• Nenhum resultado encontrado

2.1 UNIVERSIDADES CLÁSSICAS E TECNÓLOGICAS

2.1.2 Universidades Tecnológicas

As Universidades Tecnológicas (UTs) nasceram da necessidade de capacitar recursos humanos para a indústria e para a tecnologia (POHL; SCHIEFLER FILHO, 2006). Basicamente, esse modelo de instituição surgiu de duas maneiras: como instituições de ensino superior, tendo em seu escopo cursos nas áreas de engenharias e tecnologias, ou foram transformadas a partir do ensino técnico profissionalizante.

Uma das necessidades da formação técnica foi a aproximação da universidade com os setores empresariais, aliada às mudanças ocorridas na economia no século XXI, que mudou o pensamento dos educadores sobre a formação do profissional (DELORS et al., 1996) em consequências das transformações econômicas e sociais ocorridas em todo o mundo. Os avanços atuais da ciência e da tecnologia, tal qual na Revolução Industrial, produziram novos avanços e exigem, cada vez mais, novos modelos para sustentar tais transformações. Nesse sentido, Duméry et al. (2017) destaca que a universidade no século XX tornou-se parte essencial para a sobrevivência das sociedades altamente industrializadas.

No fim do século XVIII, a revolução nos modos de produção, marcada pela Revolução Industrial (em 1765), a revolução política, marcada pela Revolução Americana (em 1776), e a revolução social, marcada pela Revolução Francesa (em 1789), influenciaram nos modelos de comportamento e de conhecimento, sinalizando uma perspectiva de modernidade. Entretanto, a universidade:

Assistiu, sem se aperceber, a chegada das três grandes revoluções que marcaram novas direções da humanidade: a revolução americana [novo conceito de poder civil e de governança], a revolução francesa [novos ideais para a humanidade] e a revolução industrial [novos meios de produção e de trabalho]. Embora muitos de seus membros fossem determinantes nessas revoluções, a universidade, como instituição, esteve à margem de todas elas. De certo modo, ignorou-as (D’AMBROSIO, 2009, p. 7).

Dessa análise, resultam cinco concepções de universidade: concepção inglesa, com a finalidade de aspiração do indivíduo ao saber; concepção alemã, a aspiração da humanidade à verdade; concepção norte americana, a aspiração da sociedade ao progresso; concepção francesa, a estabilidade política do Estado; e concepção soviética, a edificação da sociedade comunista (BOAVENTURA, 1978).

Por conta das três primeiras concepções apresentarem maior autonomia da universidade e as diretrizes serem elaboradas no interior da instituição, “a partir das normas próprias à instituição” (DRÈZE; DEBELLE, 1983, p. 27), foram chamadas de idealistas ou pontos de vista internos. Já as duas últimas são chamadas de externas ou de funcionais, porque a concepção de universidade surge a partir da prestação de serviços para a nação. “As normas aplicadas à instituição vêm do exterior, procedem mais de uma preocupação de utilidade coletiva que de exigências autônomas da instituição” (DRÈZE; DEBELLE, 1983, p. 27). Na concepção idealista, a ênfase é dada ao ensino, à pesquisa e à simbiose entre a pesquisa e o ensino. Já na concepção funcional, a ênfase é dada às preocupações sociopolíticas e socioeconômicas.

As bases das UCs lançadas por Humbold na Alemanha, na metade do século XIX, criou a simbiose entre o ensino e a pesquisa de forma sistêmica nas universidades. Porém, com o avanço da ciência e da tecnologia advindas da revolução industrial ou revolução técnico-científica no fim do século XIX, surgiu o modelo universitário norte-americano, com o objetivo no desenvolvimento e progresso social, científico e tecnológico (PROTA, 1987; SINGER, 2001; SILVEIRA; BIANCHETTI, 2016).

Sucede no processo evolutivo da comunicação universitária que esses modelos baseados na “manifestação diversa do saber uno” viabilizaram outro viés interpretativo com a perspectiva “da totalização sistemática do saber diverso”, originando dois modelos de universidade: a liberal e a autoritária (CUNHA, 2007, p. 14). O modelo proposto por Von Humboldt tende ao liberalismo, influenciando sobremaneira os redirecionamentos da universidade francesa e a arquitetura político pedagógica da universidade norte americana. A orientação liberal humboldtiana, que desenvolvia o

cultivo do saber livre e desinteressado de aplicações práticas, era antagônico à política universitária voltada para a formação profissional implementada pela Revolução Reformadora de Napoleão I, em 1789 (CUNHA, 2007).

