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3 EDUCAÇÃO SUPERIOR

3.1 UNIVERSIDADE: CONCEITO, SURGIMENTO E EVOLUÇÃO

A conceptualização de Universidade constitui uma tarefa extremamente complexa que, desde seu surgimento até atualidade não foi consensual nem pacifica entre os pesquisadores devido a uma pluridiversidade de fatores. Com efeito, essa complexidade resulta do fato do conceito da Universidade não ser uniforme, por caracterizar-se como um conceito polissêmico utilizado como sinônimo de várias terminologias como academia, ensino superior, Instituição de Ensino Superior, instituto universitário, ensino terciário, colégio universitário, entre outras denominações (TRINDADE, 1999; VARELA, 2011; ROSSATO, 2005; FRANCO, 2016).

A complexidade da sua conceptualização, pode ser relacionada ao fato de representar uma realidade heterogênea que, ao longo de vários séculos, teve de transformar-se para adaptar-se às mudanças impostas pelas condições econômicas, políticas, sociais, religiosas e culturais de cada época. Por isso, muitas vezes, as universidades vêm enfrentando contradições. Daí que Rossato (2005, p. 11) é categórico em afirmar que a “sobrevivência e a relevância dessas instituições na sua longa e perturbada trajetória até aos nossos dias de hoje [...] deve-se à capacidade de adaptação e mudança” desta instituição secular.

Portanto, ter em consideração a pluridiversidade de designações acima listadas, acerca da Universidade, compreendemos que, dificilmente haverá uma definição uniforme, consensual e pacífica entre os pesquisadores clássicos e contemporâneos. No entanto, podemos assinalar algumas aproximações através dos termos chave que têm caracterizado essa instituição ao longo da sua evolução, segundo a perspectiva de autores que têm focalizado seu olhar sobre o mesmo, tais como Kerr (2005), Varela (2011), Franco (2016) e Rossato (2005).

Especificamente, de acordo com os autores mencionados, as universidades têm desempenhado um papel muito importante na sociedade em todos os níveis. Sobretudo, porque no seu seio, acontece a procura, a construção e a produção constante de conhecimentos científicos para o benefício social, através da formação de sujeitos gnosiológicos, produção da alta cultura, investigação, divulgação e disseminação de conhecimentos especializados que têm transformado e contribuído para a melhoria da vida das pessoas de um modo geral. Como consequência disso, essa instituição tem ocupado uma posição de destaque e relevância nos sistemas educativos dos respectivos Estados-nação.

Depreende-se, a partir da caraterização anterior que, ainda coexistem diversidades de conceptualizações da ideia de Universidade, contudo, evidencia-se que, a produção do conhecimento científico assente nos três pilares clássicos da função da Universidade: ensino, pesquisa e extensão, pontua-se com alguma centralidade e preponderância nessa discussão.

O traçado da retrospectiva histórica da evolução da Universidade neste trabalho torna- se fundamental, por um lado, porque o Ensino Superior constitui uma das nossas temáticas principais de investigação, mas por outro lado, a ênfase colocada na sua caraterização tem como finalidade a compreensão, a captação da sua dinâmica histórica de evolução, a identificação das influencias de concepção e modelos de Universidades implementados em Cabo Verde.

Por conseguinte, o objeto de estudo, Ensino Superior cabo-verdiano, segundo Varela (2011, p. 85), “segue de perto o português, com poucas nuances”. Daí que, segundo esse autor o modelo europeu centrado na referência ocidentalista “é o modelo que mais diretamente tem influenciado o processo de concepção e de evolução do Ensino Superior em Cabo Verde, no âmbito da qual surge, em 2006, a primeira universidade pública” do país (VARELA, 2011, p. 86).

Por isso que, na nossa ótica, essa incursão histórica justifica-se, ainda, pelo estado incipiente de pesquisas sobre essa temática e áreas afins no contexto cabo-verdiano. Estamos em crer que, ao seguirmos a evolução da retrospectiva histórica da universidade no contexto europeu ocidental, compreenderemos melhor as opções pelos modelos de Universidade instituídos em Cabo Verde, os papeis e as funções que têm desempenhado no referido contexto.

