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Em 1934, o escultor Agostinho Balmes Odísio possuía 53 anos e um coração que começava a falhar. Além disso, sofria com o terrível reumatismo. Seu médico recomendou mudança brusca: o escultor deveria deixar as terras frias do Sudeste do Brasil e buscar um local quente. Somente assim suas dores seriam sanadas. Surgiu o dilema: para onde ir? Soube então que havia, num lugar distante e desconhecido, uma terra de sol inclemente em que residiam quarenta mil almas devotas de um só homem, Padre Cícero. Odísio logo imaginou que aquele seria um excelente terreno para se curar dos males do corpo e lucrar com sua arte. Um povo tão intensamente religioso certamente se interessaria não apenas por estátuas de santos já tradicionais, mas também por imagens do novo santo que acabava de partir para os céus.

O escultor tomou sua decisão e, em 28 de setembro de 1934, partiu do porto do Rio de Janeiro rumo a Fortaleza. Levava consigo um ajudante, Paulino. A bordo do navio Comandante Ripper iniciou um diário. Descreveu nessas páginas o encanto que teve ao conhecer Salvador, Recife, Cabedelo, Natal e Fortaleza. Mas seu destino não era uma dessas belas, frescas e desenvolvidas cidades litorâneas: em breve, um alquebrado comboio o conduziria ao lugar final, Juazeiro do Norte.

Agostinho Odísio se deslocou até o Nordeste com o objetivo de alavancar a carreira, produzindo objetos que representassem o Padrinho. Essas “lembranças” que os romeiros levavam de volta para seus locais de origem, e que os comerciantes e empresários da cidade utilizavam para abençoar seus negócios e fazer propaganda, constituíram-se como meios de vida para Odísio e meios de recordação para os devotos de Padre Cícero.

Odísio se apropriou do corpo (morto) de Padre Cícero. Foi, de certa forma, o primeiro a esculpir o santo Padrinho. Claro que já existiam outras esculturas do sacerdote, tanto dentro das casas dos romeiros quanto na praça Almirante Alexandrino. Não havia

ainda, contudo, uma estátua sua, semelhante às dos santos, abrigada sobre um nicho, protegida e adorada. Nisso, Odísio foi pioneiro, isto é, foi o primeiro a arquitetar a imagem do santo.

O escultor também redigiu um caderno de memórias com o objetivo de perenizar sua lembrança sobre a singular terra de Juazeiro78 . A potência dos

acontecimentos testemunhados por ele foi encarcerada no escrito para que não se perdesse com o tempo. Num amontoado de folhas sem pauta, ele se pôs afa registrar a experiência vivida.

O caderno de memórias de sua lavra por vezes parece apresentar pretensões literárias. Tem, inclusive, as páginas numeradas, tal como um livro79. Foi doado por sua

neta, Vera Siqueira, ao Museu do Ceará, que o publicou, em 2006, como edição fac- similar. Esse gesto garantiu sobrevida ao nome do escultor, que já caía no esquecimento80.

Mais que isso: forneceu uma valiosa fonte para os historiadores de Juazeiro, principalmente àqueles que se preocupam com o tempo em que Padre Cícero, desaparecido da cidade, mostrou-se capaz de manter o poder acumulado sobre seus devotos e afilhados.

Quando chegou à cidade, Odísio encontrou um mercado de arte sacra relativamente consolidado. As esculturas de madeira juazeirenses, que até então faziam certo sucesso, eram feitas, segundo o marmorista italiano, de modo rústico, sem muito esmero. Ele narrava que na cidade era possível encontrar:

[...] bancas de santos, quadros religiosos, rosários, terços, bentinhos, medalhas, orações, imagens de pao (sic) desde Sant. Onófrio barbado como um troglodita

78 Segundo Assmann, “[...] cada mídia descerra um acesso específico à memória cultural. A escrita, que

acompanha a língua, armazena coisas diferentes e de maneira diferente em comparação ao que as imagens fazem [...]. O corpo também pode funcionar como um meio em si, na medida em que os processos psíquicos e mentais de recordação são ancorados de maneira tanto somática quanto neuronal [...]. Por fim, as mídias externalizadas da memória incluem localizações que são convertidas em lugares de memória, devido a algum acontecimento de relevância religiosa, histórica ou biográfica. Lugares podem atestar e preservar uma memória, mesmo para além de fases de esquecimento coletivo. Após intervalos de suspensão da tradição, peregrinos e turistas do passado retornam a locais significativos para eles, e ali encontram uma paisagem, monumentos ou ruínas. Com isso ocorrem “reanimações”, nas quais tanto o lugar reativa a recordação quanto a recordação reativa o lugar”. ASSMANN, Aleida. Espaços da recordação. Formas e transformações da memória cultural. Campinas: Editora Unicamp, 2011. p. 24-25.

