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1. A Trindade como o modelo da Igreja intercultural

1.1. Unidade em diversidade

A unidade em diversidade é um aspeto fundamental da nossa fé trinitária. Nós, cristãos, acreditamos na unidade das três pessoas divinas num só Deus. Para que Deus seja verdadeiramente uno, como professamos, a unidade perfeita deve existir em Deus. No mesmo modo, para que Deus seja verdadeiramente trino, a distinção entre as três pessoas divinas deve existir em Deus. «Na comunhão trinitária, a diversidade e a unidade coexistem»243. Elas complementam-se. A unidade perfeita não anula a distinção das três pessoas divinas. Ao mesmo tempo, esta distinção não impede a plena unidade divina. Deus Trindade vive na unidade em diversidade.

Atualmente, a unidade em diversidade é um valor muito importante. Muitos grupos, instituições e companhias promovem a unidade em diversidade. Aliás, boa parte da humanidade trabalha para que se realize este sonho. Perante a sociedade global, multicultural e plural, a unidade em diversidade é um sonho e um projeto a realizar por todos os que fazem parte desta sociedade. O nosso tempo marca uma nova etapa da história humana. Estamos numa nova fase, onde sentimos a intensificação do encontro e interação entre diferentes povos e culturas. No mundo globalizado, «o destino da comunidade humana torna-se um só, e não já dividido entre histórias independentes»244. Assim, a unidade em diversidade é mais exigida no nosso tempo do que nunca.

A unidade em diversidade está no seio da Igreja. Não é uma novidade para a Igreja viver a unidade em diversidade. Na Primeira Carta aos Coríntios, São Paulo já fala da unidade em diversidade dos cristãos. «Há diversidade de dons, mas o Espírito é o mesmo; há diversidade de serviços, mas o Senhor é o mesmo; há diversos modos de agir, mas é o mesmo Deus que realiza tudo em todos» (1 Cor 12, 4-6). A Igreja desde o seu início reconhece a existência da diversidade nos seus membros, mas reconhece também a sua unidade pela única fé recebida do Senhor.

243 S. FOTIOU, «Diversity and unity», 276.

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Agora, levamos a nossa unidade em diversidade para um outro nível: a interculturalidade. No meio de uma sociedade globalizada, plural e multicultural, a Igreja é chamada a viver radicalmente a sua unidade em diversidade. Para esta tarefa, a Igreja olha para Deus uno e trino como modelo perfeito de unidade em diversidade. Em Deus uno e trino, o Pai, o Filho e o Espírito Santo são distintos uns dos outros, mas, ao mesmo tempo, são iguais na divindade. A unidade das três pessoas divinas num só Deus é para nós uma inspiração a seguir. Pelo exemplo de Deus Trindade, podemos apreciar melhor a importância de viver na unidade em diversidade.

«A diversidade sempre foi uma realidade muito presente no cristianismo desde os seus primórdios»245. E nunca lhe será tirada. A diversidade é uma marca definitiva da Igreja. E temos que a valorizar, porque é importante para a unidade eclesial. Para chegar à unidade, não precisamos de negar a nossa diversidade. «Os defensores da unidade geralmente tendem a confundir unidade com uniformidade»246. Isto não é correto. A unidade não devia ser entendida como uniformidade. A Igreja promove unidade e não uniformidade. A nossa unidade deve ser uma unidade diversificada.

«Na Igreja, cada pessoa é singular e única, contudo existe em união com os outros. Em Jesus Cristo, as pessoas estão unidas independentemente da cor, idioma, raça ou idade»247. A nossa unidade não se deve ao facto de sermos todos iguais na aparência ou nos costumes, mas à mesma fé confessada num só Senhor. «É por isso que se pode dizer que a fé é o princípio interno da unidade da Igreja»248. A fé une-nos numa só Igreja, num só Povo de Deus. Sendo de diferentes origens culturais, raças ou cores, sentimos que estamos unidos como um só Povo de Deus. A nossa diversidade cultural é mantida na nossa unidade eclesial.

Como não devemos confundir unidade com uniformidade, também não devemos confundir diversidade com desigualdade. «Não podemos confundir diferença e desigualdade: os diferentes seriam desiguais. Os diferentes (por origem, sexo, família, cultura, riqueza, religião) são iguais em dignidade e direitos»249. A nossa diversidade não diz respeito à nossa dignidade como filhos de Deus. Embora sejamos diferentes culturalmente e racialmente, somos todos iguais como irmãos. Por isso, somos unidos embora diferentes, porque somos iguais na dignidade como filhos de Deus.

245 W. L. SANCHEZ, «O Concílio Vaticano II e o tema da diversidade», in Revista Espaço 23, nº 2 (2015), 127.

246 N. APOSTOLA, «How much unity? how much diversity?», 132.

247 S. FOTIOU, «Diversity and unity», 276.

248 B. FORTE, La Iglesia de la Trinidad, 39.

249 C. DEL VALLE, «La interculturalidad como llamada y horizonte de misión», in Verbum SVD 54, fasc. 3

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Além disso, a nossa unidade em diversidade é inspirada pela vida trinitária de Deus. «A humanidade é criada à imagem de Deus, refletindo tanto a unidade como a diversidade da própria Trindade. Essa diversidade é expressa tanto em termos de indivíduos como em termos de culturas»250. A nossa fé em Deus uno e trino tem que se manifestar nas nossas comunidades eclesiais. Como Deus é uno, a Igreja também é una. Como Deus é trino, uma comunidade de três pessoas distintas, a Igreja também é uma comunidade de pessoas distintas. A unidade em diversidade é o nosso testemunho de que Deus é verdadeiramente uno e trino.

A unidade sempre foi uma das grandes tarefas da Igreja. Esta, ao evangelizar todos os povos, sempre assegurou a unidade de todos num só Senhor. Mas nem sempre foi fácil. «Existe uma tensão natural entre a unidade e a diversidade, pelo menos quando a experimentamos de maneira prática e, falando teologicamente, na condição de humanidade caída»251. Portanto, podemos dizer que a unidade de todos é uma missão da Igreja. Como o desejo de Jesus na sua oração sacerdotal em São João: «que todos sejam um, como tu e eu» (Jo 17, 20). Mas, até agora, «a antiga questão sobre a relação entre diversidade e unidade – a relação entre um e muitos – ainda está à espera de uma resposta»252. A Igreja continua a procurar meios para que se realize este sonho.

A interculturalidade seria uma resposta oportuna do nosso tempo à realização da unidade em diversidade sonhada. A nossa unidade em diversidade passa pela interculturalidade. «A interculturalidade pode ser definida como um intercâmbio onde pessoas de origens e culturas diferentes interagem em pé de igualdade»253. Esta definição de José Antunes da Silva é muito interessante, porque realça os três elementos essenciais da interculturalidade: o intercâmbio, a interação e a igualdade. Tendo estes três elementos juntos, a unidade em diversidade é possível. A interação ativa, o intercâmbio das experiências da fé e o espírito de igualdade criam o ambiente onde todos podem sentir-se unidos e respeitados. Compreendemos melhor a importância destes três elementos à luz do amor, sobretudo no exemplo do Amor de Deus.

250 R. KISALA, «Theological foundations of interculturality», in Verbum SVD 54, fasc. 1 (2013), 29.

251 N. APOSTOLA, «How much unity? how much diversity?», 119.

252 S. FOTIOU, «Diversity and unity», 269.

253 J. A. SILVA, «Reino de Deus: expressão da fraternidade e inclusão», in Communio Revista Internacional

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