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3. PARTE II: SERTÃO E MODERNIDADE

3.1 Urbanidade como espaço moldado pela modernidade

Com a chegada do progresso e da civilidade nos trópicos, a sociedade brasileira do século XX buscou a transformação do seu espaço urbano através destas ideias liberais e modernistas. Esse processo ocorre de acordo com os projetos econômico/político/social vindos da Europa, mudando assim os hábitos dos citadinos e principalmente o seu espaço físico. Interferindo no espaço público e no privado. Faziam parte deste processo médicos higienistas, administrativos, governantes entre outros, e dentro dos projetos apresentados para as modificações do espaço houve conflitos e tensões entre os governantes e os populares, pois as medidas muitas vezes não foram bem aceitas por parte da população inclusive por haver modificações no seu modo de vida devido à necessidade de se ter uma cidade longe da miséria. Os fatores de higiene e educação foram os mais propostos para uma reorganização do

espaço tanto na esfera federal como municipais. A seguir, vejamos a análise deste processo na cidade do Natal localizada no Rio Grande no Norte.

Assim exposto, partimos do pressuposto de que o desenvolvimento da cidade do Natal no início do século XX foi conduzido por uma elite que importou o conhecimento e as experiências dos países europeus desenvolvidos, não interessando que essas idéias ou propostas pudessem ser ou tivessem condições de serem vividas pela cidade do Natal. Quase tudo o que era apresentado como “novo” parecia ser a solução mais adequada à satisfação dos anseios estimulados pelos discursos que apostavam na modernidade. E diante das evidências, que as pesquisas tem demonstrado, o intento de tornar a cidade moderna muitas vezes não correspondia às suas condições materiais, revelando que os desejos da elite elegia a cada “novo” que surgia, um caminho mais curto para buscar sua identificação com essa modernidade. Neste momento, o concreto para a cidade foi apostar que a modernidade sempre esteve e continua estando no almejado (FERREIRA; DANTAS, 2006, p. 109).

Nesta busca pelo novo e pelo progresso a elite do estado do RN buscava então tornar a sua capital moderna e seguir os parâmetros europeus de modernização e nessa busca não importa o que se perdia com ela, pois a modernização seria a solução para os problemas recorrentes. No interior do Estado do RN denominado sertões do Seridó também ocorreram essas transformações modernizadoras do espaço e consequentemente no modo de vida de seus habitantes, principalmente na cidade de Caicó, tida como a “capital do Seridó” devido a sua localização e desenvolvimento modernista em relação às demais localidades.

Andrade (2007) nos traz esta discussão em torno da cidade de Caicó a qual os intelectuais colocaram seus anseios pela modernização nos jornais da época, na busca de bens e símbolos que trouxessem o desenvolvimento para a cidade e seus habitantes, entre estes seria a criação de cinemas, trem, energia elétrica, pista de pouso entre outros. Para isso foi criado o “Código de Posturas”, o qual continha regras para maior aproveitamento dos espaços, como por exemplo, as edificações, higiene e salubridade pública e privada, fazendo com que esta cidade se destacasse das demais controlando assim a região do Seridó. Nesse sentido:

Sendo a cidade um espaço-texto, diversos são os fragmentos de memória, parafreseando o próprio Certeau, como o Código de Posturas e os jornais, destacando-se o Jornal das Moças, que possibilitaram perceber como os espaços da cidade de Caicó foram “pensados” e articulados estrategicamente numa rede de narrativas e leis que buscavam minar as artes do fazer, ou seja, a relação que a elite intelectual estabelecia com o espaço e com o povo nos permitiu pensar que havia um posicionamento no intuito de alcançar um objetivo, de “provocar um efeito, mirar um alvo”: reelaborar o cotidiano e

internalizar nos habitantes uma forma nova de comportamento que minasse as artes de fazer e improvisar do povo (ANDRADE, 2007, p. 49).

Segundo Andrade (2007) os intelectuais que escreviam o Jornal das Moças, colocavam seus desejos e as relações de posturas que estes tinham na prática do espaço. Foi nas crônicas destes jornais que começaram a aparecer elementos da modernização como a chegada da luz elétrica e a instalação do Educandário Santa Terezinha do Menino Jesus, mostrando a mudança no espaço urbano da cidade, mesmo que não tão percebidas pelas pessoas. Uma preocupação que aparece nas crônicas é a questão da arborização da cidade, a qual alguns indivíduos chegaram a ser multados devido ao comportamento em relação às árvores. O governo teve que intervir para que a ordem pública fosse restaurada colocando penas de multa e prisão para aqueles que tentassem destruir as plantas. São as sensibilidades moldando o cotidiano dos sertanejos, outro modo de vida sendo instaurado, tendo na natureza um sentimentalismo para sua defesa, pois essas tornariam o ar mais limpo em virtude do forte calor na região, como também mostra a necessidade do uso do código para essa nova mudança nos sertões.