Em conformidade com a evidência apontada anteriormente, de que a abordagem histórica sobre a evolução da universidade, não é consensual entre os pesquisadores, apresentamos uma caraterização sucinta dessa evolução, tomando como referência o contexto europeu ocidental, ancorado na perspectiva de três autores: Trindade (1999), Rossato (2005) e Franco (2016).

Quadro 6: Evolução histórica da Universidade na perspectiva de Trindade (1999), Rossato (2005) e Franco (2016). Modelos de Universidade Princípios e caraterísticas essenciais Principais legados (contribuições) Medieval -

Século XII até o Renascimento

- Universidades de Bolonha e de Paris

Organiza-se pautada no encontro de corporações: Bolonha – gerida por alunos e de Paris gerida por professores;

- Centralidade no processo de formação pela busca do conhecimento;

- Universidades como espaços de debates: pratica da defesa da tese, da dialética.

- Essência da instituição universitária medieval o corporativismo, a autonomia e a liberdade acadêmicas;

- Centralmente voltada para uma formação teológico- jurídica que responde às necessidades de uma sociedade dominada por uma cosmovisão católica. Renascentista Do século XV, à transição para a universidade moderna do século XVIII

- Sofre a influência das transformações do capitalismo comercial e do humanismo literário e artístico;

- Influência das ideias da Reforma Protestante e da Contra Reforma, da expansão do poder real e da afirmação progressiva e vinculação do Estado nacional;

- O Latim, progressivamente perde a sua força como “língua científica” em detrimento das línguas vernáculas;

- A hegemonia teológica perde o seu espaço com o advento do humanismo antropocêntrico, porque as universidades adotaram novos métodos, fundamentados nas racionalidades científicas da época, isto é, o axiomático-dedutivo;

- Início da configuração do conceito moderno da ciência, amparada pela ideia do homem como senhor da natureza e da sociedade. A procura da verdade e da razão através do conhecimento cientifico, tirando partido da sua vontade e da sua inteligência, conscientiza o homem renascentista da sua existência;

Iluminismo

Finais do Século XVII e inícios do Século XVIII

- Caracteriza-se pelas descobertas científicas em vários campos do saber, através da valorização da razão, do espírito crítico, da liberdade e tolerância religiosas. - Criação das academias científicas, intensificação e a profissionalização das ciências;

- Universidade como espaço central de profissionais de alto nível por áreas de especialização;

- Compartimentação em áreas diferenciadas e desgarradas da “mãe filosofia”;

- Aspecto formativo sobrepõe ao aspecto do desenvolvimento humano.

- Ressignificação das Universidades por causa do avanço das ciências “exatas, físicas e ou naturais” e o avanço tecnológico;

- Institucionalização da pesquisa na Universidade. Esta passa a ser o principal locus da produção cientifica e tecnológica;

- O legado da liberdade, ao permitir o “homem sair da sua menoridade”, expressa pela capacidade de o homem pensar e agir por si mesmo, em busca do conhecimento e da verdade e na livre expressão do seu

pensamento e criação intelectual;

- A profissionalização da pesquisa na academia como ideal de progresso humano e social.

Moderna

Século XIX à contemporaneidade

- Introdução de uma nova relação entre o Estado e a Universidade, tendo subjacente dois conceitos fundamentais, a Razão e o Estado; - Principais marcos referenciais, as universidades francesa e alemã, de 1806 e 1809, respectivamente; - Institucionalização do modelo napoleônico de Universidade. O ensino é o aspecto central;

- Institucionalização do modelo humboldtiano de Universidade. Cristalização de dois das três principais funções da universidade: ensino e pesquisa, isto é, a indivisibilidade entre saber, ensino e investigação;

- Universidades em que a pesquisa é o aspecto central;

- Institucionalização do terceiro elemento das funções clássicas da universidade: a extensão, pelo modelo universitário norte- americano.

- A ciência e o poder têm uma influência crescente sobre a fonte do poder e sobre as formas de seu exercício; - a pesquisa científica aparece como hipergeradora de poder, capaz de aumentar ainda o poderio dos mais poderosos; - “o sucesso da ciência tornou as relações entre a comunidade científica e o Estado mais complexas que antes;

- as complexas relações entre conhecimento e poder interpenetram a sociedade contemporânea em todos os níveis, da esfera pública ao mercado, recolocando uma questão central de natureza ética

Fonte: O Autor (2017).