Vale recordar Wolff (1993), que adverte (alicerçado nos escritos de Max Weber que sustenta a ideia de que o Estado não pode ser definido por seus fins) sobre o propósito de uma definição pedagógica e sociológica de universidade, pautada em pontos comuns definidores desta instituição, inviabilizando-a devido ao fato de que:

As universidades foram criadas por todos os tipos de motivos: para preservar uma velha fé, para granjear prosélitos para uma nova fé, para treinar trabalhadores habilitados, para melhorar o padrão de profissões, para expandir as fronteiras do conhecimento e mesmo para educar os jovens. (WOLFF, 1993, p. 25)

Retornando ao contexto da História, desde a primeira Revolução Industrial, na metade do século XVIII, até os dias atuais, a universidade vem sendo solicitada a prover profissionais qualificados e capazes de sustentar as transformações sociais, econômicas e tecnológicas em curso (LI et al., 1990; YUANGENG, 1990; SILVA, 2009). Esse processo revolucionário interferiu no surgimento de novas descobertas no campo da ciência e da tecnologia, produzindo um cenário cambiante de ideias, teses e especulações.

A referência a Humboldt e à universidade de pesquisa é constante nas reflexões sobre sua implementação e usada como argumento frequente no que respeita o aprimoramento para o alcance das transformações culturais e sociais, articulado com o progresso político pedagógico das instituições universitárias. Acredita-se que para a efetivação desse modelo pesquisa e tecnologia devem ser usadas como ferramentas de incremento ao progresso da humanidade inserta em um mundo já globalizado.

Direcionada ao enriquecimento cultural da nação e servindo como instrumento destinado à construção e apoio do Estado, o modelo de Humboldt foi “o germe da universidade voltada para o desenvolvimento, cabendo à educação cumprir papel preponderante no processo de mediar a construção e modernização do Estado” (SILVEIRA; BIANCHETTI, 2016, p. 84).

Para entender melhor a contextualização histórica e a constituição do modelo de universidade tecnológica devemos observar, em paralelo, o cenário da Revolução Industrial iniciada em meados do século XVIII e seus reflexos no mundo. Observam- se três períodos distintos no processo de industrialização em escala mundial: a) 1760

a 1850 – a Revolução se restringe à Inglaterra, a "oficina do mundo", preponderam a produção de bens de consumo, especialmente têxteis, e a energia a vapor; b) 1850 a 1900 – a Revolução espalha-se pela Europa, América e Ásia (Bélgica, França, Alemanha, Estados Unidos, Itália, Japão, Rússia), cresce a concorrência, a indústria de bens de produção se desenvolve, as ferrovias se expandem, surgem novas formas de energia, como a hidrelétrica e a derivada do petróleo, e o transporte também se revoluciona com a invenção da locomotiva e do barco a vapor; e c) 1900 até hoje – surgem conglomerados industriais e multinacionais, a produção se automatiza, surge a produção em série e explode a sociedade de consumo de massas, com a expansão dos meios de comunicação, bem como avança a indústria química e eletrônica, a engenharia genética e a robótica.

Importa rever o mérito da vitória da Prússia sobre a França em 1871, em que a concepção alemã, pregada por Von Humboldt, influenciou fortemente as universidades francesas, uma vez que os padrões de ensino alemães passaram a ser altamente valorizados pelos intelectuais franceses. A orientação liberal humboldtiana que desenvolvia o cultivo do saber livre e desinteressado de aplicações práticas era antagônica à política universitária autoritária e voltada para a formação profissional implementada durante a Revolução Reformadora de Napoleão I (CUNHA, 2007).