Outro hábito mudado foi à feira livre, local onde se vende frutas e verduras ao ar livre, como antes eram colocadas no chão, veio às medidas higienistas e de salubridade para que isso não acontecesse mais, pois tornavam um risco para a saúde. Por isso a mudança tanto para o vendedor no modo de expor a sua mercadoria como do comprador para saber os melhores alimentos a serem comprados, definindo assim “posturas” e pesos para uniformização desse novo hábito.

Neste processo de modernização alguns intelectuais tiveram destaque na região com seus discursos, através dos jornais ou na política, dentre outras funções exercidas pelos mesmos. Um destes intelectuais de maior destaque na construção da formação do pensamento moderno para a mudança em Natal e consequentemente na cidade de Caicó no interior do estado foi Manoel Dantas.

Manoel Dantas foi jornalista, professor, advogado, escritor, juiz, político e fotógrafo. Nasceu em 26 de abril de 1867, falecendo em 15 de junho de 1924, a reunião de alguns de seus trabalhos esta no livro Homens de Outrora (1941), discute o espaço da memória e da ciência. Graduado em direito pela Faculdade de Direito do Recife, a partir de sua formação teve seus discursos formados com dispositivos cientificistas e progressistas, formando o discurso regionalista presente nos pensamentos das elites do estado e do interior seridoense.

Para a cidade do Natal, Manoel Dantas relatava que a mesma estava pronta para a chegada da modernidade, mas alguns passos deveriam ser percorridos para se dá esse processo, o principal elemento dessa mudança seria nos transportes, pois as distâncias entre Natal e o “mundo civilizado” deveria ser diminuída, a proposta então era colocar um sistema de transporte que desse acessibilidade na cidade, sendo assim teve investimentos no porto, na estação ferroviária transcontinental e incentivo ao turismo. A cidade se transformava numa “máquina do progresso”, onde com esses incentivos haveria trabalho e formação dos bairros pela população de acordo com suas áreas trabalhistas. Transformar-se-ia numa cidade industrializada com operariado, desenvolvendo o pensamento, a atividade intelectual e a força psíquica dessas pessoas, depois da atividade material ter sido executada. A ciência, a técnica e a educação para o desenvolvimento da sociedade e do progresso para se ter fé no futuro para esse espaço.

O discurso, muitas vezes, aproveitando-se da formação religiosa do autor, sacava o futuro com uma redenção de todas as angústias e a solução para todas as dificuldades. Ao considerar a posição social do sujeito que falava, Manoel Dantas, é possível compreender porque se tornou um dos principais desencadeadores de novas práticas modernizadoras, no mínimo propiciando o surgimento das condições políticas adequadas a sua aceitação e incorporação por parte da sociedade e sendo apropriado e utilizado pela elite, que se encontrava à frente da estrutura administrativa da cidade do Natal a partir da Proclamação da República, para estabelecer a transformação da sociedade de acordo com os interesses de quem exercia o poder (FERREIRA; DANTAS, 2006, p. 109-110).

Na citação acima percebemos a ligação do discurso de Manoel Dantas com a política do Estado, pois a sua fala estava formalizada de acordo com os interesses políticos e econômicos do estado, pois este fazia parte da elite, como também foi um intelectual que teve sua formação direcionada as frentes progressistas. Na sua obra Homens de Outrora (1941) o autor discute mais sobre o sertão seridoense relacionando à seca e o homem, tendo a instrução pública como único elemento capaz de tirar o Seridó do atraso, como nos diz a seguir: “enquanto não se compreender que na instrução reside primeiro o bem estar de um povo, e esses prejuízos perdurarem, o sertanejo há de ser atrasado, refratário as inovações do progresso e indiferente às lutas que se travam em nosso país” (DANTAS, 1996, p.11). Relacionando na sua obra o passado em busca do futuro, principalmente alertando sobre os problemas dessa região e buscando soluções. O sertanejo então seria uma parte do país que não estava ligada ao todo devido ao seu “atraso” e para Manoel Dantas os elementos de

combate à seca, como por exemplo, a utilização de mecanismos modernos e técnicas e o avanço da ciência junto com a instrução pública seriam capazes de mudar a realidade do sertanejo no enfretamento contra as secas e ao seu atraso, apesar de que as secas são fenômenos naturais e não podem modificá-los apenas encontrar formas de sobreviver neste espaço, como veremos a seguir:

