a Justiça Negocial no ordenamento jurídico brasileiro, permitindo que o Ministério Público celebrasse Transação Penal ou Suspensão Condicional do Processo com o acusado. Esta mitigação também é chamada pela doutrina de princípio da discricionariedade regrada (LIMA, 2020c).

A consensualidade no direito penal vem sendo implementada no sistema brasileiro, contudo, sempre será condicionada à apreciação judicial (GARCIA, 2017). Assim sendo, na busca de uma solução consensual do conflito, e evitando o estigma e dispêndio da instauração de um processo penal, temos a Transação Penal. O indivíduo renuncia seus direitos e aceita cumprir uma sanção sem a ampla defesa, considerando que o oferecimento da transação é na fase pré-processual. Cumpre ainda destacar que não representa a admissão de culpa, bem como a não ocorrência de efeitos civis (JUNQUEIRA; FULLER, 2009).

Art. 76. Havendo representação ou tratando-se de crime de ação penal pública incondicionada, não sendo caso de arquivamento, o Ministério Público poderá propor a aplicação imediata de pena restritiva de direitos ou multas, a ser especificada na proposta.

§ 1º Nas hipóteses de ser a pena de multa a única aplicável, o Juiz poderá reduzi-la até a metade.

§ 2º Não se admitirá a proposta se ficar comprovado:

I - ter sido o autor da infração condenado, pela prática de crime, à pena privativa de liberdade, por sentença definitiva;

II - ter sido o agente beneficiado anteriormente, no prazo de cinco anos, pela aplicação de pena restritiva ou multa, nos termos deste artigo;

III - não indicarem os antecedentes, a conduta social e a personalidade do agente, bem como os motivos e as circunstâncias, ser necessária e suficiente a adoção da medida. § 3º Aceita a proposta pelo autor da infração e seu defensor, será submetida à apreciação do Juiz.

§ 4º Acolhendo a proposta do Ministério Público aceita pelo autor da infração, o Juiz aplicará a pena restritiva de direitos ou multa, que não importará em reincidência, sendo registrada apenas para impedir novamente o mesmo benefício no prazo de cinco anos.

§ 5º Da sentença prevista no parágrafo anterior caberá a apelação referida no art. 82 desta Lei.

§ 6º A imposição da sanção de que trata o § 4º deste artigo não constará de certidão de antecedentes criminais, salvo para os fins previstos no mesmo dispositivo, e não terá efeitos civis, cabendo aos interessados propor ação cabível no juízo cível (BRASIL, 1995).

A suspensão condicional do processo, também conhecida como sursis processual, é outra medida despenalizadora cabível antes de iniciado o processo penal. É oportuna aos crimes de menor potencial ofensivo, com penas cominadas em até um ano em que não seja apropriada a transação penal. As consequências deste instituto acarretam na restrição ao comportamento social do acusado.

(33)

Art. 89. Nos crimes em que a pena mínima cominada for igual ou inferior a um ano, abrangidas ou não por esta Lei, o Ministério Público, ao oferecer a denúncia, poderá propor a suspensão do processo, por dois a quatro anos, desde que o acusado não esteja sendo processado ou não tenha sido condenado por outro crime, presentes os demais requisitos que autorizariam a suspensão condicional da pena (art. 77 do Código Penal).

§ 1º Aceita a proposta pelo acusado e seu defensor, na presença do Juiz, este, recebendo a denúncia, poderá suspender o processo, submetendo o acusado a período de prova, sob as seguintes condições:

I - reparação do dano, salvo impossibilidade de fazê-lo; II - proibição de freqüentar determinados lugares;

III - proibição de ausentar-se da comarca onde reside, sem autorização do Juiz; IV - comparecimento pessoal e obrigatório a juízo, mensalmente, para informar e justificar suas atividades.

§ 2º O Juiz poderá especificar outras condições a que fica subordinada a suspensão, desde que adequadas ao fato e à situação pessoal do acusado.

§ 3º A suspensão será revogada se, no curso do prazo, o beneficiário vier a ser processado por outro crime ou não efetuar, sem motivo justificado, a reparação do dano.

§ 4º A suspensão poderá ser revogada se o acusado vier a ser processado, no curso do prazo, por contravenção, ou descumprir qualquer outra condição imposta.

§ 5º Expirado o prazo sem revogação, o Juiz declarará extinta a punibilidade. § 6º Não correrá a prescrição durante o prazo de suspensão do processo.

§ 7º Se o acusado não aceitar a proposta prevista neste artigo, o processo prosseguirá em seus ulteriores termos (BRASIL, 1995).