Em réplica às concepções humboldtianas e napoleônicas, as universidades do final do século XX criaram mecanismos desenvolvimentistas que privilegiaram as políticas de ciência e tecnologia (SILVEIRA; BIANCHETTI, 2016). Segundo Silva e Kovaleski (2009), um dos motivos dessa mudança está na formação que as UCs preconizaram, caracterizada pela investigação científica, sem necessariamente estar ligada a projetos e parcerias com empresas para gerar lucros. Essas revoluções demandaram a formação de recursos humanos nas áreas técnicas para a sustentação do desenvolvimento tecnológico, criando, em países como Alemanha, França e Estados Unidos, faculdades e institutos técnicos que foram posteriormente transformados em UTs com o objetivo de atender às indústrias (STEINER; CASSIM; ROBAZZI, 2008).

Para Wolf (1993), a ideia da universidade como campo de treinamento para as profissões liberais é recente e apresenta implicações bastante distintas e é muito posterior a das universidades europeias, precursoras do modelo:

Cada modelo é um retrato de uma universidade imaginária que personifica um determinado conjunto de ideais e está organizado sobre um princípio

apropriado de autoridade interna. Desnecessário dizer que não se pretende que esses modelos sejam representações de instituições reais. Na realidade, nem sequer se pretende que eles sejam relatos de instituições possíveis. Ao contrário, são o que Weber chamou de “tipos ideais” – experimentos do pensamento pelos quais podemos identificar algumas das conexões entre uma determinada concepção de educação universitária e os arranjos institucionais, condições sociais, exigências de acesso e finalidades que naturalmente daí decorre. (WOLF, 1993, p. 26).

Apesar desses conflitos, a criação das UTs ocupou o espaço existente entre a pesquisa básica e a pesquisa aplicada e entre as UCs e o setor produtivo (PILATTI; LIEVORE, 2018). Dessa forma, procura ampliar sua contribuição para a sociedade e deixa de ser apenas um espaço de formação e de promoção de pesquisa básica.

As UTs não nasceram de uma demanda das revoluções industriais dos últimos 200 anos, pois apenas 50 universidades com foco nas áreas de tecnologias foram criadas em todo mundo. Analisando seu nascimento a partir da primeira revolução industrial ocorrida há 100 anos, foram fundadas 25 UTs; na segunda revolução industrial, compreendendo o período de 1850 e 1960, foram criadas 24 UTs; e entre a primeira e segunda revolução industrial o continente europeu criou 41 das 50 UTs fundadas (LIEVORI, PILATTI, 2018).

Silva e Kovaleski (2009) destacam a Universidade de Tecnologia de Compiègne (UTC), criada por decreto em 2 de outubro de 1972, na França, como representante de UTs, pois combina a formação de engenharia e doutorado, tendo como objetivo o desenvolvimento da tecnologia em parceria com as indústrias. Posteriormente foram criadas em 1994 a Universidade de Tecnologia Troyes (UTT) e em 1999 a Belforte-Montbéliard (UTBM), com as características de ensino voltadas para a formação profissional. Outro destaque é dado à Universidade Técnica de Braunschweig (TU-BS), na Alemanha, criada em 1745 como colégio, passando por várias reformas até se tornar escola técnica de nível superior, no ano de 1862, e oferecer desde fundamentos básicos a avançados nas áreas de engenharia e ciências exatas (POHL; SCHIEFLER FILHO, 2006).

Sobre as características encontradas nas UTs, podem ser destacados os seguintes aspectos: i) a formação prática e profissional, tendo como base as áreas de tecnologia e engenharia (NASCIMENTO; PERDIGÃO, 2006; POHL; SCHIEFLER FILHO, 2006); ii) parceria com a indústria no desenvolvimento de pesquisas aplicadas nas áreas tecnológicas e de engenharia para a realização de transferência de tecnologia (POHL; SCHIEFLER FILHO, 2006; MENEGHEL, 2006; SCHAEGGER et

tecnologia, tendo como objetivo o setor produtivo e a solução de problemas das indústrias (NASCIMENTO; PERDIGÃO, 2006; POHL; SCHIEFLER FILHO, 2006); e iv) relação de seu corpo docente com os setores empresariais, por meio de consultorias especializadas (BASTOS, 2015).

Du Pré (2004) relaciona as características das UTs a seis áreas de atuação: i) busca pela excelência no ensino-aprendizagem; ii) a pesquisa prática; iii) referência em desenvolvimento de tecnologia; iv) transferência de tecnologia para o setor produtivo e inovação na criação de novos produtos; v) a forte ligação com os setores produtivos; e vi) internacionalização das melhores práticas.

