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2.MULTIMORBILIDADE EM IDOSOS DEPENDENTES AO

2.1.2.3. Unidades de Observação e metodologia de colheita de dados

A unidade de observação foi o binómio cuidador/doente através de entrevista ao cuidador informal utilizando um questionário. A justificação para a avaliação do doente ser reportada pelo cuidador prendeu-se com a intenção de não excluir do estudo as patologias do doente com repercussão na sua capacidade cognitiva (e.g. Demência). Definiu-se como cuidador informal qualquer pessoa que prestasse cuidados gratuitamente por ter uma relação afectiva (e.g., amigos ou vizinhos) ou de parentesco.

A colheita de dados ocorreu no domicílio dos doentes, através de entrevista realizada pelo investigador ao cuidador, durante a visita da equipa (ECCI) ou em visita programada com o cuidador. Ao entrevistar o cuidador, fez sentido mapear o seu perfil revelando interesse e respeito pela pessoa e função de cuidar no lugar. Contudo, não sendo o cuidador o objectivo primário do estudo, esta amostra foi sujeita a uma análise secundária publicada167 e posteriormente expressa.

Questionário

O questionário foi construído tendo em conta as variáveis que se pretendiam estudar e foi realizado pré-teste de legibilidade, compreensibilidade e aplicabilidade em duas etapas. A primeira etapa (legibilidade e compreensibilidade) teve como objectivo

 

perceber a acessibilidade da linguagem, a qual consistiu em solicitar a colaboração de colegas de vários estratos profissionais. Para o efeito, escreveu-se uma carta convite explicando o que se pretendia: “que se colocasse na pele do cuidador, fizesse a leitura crítica do questionário e verificasse se compreende as perguntas e sugerisse possíveis correções de melhoria”. Nesta etapa participaram seis pessoas, uma do sexo masculino e as restantes do sexo feminino, com idades compreendidas entre os 55 e os 63 anos e níveis de escolaridade entre o básico e a licenciatura. Foram sugeridas algumas correcções de linguagem. Depois de efectuadas as correcções ao questionário pediu-se a colaboração a cuidadores com o objectivo de aferir a aplicabilidade do questionário, limitações e duração da sua aplicação. Esta segunda etapa contou com a colaboração de seis cuidadores: todos do sexo feminino, com idades compreendidas entre os 47 e os 79 anos, níveis de escolaridade desde sem escolaridade à licenciatura e quanto à relação afectiva com o doente, dos seis, quatro eram familiares. A aplicação do questionário nesta fase de pré-teste reforçou a necessidade de ter a resposta alternativa “não sabe/não responde” em todas as respostas dicotómicas, bem como ter uma escala analógica para a escala de Likert para a auto-percepção de saúde. A duração da aplicação do questionário oscilou entre os 18 e os 30 minutos, informação útil para o planeamento das visitas.

Processo de colheita de dados

O procedimento de colheita de dados decorreu segundo as seguintes etapas: • Organizaram-se as visitas por área geográfica e ACES.

• Antes de se iniciar a colheita de dados em cada ACES, contactaram-se os Presidentes dos Conselhos Clínicos e/ou os Directores Executivos e os Coordenadores das Equipas Coordenadoras Locais (ECL) do ACES onde iria decorrer a colheita de dados.

• Posteriormente, contactaram-se os Coordenadores das ECCI seleccionadas e planeou-se a colheita de dados de acordo com a disponibilidade das equipas. • Uma semana antes da colheita de dados, confirmou-se a visita com a equipa, a

qual informava os idosos e/ou os cuidadores e organizava a visita acompanhando um profissional ou fazendo a apresentação ao cuidador. Os idosos sem visita da ECCI programada para os dias previstos para a colheita de dados foram contactados pelo enfermeiro gestor de caso ou pelo secretariado confirmando a disponibilidade para a entrevista.

• Por uma questão de comodidade prática iniciou-se a colheita por Lisboa cidade e pela ECCI de Alvalade (ACES Lisboa Norte)

 

A recolha de dados foi padronizada por aplicação do mesmo instrumento a todos os participantes, pelo investigador, isto é, foram sempre entrevistados os cuidadores na presença do idoso o qual, quando cognitivamente bem, colaborava na entrevista. O instrumento previa à partida uma pergunta aberta, outros diagnósticos, que foram codificados à posteriori de acordo com a Classificação Internacional das Doenças para os Cuidados de Saúde Primários (ICPC-2)166. Tanto para a questão aberta como para os dados reportados de morbilidade, a confirmação diagnóstica foi feita através da análise da terapêutica em curso e da consulta da informação clínica disponível (e.g., notas de alta hospitalar ou relatórios clínicos).