79 Odísio insere números na margem superior direita do seu manuscrito, desde o início até a página 107.

Para permitir a correta referenciação, optei por seguir essa numeração, acrescentando os números que faltavam, entre as páginas 108 e 133.

80 Graças a esse destaque dado a seu nome a partir de 2006, o escultor chegou inclusive a ser nomeado,

em 2013, patrono de uma nova cadeira do Instituto Cultural do Vale Caririense (ICVC), a de número 72. Cf. O ICVC Instituto Cultural do Vale Caririense terá 60 novos patronos. Gazeta de Notícias, Juazeiro do Norte, p. 6, 15 nov. 2013.

a São José feito a machado por ser ele carpinteiro e Nossa Sra. feia como uma megera, porem tudo bem ‘encarnadinho’ e lustroso (grifo nosso).81

Odísio analisava, nesse trecho de seu caderno de memórias, um pouco do “estado da arte” dos objetos religiosos de Juazeiro, dando atenção especial à qualidade das esculturas então produzidas ali. Os artesãos locais, como Mestre Noza, utilizavam “pau”, ou seja, madeira para esculpir. Embora a umburana, principal matéria-prima dessas obras, fosse flexível o suficiente para ser esculpida com instrumentos relativamente delicados, o visitante italiano notava que o uso de ferramentas brutas e rudimentares levava a resultados que pouco lembravam imagens mais realistas.

A população local se afeiçoou ao realismo do trabalho de Odísio, “[...] rindo- se e debochando agora as outras imagens de pau dos artistas da terra, as quais tratam de = calungas = e ninguém mais compra”82. A chegada do escultor italiano parece ter

transformado o consumo de arte religiosa na cidade. Além disso, ele se dedicou esporadicamente à arte funerária, tendo recebido encomendas para produzir os túmulos de personagens importantes da região.

Talvez seja relevante destacar que Euclides da Cunha, em Os Sertões, ao descrever a mobília e os objetos típicos de uma habitação de Canudos, afirmou haver em todas as pequeninas residências um quarto que abrigava o oratório familiar. De acordo com a descrição do jornalista, havia nessas casas típicas,

[...] ao fundo do único quarto, um oratório tosco. Neste, copiando a mesma feição achamboada do conjunto, santos mal acabados, imagens de linhas duras, a objetivarem a religião mestiça em traços incisivos de manipansos: Santos Antônios proteiformes e africanizados, de aspecto bronco, de fetiches; Marias Santíssimas, feias como megeras... (grifo nosso). 83

A comparação utilizada por Odísio para descrever as imagens da Virgem Maria era a mesma já mencionada na narrativa de Euclides da Cunha. Tais esculturas eram, em suas palavras, “feias como megeras”. Mesmo a referência aos aspectos “africanizados” das estátuas em madeira se repetirá no caderno de memórias, quando o escultor italiano afirma que as peças de madeira fabricadas em Juazeiro passaram a ser

81 ODÍSIO, Agostinho Balmes. Memórias sobre Juazeiro do Padre Cícero - 1935. Fortaleza: Museu do

Ceará, 2006. p. 76.

82 ODÍSIO, Agostinho Balmes. Memórias sobre Juazeiro do Padre Cícero - 1935. Fortaleza: Museu do

Ceará, 2006. p. 92.

designadas pelos devotos de Padre Cícero como “calungas”84. Existem, portanto, indícios

de que Odísio teria lido Os Sertões, embora não mencione o livro em suas memórias85.

A atividade profissional desenvolvida por Agostinho Odísio pode ser compreendida como a de um “artista-artesão”. Ele dominava toda a produção, desde a compra da matéria-prima e elaboração do projeto da imagem a ser esculpida até o trabalho em gesso, concreto ou pedra. É preciso lembrar que a escultura feita nesse sistema deveria, necessariamente, agradar ao comprador. Não havia espaço para grandes ousadias e voos artísticos86.