[...] lendo o Seridó, por condições naturais, Manoel Dantas cientificamente constrói uma explicação e uma possibilidade de homem e natureza harmonizarem-se pelo uso da técnica, pois se a seca é uma carência das águas pluviais a solução está em conservar as águas caídas em anos de inverno, a seca deve ser vencida por meios racionais de resistência, com a construção de açudes e a perfuração de poços, assim a técnica vence a natureza, ou na pior das hipóteses, a rende (MEDEIROS NETA, 2007, p. 65).

A partir do progresso e da técnica as mudanças começariam a ocorrer nos sertões do Seridó, sendo este local do seu nascimento de seus pais e filhos tendo este espaço como sentimental e físico ao mesmo tempo. É com o jornal o Povo que Manoel Dantas começa a trazer para o sertanejo o pensamento da modernidade, principalmente para a cidade do Caicó, local tido para este como a “capital do Seridó”, símbolo e destaque para as cidades vizinhas e circunvizinhas, esta cidade teve que romper com o passado e passar por um processo de modificações no seu espaço, sendo que nem todas as propostas para a cidade foram benéficas e tiveram que manter um pouco de sua cultura como os jornais, seguindo o catolicismo, as suas identidades e as atividades cotidianas. Como destaca a citação abaixo:

No desejo de Caicó ser moderna a realmente ser moderna, era necessário que a cidade passasse por algumas fases, adquirindo um ritmo de aceleração urbana desenfreada e rompendo com quase tudo aquilo que aludia ao passado. Todo fenômeno que se apresentasse como moderno partia de uma referência negativa aquilo que existia preteritamente e que, a partir da consolidação do novo, se transformaria no antigo ou no tradicional (MORAIS; DANTAS, 2014, p. 38).

Outro autor que traz o discurso de modernidade para o Seridó e a cidade do Caicó foi José Augusto Bezerra de Medeiros nasce em 22 de setembro de 1884 e morre em 18 de maio de 1971, graduou-se em direito pela faculdade de direito do Recife, ocupando no estado vários cargos públicos como: procurador da república e juiz de direito da comarca de Caicó. Também foi político entre os anos de 1913 a 1923 como deputado federal, e de 1924 a 1927

como governador e como senador de 1928 a 1930, depois ganhou mais quatro mandatos para deputado federal.

Seu trabalho de maior destaque foi Seridó (1954), apresentando um discurso baseado no passado para se resolver os problemas presente a partir dos elementos como a terra, a natureza e suas configurações e o povo que habita neste espaço. Sendo este político, professor, escritor, jornalista e advogado. Sua obra discute sobre a seca, o gado e o algodão, trazendo explicações históricas, econômicas e políticas sobre o Seridó. Para José Augusto só resolvendo o problema da seca o Seridó avançaria no progresso, mas Seridó como espaço do sertão não comportaria o avanço científico, ou seja, não tem possibilidade de vida. A natureza é rústica, era a morte abordando o discurso da necessidade. Então o homem e a natureza estão em constante combate, o homem torna-se forte para poder resistir à sólida natureza. Para este o Seridó só teria progresso se seguisse a relação abaixo:

[...] o Seridó precisa, para ter assegurado o seu futuro de bem-estar e prosperidade de uma ampla política que abranja, além de uma obra educacional e sanitária, que dê às suas gerações novo vigor físico, mental e moral cada vez maior, os seguintes pontos essenciais: a) Defesa permanente de sua classe de algodão de fibra nobre;

b) Emprêgo generalizado da maquina e dos modernos processos culturais no trato das suas lavouras;

c) Construção de açudes de todos os tipos, para armazenar a água que cai dos céus nas épocas das chuvas torrenciais, e que falta nos períodos das longas e constantes estiagens;

d) Canais de irrigação para utilizar essas águas, levando-as a assegurar a produtividade constante das fertilíssimas terras que são as daquela região;

e) Conclusão da Estrada de Ferro Central do Rio Grande do Norte, que precisa levar os seus trilhos [...] até as plagas seridoenses;

f) Pesquisas sistematizadas dos recursos minerais da região e industrialização local dos que forem suscetíveis dessa industrialização; e

g) Desenvolvimento do credito agro-pecuário para auxiliar a iniciativa particular a vence as constantes crises determinadas pela ausência de produção regional nos períodos de longas estiagens (AUGUSTO, 1954, p. 87-88).

