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O fim da União Ibérica em tempos da Reforma Portugal e Espanha em lados opostos (1640-1763).

CAPÍTULO I. Portugal e a Espanha, evolução de um relacionamento: Das rivalidades históricas às parcerias na Europa, na Ibero-América e no Mundo.

I.2 O fim da União Ibérica em tempos da Reforma Portugal e Espanha em lados opostos (1640-1763).

Os capítulos das Cortes de Tomar foram geralmente observados durante a dinastia filipina. A independência de Portugal não poderia oferecer dúvidas nem no plano jurídico nem no plano de facto, pelo menos, segundo aponta Soares Martínez, até o governo do conde-duque de Olivares31 ‒ a quem se atribui o desígnio de uma anexação pura e simples de Portugal, e que pelas suas atitudes menos respeitadoras da individualidade portuguesa, muito terá contribuído para a Restauração de 1640.

Com efeito, para além de certos “desrespeitos”, como o restabelecimento das alfândegas terrestres (portos secos), em 1592; as “inovações” atribuídas ao conde- duque de Olivares ‒ com a cumplicidade de não poucos portugueses32 ‒ do tipo político, institucional e fiscal, nomeadamente a criação do Conselho da Índia ‒ visando a administração centralizada de tudo o que dissesse respeito às possessões ultramarinas portuguesas ‒ , foram consideradas como ofensas às prerrogativas das autoridades portuguesas e claras violações ao “Acordo de Tomar”.

31 Gaspar de Guzmán y Pimentel Ribera Velasco e Tovar, conde-duque de Olivares, foi primeiro-ministro de Espanha por vinte anos, desde a subida ao trono de Filipe IV, em 1621.

32 SCHAUB, Jean-Frédéric (2001), Portugal na Monarquia Hispânica (1580-1640), p. 41. “Os panfletos que circulavam na época da restauração sublinhavam o papel dos cúmplices portugueses do opressor castelhano. Desta forma, deixaram-nos o testemunho da importância da contribuição portuguesa para o desenvolvimento da política do Conde de Olivares”.

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A conjuntura europeia e os custos da guerra.

O Portugal dos Habsburgo também não escapou à conjuntura europeia da primeira metade do século XVII, marcada pela generalização dos conflitos militares que se sucederam um pouco por todo o continente, entre 1618 e 1648, e pela pressão fiscal, a sua consequência imediata. A guerra afecta Portugal de várias formas.

Efectivamente, com a União, Portugal deixou de ter uma politica externa própria, isto é, a acção diplomática representativa dos interesses portugueses passou a ser exercida em nome de reis que ao mesmo tempo eram reis da Espanha, e cujos interesses nem sempre se mostraram compatíveis.33 Como consequência, a solidariedade estratégica da coroa portuguesa relativamente ao resto da monarquia hispânica converteu o seu império asiático, africano e americano em ‘alvo de eleição’ para as potências marítimas adversárias de Espanha, a Inglaterra e as Províncias Unidas, e em menor escala, a França. Nesse sentido, seguindo Jorge Nascimento e Tessaleno Devezas, “para os portugueses, o período filipino significou sobretudo o ataque sistemático dos holandeses ao império, no quadro da secundarização do Oriente português na estratégia espanhola”.34

Por outro lado, as ambições de dominação espanhola em relação ao Norte, pela sua tentativa desesperada de recuperar a sua intacta influência no Flandres, colocam a economia continental portuguesa em situação difícil, na medida em que o comércio em direcção ao Mar do Norte ‒ fundamentalmente do sal da metrópole ‒ constitui um elemento essencial do seu sistema de troca.35

Finalmente, a partir das primeiras formulações do projecto de União das Armas, ou seja, de solidariedade defensiva entre as diferentes coroas da monarquia

33 Cf. MARTINEZ, Pedro Soares (2010), História Diplomática de Portugal, pp. 153, 154.

34 RODRIGUES, Jorge Nascimento e Tessaleno Devezas (2009), Portugal. O Pioneiro da Globalização. A

Herança das Descobertas, p. 361.