Os artistas da madeira que, na década de 1930, foram desprezados por Odísio, passaram posteriormente a desdenhar daqueles que fabricam imagens em gesso, pois, sob o ponto de vista dos artesãos criativos, aqueles que modelam o gesso unicamente sabem colocar a massa dentro de uma forma e retirar depois de algum tempo. Mesmo a pintura das obras em gesso costuma ser feita com pouco cuidado, pois a rapidez e a alta produtividade são elementos mais valorizados que a qualidade. Já o artesão que usa a madeira costuma dedicar-se a apenas uma peça por vez, trabalhando durante diversos dias a mesma matéria bruta87.

Quando chegou em Juazeiro, Odísio já atuava no ramo da escultura há muitas décadas. A região Sudeste era seu campo de trabalho. Lá, era conhecido e respeitado, e por muito tempo não lhe faltaram encomendas. Segundo sua neta, Vera Siqueira, o artista italiano decidiu mudar a rota de seu destino ao ler o suplemento do jornal carioca Noite

Ilustrada88de 1 de agosto de 1934, que anunciava a morte de Padre Cícero:

Abaixo de Deus, para os nordestinos, estava aquelle velhinho, franzino de corpo, mas de espírito poderoso. Companheiro e chefe de todas as horas, cujo braço e cujas palavras lhes traziam a paz nos momentos aflictivos, o consolo e

84 Odísio provavelmente se referia às figuras de maracatus originadas entre os bantos, que lembram

bonecas e encarnam as forças de antepassados dos grupos.

85 O escultor leu, sem dúvida, livros sobre o sertão. Inclusive afirma ter ouvido, ao chegar no Ceará,

notícias sobre as secas que o surpreenderam, “[...] apesar de já ter conhecimento de muitas obras de valor que descrevem o flagelo”. ODÍSIO, Agostinho Balmes. Memórias sobre Juazeiro do Padre Cícero - 1935. Fortaleza: Museu do Ceará, 2006. p. 95.

86 Maria Eliza Borges defende que, nesse tipo de organização do trabalho, “[...] o manufaturado artístico

era aprazível pela sua utilidade, pela sua feitura ou pelo significado religioso que possuía”. BORGES,

Maria Elizia. Arte Funerária no Brasil (1890-1930). Ofício de marmoristas italianos em Ribeirão Preto. Belo Horizonte: Editora C/Arte, 2002, p. 49.

87 RAMOS, Francisco Régis. O verbo encantado. A construção do Pe. Cícero imaginário dos devotos.

Ijuí: Editora Unijuí, 1998. p. 113-114.

88 Sua neta, Vera Odísio Siqueira, é a responsável pela informação de que a ideia teria surgido com a

leitura de um artigo na revista Noite Ilustrada. Foi possível encontrar essa reportagem na Hemeroteca Digital da Biblioteca Nacional. Depreende-se que esse é o texto ao qual Vera Odísio se refere. SIQUEIRA, Vera Odísio. De Dom Bosco a Padre Cícero: A saga do escultor Agostinho Balmes Odísio discípulo de Rodin. Fortaleza: IMEPH, 2011. p. 68.

a orientação nos dias desesperadores. Para a sua compreensão rudimentar, castigada e exaltada numa vida de luta constante, sob clima inclemente, aquele homem milagroso, que fundara uma cidade de quarenta mil almas, que vencera todos os adversários, não podia ser feito da mesma massa de que fizeram as demais criaturas89.

Em Juazeiro, àquela época, já existiam outros artistas-artesãos que fabricavam estátuas voltadas ao culto religioso. Talvez tais imagens não correspondessem a uma perfeita representação da figura humana, mas cumpriam a função a qual se propunham. Segundo Odísio, havia escultores que optavam por usar o machado como ferramenta para esculpir, por exemplo, São José. Conforme sua descrição, esses “fabricantes de imagens de madeira” eram apenas “[...] artistas primitivos, mas que preenchem toda e qualquer exigência dos fregueses, pois por o romeiro tudo é santo, desde que seje barato e encarnado”90.

Tais esculturas rústicas, geralmente elaboradas em madeira, tornaram-se marca da arte e do artesanato em Juazeiro do Norte. Até os dias atuais, dezenas de santeiros continuam a esculpir figuras na umburana. Algumas dessas obras são também pintadas com tinta a óleo ou, mais recentemente, com tintas foscas. Os santos muitas vezes dão lugar a personagens mitológicos, animais híbridos e invenções totêmicas. São objetos admirados e vendidos nos mercados de arte local, nacional e internacional, e é justamente o aspecto rude, ou até mesmo tosco, que interessa àqueles que se sentem fascinados por uma arte considerada mais primitiva, ou naïf.