José Augusto enfoca que além de obras educacionais e higienistas, o trabalho com o algodão, as construções de açudes e estradas, ou seja, uma modernização no setor industrial do Seridó seriam os elementos necessários para se dá o processo de modernização eficaz do espaço. Desse modo, as contribuições de Manoel Dantas e José Augusto foram expostas para

os sertanejos tanto através dos jornais como pelas políticas públicas desenvolvidas no espaço do sertão do Seridó.

O ambiente que anteriormente era rural passa a ser urbano e as cidades passam a ser habitadas tanto em virtudes da busca pela mudança, mas principalmente pelas secas que causavam muita miséria no interior do estado, fazendo com que as cidades ficassem superlotadas e sem medidas para solução dos problemas.

Em uma vertente diferente deste sistema idealizado da modernidade para a região do Seridó, vemos o contraponto das secas que mudaram drasticamente o cenário. Principalmente entre os anos de 1930-1933, como bem nos mostra Andrade (2007) e na busca frenética pela modernização deste espaço, atraíram milhares de andarilhos que fugiam da seca para a zona urbana, então a partir desta mudança no cenário, além dos flagelos, houve as intervenções técnicas e a desordem no espaço citadino.

A partir do ano de 1932 a situação da cidade de Caicó se complicou devido à falta de recursos do município para suprir a carência da população mais pobre e dos forasteiros que chegaram à cidade devido à intensificação da seca, estes buscavam por emprego, comida e água, como também esse período necessitou de uma intervenção do Estado para evitar a desordem, mas esse cenário não aconteceu somente em Caicó como em outras partes da região. Os retirantes foram um dos principais entraves à modernização nos estados nordestinos e nas cidades fazendo com que eles fossem realocados para trabalhos longe dos centros urbanos. Um exemplo seria a construção do açude Itans em Caicó, uma obra para conter os efeitos da seca e para empregar os desabrigados, como vemos a seguir:

A aglomeração humana em Caicó causava uma desestabilização no que diz respeito ao controle e à organização dos espaços públicos. O caos imperava na cidade. A construção do Açude Itans terminou por piorar a situação caótica, com a presença de muitos flagelados em busca de trabalho. O início da convocação de pessoas para trabalhar nas obras trouxe muita gente à cidade. A população de operários contou no total com quase cinco mil pessoas, morando em barracos ao redor da construção e vivendo da comida comprada nos barracões instalados perto da sede do açude. O intuito do governo era que o trabalho servisse como um antidoto à criminalidade (ANDRADE, 2007, p. 102).

Em contrapartida: “A técnica e o progresso adentravam no sertão por meio da construção de açudes e estradas. Essa política de ajuda aos flagelados da seca, em grande medida, fomentou o alargamento dessas obras pelo sertão” (ANDRADE, 2007, p. 104). Por isso ao mesmo tempo em que havia o caos devido à seca, as medidas propostas eram para

modernizar o espaço e fixar os andarilhos e para que eles pudessem ter trabalho para que não dependesse somente das ações públicas. Com as obras os números de pessoas em Caicó aumentaram, mas houve também o aumento da pobreza, pois muitos ficaram sem renda os trabalhos não abarcava a quantidade demasiada de pessoas. Não somente na cidade de Caicó, mas nos grandes centros, como também em outras cidades inclusive nas estradas nas épocas de seca os andarilhos apareciam em busca de melhores condições, pois as secas era um problema na região seridoense, mas que afetava mais algumas localidades, inclusive em algumas épocas eram doadas passagens para essas pessoas se deslocarem a outros locais, para aqueles que causavam desordem no espaço, como furtos eram julgados de acordo com a legislação moderna, uma época marcada pela fome, doenças e morte.

Então o saneamento básico, a criação de postos de trabalhos, a procura para solucionar o problema das secas e a instrução pública, foram elementos definidores do espaço do Seridó, medidas estas que em alguns casos não foram benéficas. Então, a modernização abre um ciclo que ainda não se fechou, pois ela traz mudanças, mas também consequências é o que veremos em Oswaldo Lamartine em seu discurso sobre o Seridó e a modernidade.

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