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Uma tipologia para a atividade de lobbying: lobbying específico e lobbying

reconhecer que o desenvolvimento de ações de lobbying se restringe à defesa de interesses do poder econômico. Assim se posiciona, por exemplo, Liszt Vieira, ao se pronunciar sobre os grupos de interesse. Na visão dele, o elemento característico desses grupos seria o fato de estarem regidos pela lógica de interesses econômicos particularistas e pela defesa de interesses privados específicos.441

Tal não é, contudo, a posição afirmada por pesquisadores e estudiosos sobre o tema, especialmente aqueles que desenvolveram suas pesquisas nos Estados Unidos da América, país onde a prática de lobbying é um fenômeno corrente na vida política442. Assim, posicionam-se esses autores no sentido de reconhecerem a existência de grupos de pressão, de interesse e lobbies públicos e específicos. Segundo Luigi Graziano, para aqueles que rejeitam a ideia de classificação dos interesses em públicos e específicos, falta-lhes uma base de estudo sobre a própria vida social e política, bem como a percepção de dois fenômenos atuais, como a consolidação do Welfare State e o surgimento de diversos movimentos de defesa de direitos humanos. Diante de tal cenário, o autor reconhece, inclusive, a emersão de grupos e organizações imbuídas do ideal de clamar por direitos, ao invés de interesses.443

Paulo Bonavides – para quem estabelecer uma tipologia dos grupos não é tarefa fácil, devido à dificuldade de um enquadramento rígido dos grupos em qualquer classificação –, também reconhece a preferência de alguns autores na categorização dos grupos a partir da identificação da natureza dos interesses por eles representados. Segundo o autor, basicamente seriam identificados dois grupos: os que se ocupam apenas de interesses e vantagens materiais específicas, e os que promovem ou representam interesses menos egoístas e mais altruístas. Na primeira categoria, estariam, virtualmente, as organizações patronais, entidades rurais e

Unidos e Brasil. Tese (Doutorado em Ciências Sociais)– Universidade de Brasília, Brasília, 2008. Disponível em: <http://bdtd.bce.unb.br/tedesimplificado/tde_busca/arquivo.php?codArquivo=5367>. Acesso em: 25 out. 2009, p. 83.

441VIEIRA, op. cit., p. 61.

442Entre esses autores, somente para citar alguns, encontram-se Luigi Grazziano, italiano, estudioso da prática de

lobbying no cenário norte-americano; e Jeffrey Berry, autor de livros como Lobbying for the people (Princeton: Princeton Univerty Press, 1977); The New Liberalism: the rising power of citzen groups (Washington: Brookings Institution Press, 2000) e A voice for nonprofits (Washington: Brookings Institution Press, 2003), escrito em co-autoria com David F. Arons.

associações empresarias. Na segunda, encontrar-se-iam as “organizações filantrópicas”, aparentemente desinteressadas.444

Por grupos de interesse privado específico ou lobbies específicos compreendem-se aqueles engajados na defesa de interesses específicos e particularistas de seus membros, isto é, implicados na defesa de interesses endógenos do grupo, cujo benefício decorrente de sua representação tenderá a beneficiar seletivamente seus membros. Já os grupos de interesses públicos ou lobbies públicos ou de cidadãos perseguem, primariamente, um bem coletivo – interesses mais gerais de uma sociedade, a exemplo da defesa do meio ambiente, cultura, esporte, educação, interesses eminentemente “públicos” – cujo benefício, decorrente de sua representação, não é seletivo nem possibilita um ganho material e psicológico, exclusivamente, para seus membros ou ativistas.445

Uma ressalva, contudo, notadamente em relação aos lobbies públicos, merece ser apresentada à luz das reflexões de Ricardo José Pereira Rodrigues:

[...], a despeito das nobres causas que possam defender, todo e qualquer grupo, mesmo os advindos especificamente da sociedade civil, promovem um conceito particular do chamado bem público. O bem público não é o termo concreto, mas sim um conceito abstrato cujo teor varia de indivíduo para indivíduo e de grupo para grupo. Cada grupo promove basicamente sua visão particular do que seja o bem público e é essa visão que norteará sua atuação na prática de lobby. Veja o caso dos grupos Pró-vida e Pró-aborto nos Estados Unidos. Ambos defendem o bem comum, mas para o primeiro o bem comum passa pela proibição do aborto, uma vez que seus integrantes equiparam a prática a um assassinato. Já o segundo grupo promove o direito da mulher de escolher levar a gravidez adiante ou não.446

Mas, como adverte Luigi Graziano, o interesse público, para fins dessa classificação, não é senão um conceito operacional, decorrente do comportamento dos grupos de defenderem interesses mais gerais da sociedade447, causas, portanto, exógenas ao grupo. Jeffrey Berry ressalta, ainda, que, ao se denominar os grupos como de interesse público, não

444BONAVIDES, Paulo. Ciência Política, São Paulo: Malheiros, 2009, p. 465.

445BERRY, Jeffrey M. Lobbying for the people. Princeton: University Press, 1977, p. 7. GRAZIANO, Luigi.

Lobbying, pluralism and democracy. Nova York: Palgrave, 2001, p. 158-163.