O surgimento das UTs na América Latina possui suas bases nas escolas profissionalizantes em nível secundário, provindos das áreas de agricultura, pecuária artesanatos etc., que raramente aspiravam a alta qualificação (PERKIN, 2007). Atualmente, os modelos de UT vêm ganhando espaço nos Rankings internacionais que avaliam as Instituições de Ensino Superior (IES) em nível local e internacional, utilizando-se uma série de critérios para compará-las entre si. Entre os rankings, destaca-se o QS1 World University Rankings, que avalia e classifica as 100 (ou até 800) melhores universidade do mundo. Na edição de 2018, o ranque classificou o

Massachussets Institute of Technology (MIT) em primeiro lugar entre as 100 melhores

universidades do mundo. Na América Latina, o QS World University Ranking Latin

America avaliou as 400 melhores IES. Na última avaliação das universidades

ranqueadas, 374 são clássicas (UCs) e apenas 26 são tecnológicas (UTs). Entre as universidades brasileiras classificadas no ranque, há 82 UCs e uma UT. A Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR) aparece classificada na 117a posição.

O México é um dos países da América Latina com maior número de UTS, devido ao intenso processo de globalização e abertura econômica que passa o país nas últimas décadas. Segundo Lievore e Pilatti (2018), as UTs mexicanas foram inspiradas no modelo francês dos Institutos Universitários de Tecnologia (IUT) e crescem significativamente, com recomendação da Organização de Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). O México é o país com maior número de UT ranqueadas, seis no total.

1 QS do inglês - Quacquarelli Symonds - Empresa britânica responsável pelo estudo de

classificação das universidades.

No Ranking das melhores UTs da América do Sul, aparecem 10 UTs, sendo uma no Brasil, duas na Argentina, uma na Bolívia, uma no Chile, duas na Colômbia, duas no Equador e uma na Venezuela.

Desde seu surgimento, a universidade tem sido questionada, com maior ênfase a partir de meados do século XX, com a adesão de novas tecnologias que auxiliam no processo de ensino e aprendizagem. São vários os aspectos questionados e discutidos. Entretanto, nos últimos anos, certos enfoques, como custo e seu papel como promotora do crescimento econômico, se acentuaram, chegando-se mesmo a questionar até a própria pertinência das universidades no mundo atual (SOUZA, 2009).

Sguissardi (2006) fala sobre esse assunto ao assumir que a identidade multissecular da universidade está em jogo, tendo como uma das razões básicas as novas relações da indústria, estado e universidade na busca por gerar conhecimento. Essa relação modificada pelo próprio Estado faz com que as instituições públicas ajam como organizações privadas que dependem da venda de seus produtos e serviços para autossustentação.

Ao analisar a universidade em suas finalidades e objetivos com o intuito de classificá-las como universidades clássicas ou tecnológicas, não há nenhuma universidade que possa ser considerada um modelo ideal, pois a sociedade evolui, novas demandas irão surgir e a universidade deve estar preparada para adaptar-se às mudanças que lhe são impostas.

Não é possível prescindir a importância que a universidade exporta para o desenvolvimento social e econômico, tanto no panorama mundial e, sobretudo, em nível regional (AMARAL; MAGALHÃES, 2002; ALBERT, 2003; PUCCIARELLI; KAPLAN, 2016; ETZKOWITZ; LEYDESDORFF, 2000). Elas adquiriram novas funções além do ensino e da pesquisa, devido a sua participação mais efetiva no desenvolvimento econômico (ETZKOWITZ, 1993) e especialmente na atração e manutenção de atividades de alto valor econômico numa sociedade cada vez mais globalizada e competitiva (CHATTERTON; GODDARD, 2000; ETZKOWITZ et al., 2000; HARKAVY, 2006; HEITOR; HORTA, 2016).

A organização universitária conhecida no século XIX e XX se reinventará para atender as novas demandas. Conforme foi colocado por Kerr (1982), pode-se questionar um modelo, quando ele sai de cena na História e abre caminho para um novo modelo, com características diferentes.

2.1.3 Rede de Universidade Tecnológicas e Politécnicas da América do Sul e Caribe