35 Acresce a esta lista o facto de que após a morte de Filipe I (de Portugal) em 1598, o ‘ciclo da prata’, que já vinha numa fase descendente desde o pico em 1595, caiu a pique a partir de 1630, perdendo Sevilha peso nos eixos transnacionais, já a partir de 1620. O que afectou seriamente Lisboa, que amoedava na Casa da Moeda muito desse tráfico intenso da prata das Américas, que como commodity

21 hispânica, a exigência de recrutamentos de tropas em terras portuguesas exerce uma pressão crescente sobre o reino e provoca um claro descontentamento, sobretudo, das camadas populares.

A entrada em cena da Inglaterra e o fim da União Ibérica.

Ao fim de várias intervenções armadas esporádicas que se traduziram em vinte e um anos de guerra contra a Espanha, Portugal celebra um tratado com a Inglaterra, em 23 de Junho de 1661.36 Em troca de vantajosas condições concedidas aos ingleses, Portugal obtinha o apoio externo que, como afirma Soares Martínez, “presumivelmente decidiu a guerra da Restauração”.37 O desejo de separação que a Restauração manifesta é satisfeita com o fim da União Ibérica.

A opção britânica pode-se explicar pela importância para Portugal das vias marítimas relativamente às quais, os ingleses poderiam assegurar um melhor apoio. Esta opção implicava, entre outros sacrifícios, o abandono em favor da Inglaterra, das posições fundamentais obtidas no Oriente mas que Portugal ‒ forçado a acatar o novo regime ‘grociano’ do mare liberum38 ‒ , não tinha muitas possibilidades de conservar. Os privilégios e benefícios do comércio das Índias Orientais estavam, de qualquer modo, perdidos para os portugueses. A organização mundial assente no tratado de Tordesilhas entretanto desaparecera.39

36 Em 1661, ficou acordado o casamento de Carlos II de Inglaterra com D. Catarina de Bragança, entregando-se aos ingleses Tânger e Bombaim.

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MARTINEZ, Pedro Soares (2010), História Diplomática de Portugal, p. 200.

38 A Companhia Holandesa das Índias consulta Hugo Grócio após a captura, em 1603, de uma nave portuguesa “Santa Catarina” que viajava de Macau para Goa com um botim de grande valor. “O alto mar propriamente infinito é uma coisa comum a todos e não susceptível de ocupação”. O Mare Liberum de Grócio suscitou réplicas, e toda uma série de escritos polémicos. Entre estas, as mais conhecidas devem-se ao português Serafim de Freytas (1570-1633) que ensinou em Valladolid, e ao jurista inglês John Selden (1584-1654), autor do Mare clausum (relativo aos mares que rodeiam as ilhas britânicas). Freytas admite, igual que Grócio, que o mar é coisa comum mas considera a possibilidade de uma quase-possessão, equivalente a um direito preferencial e de controlo em determinadas zonas para determinados estados. Freitas defende o direito dos portugueses a penetrar nas Índias Orientais com o fim de difundir a fé cristã, por delegação do Papa. Cf. TRUYOL Y SERRA, António (1995), História de la

Filosofia del Derecho y del Estado. Livro 2, p. 206.

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Portugal e Espanha, em lados opostos.

Em 1668 (ano que marca o fim da Guerra de Restauração entre Portugal e a Espanha), o triunfo dos estados protestantes na Europa parecia mais o menos consolidado. A comunidade dos povos cristãos fora profundamente dividida pela Reforma. O poder de Roma achava-se necessariamente diminuído. Era forçoso entender que a República Cristã, em cujos quadros, os impérios de Portugal e a Espanha se formaram e desenvolveram, tinha ruído.

Ao mesmo tempo que observamos a emergência de novos poderes, assistimos à deterioração das relações entre Portugal e a Espanha e ao reaparecimento das fronteiras.

Com efeito, a partir de 1704, Portugal entra novamente numa guerra contra a Espanha. Portugal aliado da Inglaterra, e a Espanha do lado da França, em lados opostos: a Guerra da Sucessão Espanhola (1665 e 1715) e mais tarde, a Guerra dos Sete Anos (1756-1763), ambas originadas principalmente pela rivalidade colonial e económica anglo-francesa, mas também sustentadas pelas rivalidades luso-espanholas ao longo das fronteiras físicas, culturais e mentais, de que Schaub nos falara40. Estes conflitos tiveram naturalmente reflexos de avanços e recuos também, e principalmente, nas fronteiras nas colónias americanas.

I.3 A perda das colónias. O Liberalismo e o fim da monarquia em Portugal (1810-

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