446RODRIGUES. Ricardo José Pereira. Desenvolvimento nas ações políticas da sociedade civil dentro e fora do Congresso Nacional. Biblioteca Digital da Câmara dos Deputados: Consultoria legislativa, Brasília, ago. 2000. Disponível em: <http://bd.camara.gov.br/bd/handle/bdcamara/1374>. Acesso em: 31 out. 2009, p. 5.

447GRAZIANO, Luigi. O lobby e o interesse público. Revista brasileira de Ciências Sociais, São Paulo, v. 12, n. 35, out. 1997. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102- 69091997000300009&lng=pt&nrm=iso>. Acesso em: 29 out. 2009, não paginado.

se possui a intenção de dizer que somente eles detêm objetivos que possam coincidir com o interesse público nacional ou universal. Mesmo os grupos de interesse privado específico, afirma o autor, podem adotar ações de lobbying pelos mesmos bens coletivos perseguidos por grupos de interesse público. Entretanto, esses não são caracterizados como tal, pois o fazem de maneira secundária.448

Paulo Bonavides adverte que nem todos consideram essa tipologia do grupo – a partir da identificação da natureza do interesse por ele representado – como idônea e precisa.449 Celso Ribeiro Bastos, por sua vez, considera inócua qualquer classificação nesse sentido.450 Talvez eles tenham razão, se tal classificação for levada às ultimas consequências, ou seja, se, para ser compreendido na categoria lobby público, deva o grupo atuar, com exclusividade, na promoção de interesses “públicos”; ou, ainda, se para ser categorizado como de interesse específico, tenha o grupo que desenvolver, apenas, ações de lobbying na defesa de interesses específicos e particularista de seus membros. Contudo, não é assim que se posicionam os defensores de referida classificação. Como já sinalizado, Jeffrey Berry reconhece que grupos de interesses específicos podem representar interesses que coincidem com o interesse público, assim como grupos de interesse público podem atuar no sentido de defender um interesse específico de seu grupo ou de sua organização.

Todavia, na tentativa de se evitarem maiores contestações, é proposta, para fins desta dissertação, a transposição da teoria classificatória dos grupos – conforme a natureza do interesse representado – para uma possível classificação da atividade de lobbying. Assim, os grupos e os lobbies continuariam destituídos de qualquer classificação, mas realizando ora atividades de lobbying específico – representando interesses endógenos de seus membros – ora atividades de lobbying público – advogando em causas exógenas e de interesse de toda a coletividade.

A nova proposta de classificação da atividade de lobbying, em público e específico, também se apresentaria mais adequada diante da análise do universo de organizações integrantes do Terceiro Setor. Estas, no desenvolvimento de suas ações de lobbying, transitam

448BERRY, Jeffrey M. Lobbying for the people. Princeton: University Press, 1977, p. 9-10. 449BONAVIDES, Paulo. Ciência Política, São Paulo: Malheiros, 2009, p. 465.

nos corredores do poder ora representando interesses específicos, ora defendendo interesses mais gerais da sociedade.

O emprego de lobbying específico pelo Terceiro Setor pode ser percebido, por exemplo, quando essas organizações se manifestam perante os tomadores de decisão na defesa de questões tributárias e fiscais relativas a suas atividades. Caso emblemático de um

lobbying específico do Terceiro Setor – e também já sinalizado em trabalho nosso451 – refere- se à luta fratricida estabelecida entre representantes de organizações atuantes nas áreas de cultura e esporte, quando da discussão, no final do 2006, no Congresso Nacional, de um projeto de lei que criou um incentivo fiscal para iniciativas voltadas ao desporto e que, assim, concorreria com a faixa de renúncia fiscal já prevista para projetos de incentivo e fomento à cultura, descritos na Lei Rouanet.452

Já o lobbying público do Terceiro Setor pode ser identificado, quando diante da defesa de questões relativas à preservação do meio ambiente ou, ainda, frente à afirmação de direitos humanos. Quanto ao último caso, possível recordar, a título exemplificativo, as pressões empenhadas perante o Congresso Nacional, no ano de 2008, a favor da ratificação da Convenção da ONU sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência.

As organizações e movimentos sociais envolvidos naquela discussão buscavam sensibilizar os congressistas a ratificar a referida convenção nos termos do artigo 5º, §3º da Constituição Federal de 1988, modificado pela Emenda Constitucional n.º 45, de 2004. Ou seja, objetiva-se a aprovação de dita convenção em quórum qualificado de 3/5 e em dois turnos, de modo a garantir a esse tratado internacional de direitos humanos o status de emenda constitucional. A princípio, pode parecer estar-se diante de um lobbying específico, que beneficiaria somente as pessoas com deficiência, objeto central dessa convenção. No entanto, os direitos nela expressos e afirmados – direito a não discriminação, direito à acessibilidade, direito a uma educação inclusiva, entre outros – podem trazer benefícios a toda a sociedade, produzindo transformações sistêmicas no agir social perante toda e qualquer diferença ou diversidade humana. Daí entender-se estar diante do desenvolvimento de uma ação de lobbying público.

451BENINE, op. cit., p. 153-154.

452PANNUNZIO, Eduardo, SOUZA, Aline Gonçalves de. Incentivos fiscais para iniciativas de interesse público. In: PANNUNZIO, Eduardo; BENINE, Renato Jaqueta; DEGENSZAJN, Andre (coord.). Perspectivas para o

3.3 Lobbying: efeitos sobre a democracia. Mecanismo benigno ou maligno da democracia