Odísio não apreciava esse tipo de trabalho. Formado pela Escola de Belas Artes de Turim, ele vinha de uma tradição diferente. Acostumado a esculpir bustos de figuras políticas e autoridades em geral, bem como a se dedicar à arte funerária e sacra, ele buscava imprimir o maior realismo possível em suas peças. Em seu caderno de memórias, o escultor se mostrou orgulhoso com os elogios feitos pelos juazeirenses à sua arte:

Entram e ficam tempão, olhando admirados as esculpturas do padre Cícero, de todo tamanho, bem encarnados e, seja dita a verdade, bastante bem feitos; olham e ficam pasmos, perguntando si eu nunca tinha visto padre Cícero, e a minha resposta negativa disem que eu fui mandado por Nossa Senhora das

89 FUNERAES do Padre Cícero. A Noite: Supplemento, Rio de Janeiro, p. 16-17, 1 de agosto de 1934. 90 ODÍSIO, Agostinho Balmes. Memórias sobre Juazeiro do Padre Cícero - 1935. Fortaleza: Museu do

Dores, e que só um homem guiado por Deus e milagroso para fazer Padrinho Cisso tão vivo e com tanta = decência = (beleza).91

O gesso, matéria fluida – e barata –, era utilizado pelo autor para reproduzir com precisão figuras humanas, especialmente a figura do mais humano de todos os santos, Padre Cícero Romão Batista. Desse modo, as esculturas de Odísio diferiam das imagens conhecidas pelos devotos, que geralmente eram fabricadas a partir de uma matéria muito mais indócil, a madeira, através de instrumentos pouco precisos, como machadinhas, pranchas, formões e canivetes.

A arte funerária em São Paulo, primeiro local de pouso do italiano, era exercida majoritariamente por marmoristas estrangeiros. Muitos deles costumavam buscar seus patrícios e empregá-los no trabalho, pois a mão de obra especializada era escassa no Brasil de então. Outros chegavam a arregimentar seus aprendizes ainda na infância. Os pequenos artesãos estudavam a teoria e a prática da técnica escultórica nas próprias oficinas dos marmoristas. Segundo Borges, o estatuário (ou marmorista) “[...] rompe o mito da arte pura, abandona o papel de intelectual, transforma-se em um técnico profissional, aceitando lentamente a tecnologia industrial da produção”92.

Tais marmoristas tiveram amplo campo de trabalho nas regiões em que havia importante produção de café. A nova burguesia, em sua ânsia de afirmar poder mesmo após a morte, comprava túmulos, jazigos e estátuas funerárias cujos modelos geralmente ficavam expostos nas vitrines das oficinas. Havia ainda a opção de escolher diferentes propostas artísticas em catálogos que traziam imagens de obras realizadas anteriormente. Depois do projeto inicial, feito em tinta aguada, geralmente o exemplo da escultura era produzido em gesso, e só posteriormente era cinzelada a obra em mármore. Os escultores que trabalhavam o mármore sabiam, portanto, lidar bastante bem com o gesso. Odísio era um desses artífices. Contratado pelo patrício Natale Frateschi – que viria a ser seu sogro – para fazer um busto em Franca, atuou, ainda, em muitas outras cidades de São Paulo, bem como de Minas, utilizando diversos materiais, tudo isso antes de se dedicar quase que exclusivamente àquela matéria-prima maleável, modesta e fartamente disponível em território brasileiro: o gesso.

91 ODÍSIO, Agostinho Balmes. Memórias sobre Juazeiro do Padre Cícero - 1935. Fortaleza: Museu do

Ceará, 2006. p. 90.

92 BORGES, Maria Elizia. Arte Funerária no Brasil (1890-1930). Ofício de marmoristas italianos em

As marmorarias funcionavam como empresas que navegavam na tênue linha entre arte, artesanato, indústria e comércio. Os trabalhos desempenhados por tais firmas geralmente não eram originais, mas cópias. Os artistas-artesãos enfrentavam, além disso, algumas práticas comuns nas antigas corporações, sendo admitidos como aprendizes que deveriam passar longos anos no serviço para que pudessem, finalmente, merecer maior remuneração e subir na hierarquia.

