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7. Unidade Didática para o ensino por métodos problêmicos

7.2 Unidades didáticas na Educação Científica

Na organização dos conteúdos escolares, visando a uma formação básica que possibilite a aplicação dos conhecimentos científicos para resolver os problemas cotidianos, devem ser integradas situações reais em que esses conhecimentos podem ser requeridos. Essa orientação é enfatizada em diversos documentos da educação básica brasileira. Ao relacionarem a contextualização do conteúdo e o uso de situações problema na prova de ciências naturais do Enem 2009, Uehara e Núñez (2011, p. 33) destacam que:

Na sociedade contemporânea, é cada vez mais relevante articular os conteúdos curriculares da escola às ocorrências do mundo físico ou social – relacionadas a contextos em que o aluno está inserido – atribuindo sentido e significado a esses conteúdos.

Contextualização e interdisciplinaridade são princípios didáticos fundamentais recomendados para a organização dos currículos de Química na educação básica do país. “Isso não pode estar dissociado da idéia de abordagem temática que, permitindo uma contextualização aliada à interdisciplinaridade, considere as duas perspectivas mencionadas, proporcionando o desenvolvimento dos estudantes”. (BRASIL, 2006, p. 108-109). Apesar da utilização dessa proposta ter como objetivo a aprendizagem de conceitos químicos, considerando as possibilidades interdisciplinares, principalmente nas ditas ciências naturais, é interessante, segundo Zabala (2006, p. 186):

que as unidades didáticas, embora sejam de uma determinada disciplina, tenham como ponto de partida situações globais (conflitos ou questões sociais, situações comunicativas, problemas de qualquer tipo, necessidades expressivas), nas quais os distintos conteúdos de aprendizagem, das diferentes disciplinas ou saberes são necessários para sua resolução ou compreensão.

As observações de unidades didáticas de uma determinada disciplina podem revelar como o ensino destes saberes estão sendo trabalhados. Ao investigar unidades didáticas de professores de Química do ensino médio, Marcondes e outros (2009, p. 295) concluíram que “alguns professores parecem continuar presos a uma seqüência de conteúdos específicos, refletindo pouco a perspectiva de formação da cidadania (Acevedo, 1996), mantendo modelos didáticos tradicionais”.

Em pleno século XXI, a fragmentação do conhecimento científico, que tem influenciado a própria atividade científica e o ensino de Ciência, ainda contribui para perpetuar o ensino memorístico, de orientação positivista. Ao contextualizar a origem da aprendizagem baseada em problemas, Behrens (2009, p. 163) pontua:

A prática pedagógica conservadora alicerçada nos procedimentos que envolvem o “escute, leia, decore e repita” deve ser ultrapassada ainda neste início de século, pois, ao longo da história da educação, vem refletindo o paradigma newtoniano-cartesiano que caracterizou a ciência desde o século XVIII até grande parte do século XX. [...] não inclui procedimentos metodológicos que levem ao desenvolvimento do espírito crítico e reflexivo necessário à sociedade.

A autora adverte ainda que ”o foco na problematização possibilita uma visão pluralista e tem como ponto de partida o questionamento que vincula articulações

diferenciadas, com a finalidade de produção de conhecimento”. (ibid., p. 164-165). Ressalta que essa orientação

compreende o ensino com uma visão complexa que proporciona aos alunos a convivência com a diversidade de opiniões, convertendo as atividades metodológicas em situações ricas e significativas para a produção do conhecimento e a aprendizagem para a vida. Propicia o acesso a maneiras diferenciadas de aprender e, especialmente, de aprender a aprender. (ibid., p. 165, grifo nosso).

Na perspectiva adotada neste trabalho, o ensino por problemas tem como fundamento o “caráter contraditório do conhecimento com o objetivo de que o estudante, como sujeito da aprendizagem, assimile os conteúdos e, pelo método dialético do pensamento, consiga refletir e resolver as contradições”. (NÚÑEZ et al., 2004, p. 146).

Propostas antigas para ensinar conhecimentos científicos a partir de problemas que motivem os alunos, já eram indicadas ao Ensino de Ciência, com o intuito desses conhecimentos serem relacionados a situações e problemas reais da vida. Ao detalharem indicações metodológicas para desenvolvimento do conteúdo a nível teórico e experimental, pautando-se em três momentos pedagógicos, Delizoicov e Angotti (1992, p. 29) já estabeleciam como primeiro momento uma problematização inicial, cuja sistematização era sugerida do seguinte modo:

São apresentadas questões e/ou situações para discussão com os alunos. Mais do que simples motivação para se introduzir um conteúdo específico, a problematização inicial visa a ligação desse conteúdo com situações reais, que os alunos conhecem e presenciam, mas que não conseguem interpretar completa ou corretamente porque provavelmente não dispõem de conhecimentos científicos suficientes. [...] Neste primeiro momento, caracterizado pela compreensão e apreensão dos alunos frente ao tópico, é desejável que a postura do professor se volte mais para questionar e lançar dúvidas sobre o assunto que para responder e fornecer explicações.