Durante a entrevista, os dados foram registados num ficheiro word, em seguida exportados automaticamente para uma matriz excel e posteriormente para a ferramenta estatística IBM SPSS versão 24.0 para o sistema operativo MAC Os. A opção pela entrevista ao cuidador em detrimento do uso de base de dados (e.g. SIARS ou GEST4CARE) prendeu-se com algumas das suas limitações:

1. O Sistema de Informação das Administrações Regionais de Saúde (SIARS) é uma base de dados alimentada pelos dados de produção dos cuidados de saúde primários. Nem todos os dados que se pretendiam analisar decorrem da actividade regular das unidades de saúde, pelo que esta base de dados se revelou insuficiente.

2. Sendo a unidade de observação o idoso ao cuidado das ECCI, a alternativa seriam os dados exportados da plataforma de registos da RNCCI o GEST4CARE, contudo:

a. são apenas codificáveis três diagnósticos, limitando o estudo da multimorbilidade

b. a fiabilidade dos dados não estava garantida para fins de investigação, uma vez que, até 2016, o registo na plataforma GEST4CARE da RNCCI não era nominal

c. a informação clínica registada no GEST4CARE é de natureza narrativa sendo apenas possível a análise de conteúdo, sem a segurança de estarem acessíveis os dados que se pretendiam estudar.

Sendo o objectivo de estudo a dependência, a continuidade da história clínica e de dependência era relevante e essa só poderia ser fornecida pelo próprio, se cognitivamente bem, ou pelo seu cuidador informal.

O cumprimento dos princípios e valores éticos de autonomia e confidencialidade dos dados e dos requisitos inerentes à investigação com pessoas foi um imperativo, pelo

 

que os dados foram colhidos após parecer da Comissão de Ética e após consentimento informado, tendo sido submetidos à devida anonimização.

2.2.4.

Análise estatística dos dados e seu racional

A análise estatística dos dados teve duas componentes:

1. Descritiva – A análise dos dados foi realizada para todos os determinantes e outcomes. Os resultados esperados foram: frequências, absolutas e relativas, para variáveis nominais e para as numéricas, médias, medianas e valores de dispersão (máximo, mínimo e desvio padrão). Como medidas de multimorbilidade utilizaram-se seis ou mais diagnósticos ou condições médicas (MM6+) e oito ou mais (MM8+), por pessoa. Atendendo a que todos os participantes tinham multimorbilidade para a definição de dois ou mais problemas e a maioria até cinco, incluímos na análise as duas medidas de multimorbilidade (MM6+ e MM8+) que representam 90 e 74% dos participantes, respectivamente.

2. Tendo em conta o desenho de estudo e a amostragem, na análise utilizou-se o modelo de regressão linear generalizado (GLM) através de equações de estimação generalizada (GEE), regressão logística multivariada com estrutura de correlação uniforme e unidade de aleatorização, com medição repetida, no cluster – ECCI. A expectativa da resposta e as covariáveis são as aplicadas às ciências da saúde quando as respostas são binárias e o GEE assume que as medições dentro do cluster são correlacionadas168. Os outcomes binários considerados foram: a fragilidade e a dependência (Figura 1).

a. Bivariável:

Na análise bivariável o modelo GEE foi construído tendo em conta a variável dependente, com distribuição binominal, utilizando a função logit para o cluster ECCI, tendo em conta a correlação uniforme entre indivíduos (idosos) dentro da ECCI e uma variável independente.

b. Multivariável

Na análise multivariável, para todas as categorias [Multimorbilidade (MM6+ e MM8+), gravidade de Charlson, cada diagnóstico, fragilidade (ponto de corte ≥0,25 do índice de acumulação de 37 défices e dependência (ponto de corte ≤60)], incluiu-se no modelo como covariáveis: as doze condições médicas mais frequentes (tendo em conta o mínimo de 12 condições médicas a considerar nos estudos de multimorbilidade53) que correspondessem a uma frequência

 

superior a 25% e os problemas considerados associados à variável dependente em estudo na análise bivariável. Consideraram-se, ainda, como covariáveis sócio-demográficas a incluir no modelo a idade, o sexo, o isolamento e a escolaridade (excepto para a fragilidade).

Os parâmetros de estimação do modelo na análise multivariável foram sobreponíveis aos da análise bivariável. Para seleccionar as variáveis mais associadas ao fenómeno em estudo foram-se retirando as sem associação estatisticamente significativa por ordem decrescente do valor de p até que todas as variáveis tivessem associação estatisticamente significativa.

Na figura 1 encontra-se resumido o esquema do racional subjacente à análise. Nele à esquerda encontram-se os determinantes e as correspondentes variáveis que os caracterizam e à direita os outcomes e respectivas variáveis. Por se tratar de um estudo transversal os vectores apenas pretendem explicitar o sentido das associações analisadas.

Figura 1 – Racional do estudo

O racional reflecte a possível sequência factorial e temporal das associações a analisar entre as características sócio-demográficas, a morbilidade, a multimorbilidade, a fragilidade e a dependência.