Ademais, a legislação criminal pontua que o delegado de polícia não pode abster-se do Inquérito Policial, mas nada diz a respeito das diligências anteriores à instauração do inquérito. Quanto à atuação do Ministério Público, este pode pedir o arquivamento da demanda, uma vez que a Carta Magna assegura sua independência funcional, em seu art. 127, § 1º.

Art. 127. O Ministério Público é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis.

§ 1º - São princípios institucionais do Ministério Público a unidade, a indivisibilidade e a independência funcional. (BRASIL, 1988).

A premissa não é diferente no tocante ao ANPP. Para a aplicação do instituto, é necessária a mitigação da obrigatoriedade, seja considerada princípio ou regra, uma vez que o instituto funciona com o representante do Ministério Público acordando com o acusado, visando evitar o ajuizamento da demanda.

Ainda, cumpre destacar que para a celebração, ambos renegam direitos. É uma abdicação mútua, considerando que o Estado abdica do seu poder punitivo enquanto o acordante abdica o direito ao processo penal. É um pacto firmado entre ambos e, para a sua efetivação, imprescindível se faz a mitigação da obrigatoriedade.

(34)

3 O ACORDO DE NÃO PERSECUÇÃO PENAL

De forma preliminar, o acordo de não persecução penal nada mais é que um instituto despenalizador, que advém da ampliação da justiça negocial. Sua implementação no ordenamento jurídico brasileiro se dá em decorrência da Lei 13.964/2019 (BRASIL, 2019) que, além, de outras modificações, inseriu o art. 28-A no Código de Processo Penal (BRASIL, 1941). Cabral (2020) explica que a situação deteriorada no Sistema Penal Brasileiro acarretava impunidade e falta de credibilidade, fazendo com que surgisse um grande sentimento de revolta por parte da população. Neste sentido, nasce a ideia de que era necessário punir sem a observância dos direitos fundamentais, sendo cada vez mais comum movimentos de milícias, grupos de extermínio e justiceiros (inclusive a própria polícia) fazer justiça com as próprias mãos.

Cumpre destacar que não se trata de uma inovação. Como dito, mesmo sem respaldo legal, o Conselho Nacional do Ministério Público já havia incluído o acordo na Resolução 181/2017 (CONSELHO NACIONAL DO MINISTÉRIO PÚBLICO, 2017). Contudo, foi objeto de discussões acerca da sua constitucionalidade, sendo objeto de duas ADIs: 5790 e 5793.

Para melhor compreensão do instituto, imprescindível se faz a abordagem da evolução histórica, a qual norteia a implementação do acordo no Direito brasileiro.

Na França, por exemplo, soluções alternativas para situações criminais inicialmente se deram por iniciativa pessoal de juízes e promotores, também sem previa autorização legal. A Alemanha trilhou no mesmo sentido, primordialmente também por iniciativa particular dos servidores estatais (CABRAL, 2020).

Ademais, é o momento oportuno para a citação do instituto chamado Plea Bargain, o qual inspirou a criação do ANPP.

Plea bargain é um instituto com origem nos países de sistema common law e se traduz em um acordo entre a acusação e o réu, através do qual o acusado se declara culpado de algumas, ou todas, acusações, em troca de uma atenuação no número de acusações, na gravidade das mesmas, ou, ainda, na redução da pena recomendada (MARQUES, 2016).

O instituto supramencionado muito se parece com o ANPP, entretanto, cabe aqui mencionar que sua principal diferença é quanto aos crimes que este abarca. O Plea Bargain abrange crimes com maior potencial ofensivo.

Referências

Documentos relacionados

Super identificou e definiu construtos e a respectiva interacção no desenvolvimento da carreira e no processo de tomada de decisão, usando uma série de hipóteses: o trabalho não

As análises serão aplicadas em chapas de aços de alta resistência (22MnB5) de 1 mm de espessura e não esperados são a realização de um mapeamento do processo

Starting out from my reflection on the words cor, preto, negro and branco (colour, black, negro, white), highlighting their basic meanings and some of their

Estudos sobre privação de sono sugerem que neurônios da área pré-óptica lateral e do núcleo pré-óptico lateral se- jam também responsáveis pelos mecanismos que regulam o

É importante esclarecer que, com a divulgação dos resultados do desempenho educacional do estado do Rio de Janeiro em 2010, referente ao ano de 2009, no IDEB, no qual

O Processo Seletivo Interno (PSI) mostra-se como uma das várias ações e medidas que vêm sendo implementadas pela atual gestão da Secretaria de Estado.. Importante

O fortalecimento da escola pública requer a criação de uma cultura de participação para todos os seus segmentos, e a melhoria das condições efetivas para

Como visto no capítulo III, a opção pelo regime jurídico tributário especial SIMPLES Nacional pode representar uma redução da carga tributária em alguns setores, como o setor