A problematização a que se referem os autores, assim como aquela geralmente associada a Paulo Freire, são melhor sistematizadas na perspectiva adotada neste trabalho. A proposta em questão se baseia no ensino problêmico. Segundo Núñez e outros (2004, p. 151):

Para Majmutov (1984), o problema de ensino é um elo intermediário entre as categorias filosóficas e as didáticas, ou seja, serve como meio de transformação do método dialético de solução das contradições em

métodos didáticos que resolvem as contradições surgidas no processo de assimilação de novos conhecimentos.

De acordo com Behrens (2009, p. 167), “O professor, ao propor problemas, instiga os alunos ao diálogo, propiciando, assim, um posicionamento crítico e dialético que implica um movimento constante de ação, reflexão e ação”. Ressalta que o maior desafio educacional

consiste na formação de jovens para a indignação e a inconformidade diante das injustiças sociais, tendo em vista a construção de autonomia pessoal e intelectual que conduza à transformação da realidade”.(ibid., p. 167, grifo nosso).

Na educação científica, diversas propostas metodológicas têm sido investigadas nas últimas décadas. Algumas têm sido recentemente desprezadas, como a aprendizagem por recepção significativa. Ao comentar realizações e perspectivas depois de dez anos de investigações na Didática das Ciências, advertia Gil Pérez (1994, p. 156, tradução nossa): “O fato de contemplar o ensino- aprendizagem das ciências como um processo de transmissão-recepção não permite sua desqualificação como um simples retorno à estratégia ‘tradicional’ (vista como algo sem nenhum valor)”. Lembrava ainda: “Não podemos esquecer algumas contribuições chave como a ideia de aprendizagem significativa, a atenção a aquilo que os alunos já sabem ou instrumentos como os mapas conceituais”. (ibid., p. 156, grifo do autor, tradução nossa).

O autor destaca ainda uma importante consequência da mudança conceitual, apesar da existência de algumas críticas quanto à sua capacidade de produzir mudanças simultâneas de procedimentos e atitudes:

Ela tem proporcionado novo sentido e interesse às investigações sobre trabalhos de laboratório e resolução de problemas de lápis e papel, vistos agora como instrumentos de familiarização dos alunos com as estratégias do trabalho científico. E isto, por sua vez, exige uma profunda transformação das ditas práticas e problemas, para que deixem de ser meros exercícios de aplicação ou ilustrações dos conhecimentos transmitidos verbalmente e passem a constituir situações problemáticas abertas, capazes de favorecer uma atividade investigadora dos alunos, convenientemente orientada e apoiada pelo professor (Gil et al. 1991, Wheatley 1991, Gil et al. 1992, Hodson 1992b). (ibid., p. 157).

Supõe-se que os docentes deveriam “ser os primeiros beneficiários das descobertas da pesquisa educativa. Porém, como indica Tyler (1979), existe uma autêntica barreira entre ‘pensadores’ (pesquisadores) e ‘realizadores’ (professores)’”. (CARVALHO, GIL-PÉREZ, 2011, p. 62).

A rejeição pelo “ensino tradicional” costuma expressar-se com contundência, sobretudo por parte dos professores em formação. No entanto, há evidências de que, apesar de todas as repulsas verbais, hoje continua-se fazendo nas aulas de Ciências praticamente o mesmo que há 60 anos. (ibid., p. 62).

Paixão e Cachapuz (2003, p. 2) concordam que “A investigação no âmbito do ensino das Ciências tem tido uma reduzida influência nas práticas dos professores”. O cotidiano das salas de aula, portanto, tem sido pouco modificado, apesar de inúmeras pesquisas consolidadas.

Com o intuito de programar uma unidade didática que contemple conteúdos relacionados à aprendizagem da estrutura atômica no nível médio, baseado na perspectiva do ensino problêmico, os conteúdos são organizados sequencialmente segundo três dos principais métodos problêmicos. Segundo Cárdenas (2003, p. 16, tradução nossa):

são métodos ativos nos quais os estudantes têm a possibilidade de valorizar os problemas, encontrar suas causas, sua essência e ir em busca de soluções tal e qual farão em seu desempenho profissional, além do mais se enriquecem pelo intercâmbio de ideias, opiniões, experiências e argumentos de suas decisões.