É preciso salientar que, além da fabricação de estátuas, tais companhias também se dedicavam à produção arquitetônica. Odísio, por exemplo, apresentava-se como escultor e arquiteto. Ele vinha, contudo, de uma situação peculiar: chegou ao Brasil com uma carreira relativamente consolidada, tendo estudado em Turim, Roma e Paris, e possuindo longa experiência adquirida na Escola Profissional Domingos Sávio. Sendo assim, já era um artista de formação, que desempenhou diversos trabalhos por encomenda imediatamente após aportar no país. Essa contradição o levou a admitir, em ensaio dedicado a seu filho Pedro, que as tarefas às quais se dedicou no Brasil jamais o fizeram plenamente feliz:

Na já minha longa existência, plasmei muito barro, criei muitas formas e risquei muito papel. Infelizmente, vicissitudes da vida e erros meus me forçaram a abandonar meu ideal de arte, para ganhar o amargo pão de todo dia. Quase sempre tive que mercadejar o meu trabalho, me curvar à vontade dos outros, e ao círculo fechado do dogma pelo qual quase sempre trabalhei.93

O labor criativo ficava, portanto, em segundo plano, especialmente quando se tratava de obras sacras e/ou funerárias. De toda forma, Odísio declarava se sentir aliviado por saber que ao menos foi honesto em sua arte, procurando sempre difundir sentimento. É preciso notar, contudo, que a margem para a liberdade criativa era estreita, limitando- se principalmente a esculturas celebrativas, as quais figurariam em praças e outros espaços públicos.

Antes de chegar em Juazeiro, Odísio passou uma curta temporada em Fortaleza, enquanto esperava receber a matéria-prima que deveria ser levada para o interior. A encomenda de gesso se atrasou e ele aproveitou aquele tempo para passear pela cidade. Ali, fez questão de conhecer o cemitério e, consequentemente, o mercado de trabalho local, constatando que havia

93 ODÍSIO, Agostinho Balmes. “Introdução”. In: SIQUEIRA, Vera Odísio. De Dom Bosco a Padre

Cícero: A saga do escultor Agostinho Balmes Odísio discípulo de Rodin. Fortaleza: IMEPH, 2011. p. 21.

[...] algum bom serviço vindo do Rio, algum túmulo pequeno em mármore feito aqui, e o resto de alvenaria e cimento. Há duas fábricas de granito artificial, porém, não vi serviço deste material no cemitério, por informações obtidas, parece que os serviços funerários aqui têm pouca saída. 94

Era comum que as encomendas funerárias se concentrassem em obras de três categorias: sacras, alegóricas e/ou celebrativas95. Os escultores que se dedicavam a esse

setor do mercado de arte geralmente seguiam a corrente neoclássica, sobretudo quando projetavam estátuas de Cristo ou de santos católicos. O próprio Odísio possui, inclusive, diversos Cristos Redentores de sua lavra, espalhados por diferentes cidades e regiões do Brasil. Todos seguem essa tendência. Outra encomenda muito comum era a de anjos, que podiam ser figuras infantis ou adultas. Os anjos adultos geralmente encarnavam alegorias, como o Anjo da Morte que Odísio esculpia quando veio a óbito96. Por fim, as esculturas

celebrativas encarnavam pessoas públicas ou figuras de destaque econômico e cultural. Essa modalidade também era comum nos serviços encomendados por entes públicos ou privados, não possuindo necessariamente caráter fúnebre.

Por muito tempo, Odísio se dedicou a elaborar esculturas para os mortos. Tais imagens não eram, necessariamente, dedicadas a eles. Eram encomendadas por suas famílias e deviam marcar o fim de uma história. Padre Cícero deu a Odísio a oportunidade de elaborar uma escultura para os vivos. A representação do Padrinho elaborada por ele já não marcava o fim de uma história, mas o começo de outra.

Em Juazeiro, o trabalho de Odísio encampou diferentes possibilidades. Ele criou medalhões de Nossa Senhora das Dores e de Padre Cícero. Esculpiu figuras políticas, bispos, padres, e realizou serviços funerários para os filhos das nobres famílias caririenses. A fidelidade com que reproduzia a imagem do santo local o levou a surgir como figura destacada na região, e suas obras passaram a ser procuradas e vistas por dezenas de pessoas diariamente. Odísio se decepcionava, contudo, com a miséria do

94 ODÍSIO, Agostinho Balmes. “Mudança para o ‘Norte’ do Brasil”. In: SIQUEIRA, Vera Odísio. De

Dom Bosco a Padre Cícero: a saga do escultor Agostinho Balmes Odísio discípulo de Rodin. Fortaleza: