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"O sertão de nunca mais": natureza e modernidade em Oswaldo Lamartine de Faria (1960-1980)

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DEPARTAMENTO DE HISTÓRIA – DHC ESPECIALIZAÇÃO EM HISTÓRIA DOS SERTÕES

NATÁLIA RAIANE DE PAIVA ARAÚJO

“O SERTÃO DE NUNCA MAIS”:

NATUREZA E MODERNIDADE EM OSWALDO LAMARTINE DE FARIA (1960-1980)

CAICÓ-RN 2018

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“O SERTÃO DE NUNCA MAIS”:

NATUREZA E MODERNIDADE EM OSWALDO LAMARTINE DE FARIA (1960-1980)

Monografia apresentada ao Departamento do Curso de História da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), Centro de Ensino Superior do Seridó, como requisito parcial à obtenção do título de Especialista em História dos Sertões.

Orientador: Dr. Evandro dos Santos.

CAICÓ-RN 2018

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“O SERTÃO DE NUNCA MAIS”:

NATUREZA E MODERNIDADE EM OSWALDO LAMARTINE DE FARIA (1960-1980)

Monografia aprovada como requisito parcial à obtenção do título de Especialista em História dos Sertões, pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte, por uma comissão examinadora formada pelos seguintes professores:

______________________________________________ Prof. Dr. Evandro dos Santos – DHC

(Orientador)

______________________________________________ Prof. Dr. Helder Alexandre Medeiros de Macedo – DHC

(Examinador)

______________________________________________ Prof.ª Drª. Juciene Batista Felix Andrade – DHC

(Examinadora)

CAICÓ-RN 2018

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Nesta caminhada curta e ao mesmo tempo longa, deixo meus agradecimentos a toda comunidade acadêmica, ao CERES-UFRN e aos professores que contribuíram para o desenvolvimento deste grandioso trabalho que só me fez crescer intelectualmente e que aumentou o meu amor ao sertão do Seridó e principalmente ao meu objeto de estudo, Oswaldo Lamartine de Faria e suas obras.

Agradeço também ao meu orientador Evandro Santos, um dos grandes responsáveis pelo desenvolvimento do trabalho, e aos membros da banca Helder Macedo e Juciene Andrade por aceitarem o convite e fazerem parte deste momento em minha vida. Por fim agradeço a Deus, a todos os familiares, amigos e colegas de turma, pois sempre estiveram presente nas ansiedades.

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Oswaldo Lamartine de Faria. Analisamos suas obras entrelaçada a sua vida, destacando os aspectos culturais e memorialísticos. Desse modo, dividindo o trabalho em duas partes, a primeira analisando o sertão e natureza, mostrando a construção do cenário do sertão de acordo com sua paisagem fazendo uma ponte com a visão de Oswaldo Lamartine sobre a formação deste espaço e sua contribuição para o mesmo. No segundo momento analisamos o sertão e modernidade, relatando a transformação dos espaços em modernos e a chegada da modernidade nos sertões, trazendo a crítica de Oswaldo Lamartine a esse novo tempo presente nos sertões do Seridó.

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Lamartine de Faria. We analyze his works intertwined with his life, highlighting the cultural and memorialistic aspects. Thus dividing the work into two parts, the first analyzing the backlands and nature, showing the construction of the backcountry scenery according to its landscape bridging the vision of Oswaldo Lamartine on the formation of this space and its contribution to it. In the second moment we analyze the sertão and modernity, reporting the transformation of the spaces into modern and the arrival of modernity in the backlands, bringing the criticism of Oswaldo Lamartine to this new time present in the backlands of Seridó.

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Figura 2: Oswaldo Lamartine e seu cachorro Parrudo na fazenda Acauã/RN - 1998 ... 51 Figura 3: Situação da fauna cinegética do Seridó, por município, em 1959 ... 54 Figura 4: Número de abelhas silvestres presente no Seridó em 1963 ... 55 Figura 5: Açudes públicos construídos pelo DNOCS na região do Seridó – RN até dez/1972 ... 63 Figura 6: Açudes construídos em cooperação com o DNOCS na região do Seridó – RN até dez/1972... 64

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2. PARTE I: SERTÃO E NATUREZA ... 15

2.1 O Sertão em Oswaldo Lamartine de Faria... 21

2.2 Os influenciadores de Oswaldo Lamartine de Faria ... 26

2.3 Oswaldo Lamartine e Câmara Cascudo... 29

2.4 A geografia imagética nos discursos de Oswaldo Lamartine de Faria ... 32

3. PARTE II: SERTÃO E MODERNIDADE ... 39

3.1 Urbanidade como espaço moldado pela modernidade ... 41

3.2 A crítica à modernidade em Oswaldo Lamartine de Faria ... 48

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS ... 66

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1. INTRODUÇÃO

Este trabalho monográfico apresenta uma análise sobre a vida e obra de Oswaldo Lamartine de Faria, propondo assim uma abordagem historiográfica acerca dos aspectos memorialísticos e culturais, tendo como objetivo a análise sobre natureza e modernidade na região do Seridó potiguar1.

Algumas das obras escritas por Oswaldo Lamartine e usadas neste trabalho foram: Caça nos Sertões do Seridó, publicado em 1961 pelo Serviço de Informação Agrícola; O ABC da Pescaria de Açudes no Seridó, publicado pelo Instituto Joaquim Nabuco de Pesquisas Sociais no ano de 1961; Algumas Abelhas dos Sertões do Seridó, publicado pelo Instituto de Antropologia da UFRN em 1964; Conservação de alimentos nos Sertões do Seridó, publicado pelo Instituto Joaquim Nabuco de Pesquisas Sociais em 1965; e por fim Açudes dos Sertões do Seridó, publicado em 1978, pela Coleção Mossoroense e, posteriormente, pela Fundação José Augusto. O conjunto destas obras foi republicado na obra Sertões do Seridó em 1980 pela gráfica do Senado Federal em Brasília; DE Cascudo PARA Oswaldo, publicado pelo Sebo Vermelho em 2005, apresentam a sensibilidade do autor ao relembrar de momentos vividos nos sertões, fazendo parte de sua escrita as lembranças e pesquisas sobre os temas, afirmando seu estilo de escrita, pois faz uma seleção de perguntas e argumentos para o desenvolvimento de sua análise.

Utilizamos destas obras como literatura a partir do que discute Nicolau Sevcenko em Literatura como Missão (1995) este autor define a trajetória da construção da literatura como fonte no Brasil, senda esta um produto artístico, mostrando ao historiador que existem muitas possibilidades nas histórias que não ocorreram. E a obra de Carla Pinsky e Tania Luca em O historiador e suas fontes (2009) que mostram a literatura como fonte para a construção de pesquisas, nesta última obra usamos do capítulo que trata sobre literatura A fonte fecunda escrita por Antonio Celso Ferreira, colocada pelo autor como sendo textos, discursos e linguagens que representam o passado ou presente, sendo marcada por ter sua forma de expressão própria, transpondo a partir da ficção as complexidades das sociedades de acordo com o seu tempo. Este trabalho também aborda uma história do discurso, pois trata-se da

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Estamos considerando, para fins deste trabalho, o Seridó historicamente construído, categoria problematizada por Ione Rodrigues Diniz Morais e que se refere a um território formado, hoje, por 23 municípios do Rio Grande do Norte que, direta ou indiretamente, se desmembraram de Caicó, o município mais antigo da região, criado oficialmente em 1788 e “cuja delimitação se sobrepôs à circunscrição da Freguesia da Gloriosa Senhora Sant‟Anna do Seridó” (MORAIS, 2005, p. 26).

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análise dos discursos na construção da pesquisa, assim como apresenta José D‟Assunção Barros em O projeto de pesquisa em História (2012).

As histórias são contadas em suas obras através de relatos vividos pelo sertanejo e através das reminiscências do próprio autor. Na monografia de Alex de Assis Batista – A memória, a história e a tradição em Oswaldo Lamartine de Faria e Paulo Bezerra (2017), quando discute memória o autor mostra que essa discussão esta ligada as experiências íntimas de cada indivíduo, ou seja, são os sentimentos carregados de cada autor do passado para o presente através de suas vivências, no caso dos autores estudados passam as suas ligações através de suas escritas. Este também discute sobre tradição e modernidade elementos que fazem parte do discurso de Oswaldo Lamartine, mostrando assim a relação das tradições e identidades criadas pelo autor quando presente nos sertões, mas que se perderam devido à introdução dos elementos da modernidade que causaram uma ruptura nas tradições, as moldando segundo os novos símbolos e representações da modernidade.

Os relatos perpassam o meio em que vivem os sertanejos, a forma de dominação da natureza e o que dela podem extrair: a cultura, as crendices, a religiosidade, a colheita, são indícios do que encontramos nas obras em estudo. Por isso, a relação entre natureza e cultura se entrelaça em seus aspectos, pois uma esta associada à outra. Quando o autor escreve ele torna a natureza o seu ambiente cultural, pois o homem tira da natureza os elementos necessários para a formação do espaço de identidade e dominação do seu meio.

Os sentimentos de dor, saudade, amor estão subjetivamente entrelaçados aos escritos de Oswaldo Lamartine, pois existem laços que o une ao meio, que vai desde contato com a natureza até as raízes mais profundas que é a sua genealogia, por isso sua tentativa de reviver aquele espaço através de sua escrita e sua crítica à modernidade no sentido de que fossem preservadas as tradições por ele vivenciadas. São suas emoções expressas em palavras, são esses sentimentos mostrados ao longo da pesquisa, mas que não adentramos, pois caminharia para outros temas.

Diante desta discussão entre história, natureza e o homem utilizamos de Simon Schama. Em Paisagem e Memória (1996), o autor vai discutir sobre as relações de afetividade entre o espaço da natureza e o homem colocando em destaque sua própria experiência com o rio Tâmisa, destacando o vínculo ao local e a construção da sua identidade e cultura, enfocando também a introdução da modernidade no espaço natural conjuntamente com o homem que estão utilizando todos os recursos naturais e extinguindo a fauna e a flora do mundo.

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É a partir de suas próprias lembranças que Oswaldo Lamartine transmite o seu olhar para o Seridó, lembranças essas de momentos vividos a cada dia. Ao escrever sobre seu mundo, relatou que, quando mais moço, não percebeu a importância do viver sertanejo, adotando como estilo para sua escrita o seu próprio íntimo. Em seus relatos, Oswaldo Lamartine nos remete a um lugar, no caso o Seridó, delimitando geograficamente e historicamente, fazendo não só uma revelação do espaço etnograficamente2, como também imageticamente, subjetivando que este é seu “lugar de memória” e afetividade. Suas práticas cotidianas rurais revelam maneiras de dizer e fazer o Seridó e o sertanejo em suas lembranças.

Araújo, em Pelas memórias de Oswaldo Lamartine: artes de fazer nos “Sertões do Seridó” (2013), mostra as práticas cotidianas rurais dos sertanejos descritas por Oswaldo Lamartine em sua obra Sertões do Seridó, as práticas da caça, da pesca e a conservação dos alimentos, estão relacionadas às memórias do autor e a cultura presente nos sertões, relacionado ao modo como o sertanejo domina e se mantém diante da natureza.

Utilizamos para discussão sobre memória, de Jacques Le Goff, em História e Memória (1994) que nos apresenta uma discussão sobre história, memória e modernidade. A memória então está vinculada ao desejo, às experiências de infância, moldando e refletindo no indivíduo aquilo que marcou sua história, desse modo também apresentando a construção da modernidade desde Antiguidade até os tempos mais contemporâneos nas diferentes culturas presentes no mundo; Utilizamos também de Pierre Nora Entre memória e história: a problemática dos lugares (1993) que traz a discussão sobre os lugares de memória construídos para que não se perca as lembranças presas aos locais ou objetos.

Este trabalho tem como justificativa a importância do autor na construção da imagem do Seridó como espaço de identidade e afetividade entre o autor e os leitores, como também a crítica do autor a modernidade que traz para o sertão a perda de seu espaço nostálgico, sendo assim o autor escreve para que não se perca os costumes presentes no sertão. Essa identidade é marcada pela interação com o meio ambiente e a partir dessa relação com o meio e suas mudanças, nasce a crítica de Oswaldo Lamartine a mudança significativa que acontece no decorrer do tempo, por isso se posiciona contra a modernidade e seus aspectos que trouxeram para o sertão uma mudança de espaço que agora passa a ser mais urbano e menos rural e consequentemente a degradação da fauna e flora sertaneja. A partir deste posicionamento de

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Etnografia é o estudo descritivo da cultura dos povos, sua língua, hábitos, entre outros, como também das manifestações materiais de suas atividades. Disponível em: <https://www.significados.com.br/etnografia/>. Acesso em: 15/01/2018.

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Oswaldo Lamartine sobre os sertões do Seridó nos colocamos como observadores de suas analises sobre este espaço.

Como sertaneja seridoense, esse trabalho também se justifica pelo meu percurso acadêmico iniciado no ano de 2010 quando ingressei na Universidade Federal do Rio Grande do Norte, no curso de História-Bacharelado ao qual no meu trabalho de conclusão de curso utilizei da obra Sertão do Seridó de Oswaldo Lamartine como já destacada anteriormente. Ingressei novamente em 2016 na UFRN no curso de História Licenciatura, e no ano de 2017 veio à especialização em História dos Sertões a qual continuei com o mesmo objeto de estudo, mas em perspectivas diferentes.

Deste modo, problematizamos a vida do autor entrelaçada a sua escrita; fazendo uma análise da construção do espaço do Seridó em seus escritos a partir da utilização da paisagem e do homem sertanejo; a crítica à modernidade que o autor apresenta em suas obras, pois modernidade presente no sertão segundo Oswaldo Lamartine está degradando a fauna e flora da natureza e fazendo com que o sertanejo perca um pouco dos seus costumes.

O material para concretização da pesquisa bibliográfica deu-se a partir da leitura dos livros de Oswaldo Lamartine, monografias, dissertações de mestrado e pesquisas em sites que tratassem da temática em estudo. Além destes materiais e das pesquisas em seus próprios livros, utilizamos os escritos de seu pai, Juvenal Lamartine de Faria, com a obra Velhos Costumes do meu sertão (1965) que relata a vida do sertanejo, as suas ações e gestos que mostram o cotidiano deste em meio a natureza.

Fizemos uso de obras historiográficas mais recentes com os trabalhos de Natércia Campos – Alpendres d’Acauã, Conversa com Oswaldo Lamartine de Faria (2001) em que a autora organiza uma entrevista com Oswaldo Lamartine sobre sua vida detalhando vários momentos vivenciados na cidade e no sertão como também seu convívio com amigos e familiares; sobre suas obras vemos uma discussão do processo de escrita de alguma delas, seus influenciadores e as memórias que deram formação as suas narrativas.

Olivia Morais de Medeiros Neta – Ser(Tão) Seridó em suas Cartografias Espaciais (2007) relata a narração que constituiu o Seridó, principalmente imagética, através da análise de alguns autores da historiografia seridoense, são eles: José Augusto, Manoel Dantas, Juvenal Lamartine e Oswaldo Lamartine. A autora traz uma discursão sobre os espaços do eu, do sertão e de luta, delineando assim a geografia espacial do Seridó a partir das narrativas apresentadas pelos autores.

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Marize Lima de Castro – Areia sob os pés da alma: uma leitura da vida e obra de Oswaldo Lamartine de Faria (2015) a autora retrata toda a vida do autor desde sua infância até seus últimos dias entrelaçado a sua obra. A análise da autora mostra como foi à infância a adolescência, juventude e velhice de Oswaldo Lamartine, o processo de desenvolvimento de suas narrativas e os percalços ocorridos nessa transação.

Daniel de Hollanda Cavalcanti Piñeiro – Multiplicando Veredas entre Guimarães Rosa e Oswaldo Lamartine (2014) faz um estudo de comparação entre os dois autores e uma análise específica da obra Sertões do Seridó de Oswaldo Lamartine. Trazendo uma discussão sobre a tipologia da narrativa como também trazendo uma nova perspectiva a cerca da obra de Oswaldo Lamartine, mostrando a relação entre o autor e cada discurso analisado da obra.

Regina Horta Duarte em História e Natureza (2005) traz uma análise sobre história ambiental. Utilizamos deste domínio para a definição dos discursos apresentados sobre natureza no espaço do sertão, apresentando assim os elementos caracterizadores do local na produção da sua cultura, construindo uma imagem da geografia/história ambiental.

Fizemos uso das obras de Paul Ricoeur A memória, a história, o esquecimento (2007); Reinhart Koselleck Estratos do tempo: estudos sobre história (2014), estes dois autores discutem sobre modernidade, relatando as trajetórias de mudanças no tempo e no espaço com as intervenções humanas da modernização e as consequências para a natureza e para o próprio homem diante deste fato.

Desse modo, este trabalho se mostra diferenciado no sentido de que os autores anteriormente descritos trabalham com Oswaldo Lamartine em perspectivas diferentes da abordada nesta pesquisa, pois principalmente a modernidade como tema aparece em algumas obras, mas sem um enfoque profundo; juntamente com a natureza que é mais exposta, mas não analisada como apresentamos nesta pesquisa.

A partir deste material compulsado, elaboramos dois eixos visando à construção de um enredo sobre a contraposição entre natureza e modernidade presente no espaço do sertão.

Parte I – Sertão e Natureza. Fizemos uma discussão sobre o conceito de sertão e seus aspectos, relacionando natureza, homem sertanejo, literatura entre outros como elementos construtores do espaço do sertão e suas narrativas. Conjuntamente com a análise sobre o sertão de Oswaldo Lamartine, que traz a sua vida, suas obras e as influências que esse autor teve ao escrever sobre o sertão do Seridó.

Parte II – Sertão e Modernidade. Elencando os aspectos que moldaram o espaço antes rural em sua essência para um espaço urbano e as alterações que ocorreram na natureza,

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mudando a relação do homem com o meio. Trazendo também a crítica à modernidade presente nas narrativas de Oswaldo Lamartine, onde ele destaca a destruição da fauna e flora sertanejas e as mudanças ocorridas no viver sertanejo, pois deseja que o espaço continue como suas lembranças o trazem a memória.

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2. PARTE I: SERTÃO E NATUREZA

Um dos conceitos da palavra sertão é que esta foi utilizada para definir o espaço que não era habitado, de difícil acesso ou local longe do litoral. Existem também outras diferentes terminologias das quais tem origem a palavra sertão como conhecemos hoje, como por exemplo, mulcetão e certão. “Uma palavra não é apenas aquilo que ela representa, e que ela não cobre a representação de todos os fatos que a envolvem entre “as realidades” e a expressão” (FERREIRA, 2004, p. 34). Podemos então perceber que a expressão de uma palavra vai além do seu significado, nela pode conter uma realidade diferente do que encontramos no dicionário, por exemplo, ou mesmo para a compreensão do outro em relação à palavra dita, pois vemos que há uma diversidade de sertões baseadas na realidade vivida de cada comunidade.

No Brasil, a palavra sertão também foi inserida no vocabulário local desde a colonização pelos portugueses, que posteriormente veio a caracterizar os interiores dos locais longe do litoral. “Se lhes fazia haver nos sertões da América minas de ouro, prata e pedras preciosas” (AMADO, 1995, p. 147). Local onde não havia civilidade, religião ou cultura. O sertão então se constitui um lugar de alteridade, sempre dependendo do lugar de quem falava, pois para o colonizador o Brasil inteiro poderia ser o sertão, enquanto no Rio de Janeiro o sertão começava depois da cidade.

A literatura popular ou regionalista é responsável pela difusão do espaço sertão como narrativa e posteriormente pode ser encontrada em cinemas, pinturas, músicas e vários outros meios de comunicação que começaram a evocar o sertão. Podemos perceber nas obras de Euclides da Cunha e Capistrano de Abreu que mesmo sendo sertanejo, ou seja, pertencentes ao local de onde se fala, eles escrevem sobre o sertão, e suas obras são bem difundidas no país para a construção de uma identidade da região norte e do sertanejo, contribuindo para a formação da história da nação brasileira.

Capistrano de Abreu (1853-1927), a partir do ano de 1870 começa a discutir com outros intelectuais brasileiros sobre a construção da história brasileira. Morava em Fortaleza filho de proprietários rurais. Não era um bom aluno, mas aos vinte anos já era bem erudito, gostava de debates e sempre se reunia com intelectuais para discutirem sobre os assuntos mais variados, mas o tema que mais o chamava atenção era a identidade, tinha acesso às produções da Europa e da corte. Capistrano de Abreu é considerado o maior historiador de seu tempo, construindo uma imagem de si próprio e para a nação, como vemos no trecho abaixo:

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Há na historiografia capistraneana uma série de permanências, transformações e abandono de conceitos com os quais o historiador se autoconstruiu. Seus trabalhos de maior peso se deram após sua partida para o Rio de Janeiro em 1875, principalmente após travar contato com a volumosa documentação histórica encontrada na Biblioteca Nacional (SOUSA, 2015, p. 160).

Vemos em Capistrano de Abreu a partir de seus primeiros escritos e ao longo de suas publicações uma construção ideológica sobre o homem brasileiro e seu caráter nacional. Apesar de querer escrever uma história completa desde os primórdios sobre o Brasil “o historiador cearense produziu muito, porém de maneira bastante dispersa entre prefácios, capítulos, artigos e estudos etnográficos e linguísticos” (SOUSA, 2015, p. 161). Uma dificuldade encontrada em seu caminho foi o cientificismo oitocentista que não acreditava numa nação civilizada nos trópicos. A seguir vemos as modificações que houve no decorrer do tempo para que houvesse uma afirmação do ideário brasileiro.

Para Capistrano, havia no brasileiro do período colonial um sentimento de inferioridade frente a Portugal, porém esse sentimento iria sendo pouco a pouco superado e, como indício dessa superação – adaptando a proposta de Hippolyte Taine –, o autor destacava os contos sertanejos que satirizavam o colonizador. O romantismo como movimento literário também fazia parte do elenco, ao afirmar-se o indianismo romântico como indício de superação do sentimento de inferioridade na valorização do nativo. A independência da metrópole portuguesa seria, portanto, o fim de um processo que começava a perceber-se nos contos, na música e finalmente na literatura nacional (SOUSA, 2015, p. 163).

Na citação acima, podemos perceber como o indígena, a música e a literatura fazem parte do processo de escritura e simbolismo sendo utilizado para se construir o elemento de identificação do Brasil como nação, o sentimento de amor à pátria e civilização do espaço a partir da independência do Brasil perante Portugal. Capistrano de Abreu faz um estudo etnográfico, antropológico e geográfico sobre o espaço, mostrando a relação de dominação do homem diante da natureza de forma que modifica esse espaço para civiliza-lo, a partir da ocupação dos sertões.

A obra Capítulos de História Colonial faz um relato da história colonial dos anos de 1500 a 1800. Tem um capítulo completo onde o autor escreve sobre o sertão, local que para ele contrasta com o litoral. A povoação do sertão seria feita por vários outros vieses não somente pelo litoral. “A mera penetração no vasto sertão colonial não consistia nascedouro da

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nação. As fronteiras culturais, as trocas, o armazenamento e a transmissão dos saberes para as gerações subsequentes, essas constituiriam a formação de um caráter nacional” (SOUSA, 2015, p. 169). Sendo a partir da fixação dos bandeirantes no norte, é que passa a se formar uma nacionalidade brasileira, para falar da população ele começa descrevendo a vida do indígena. A ocupação e o desenvolvimento do sertão se da pelo gado, como também com as trocas culturais, a nação começa a nascer. A seguir Capistrano de Abreu nos diz:

Os primeiros ocupadores do sertão passaram vida bem apertada; não eram os donos das sesmarias, mas escravos ou prepostos. Carne e leite havia em abundância, mas isto apenas. A farinha, único alimento em que o povo tem confiança, faltou-lhes a principio por julgarem imprópria a terra à plantação da mandioca, não por defeito do solo, pela falta de chuva durante a maior parte do ano. O milho, a não ser verde, afugentava pelo penoso do preparo naqueles distritos estranhos ao uso do monjolo. As frutas mais silvestres, as qualidades de mel menos saborosas eram devoradas com avidez. Pode-se apanhar muitos fatos da vida daqueles sertanejos dizendo que atravessam a época do couro. De couro era a porta das cabanas, o rude leito aplicado ao chão duro, e mais tarde a cama para os partos; de couro todas as cordas, a borracha para carregar água, o mocó ou alforje para levar comida, a maca para guardar roupa, a mochila para milhar cavalo, a peia para prendê-lo em viagem, as bainhas de faca, as broacas e surrões, a roupa de entrar no mato, os banguês para curtume ou para apurar sal; para os açudes, o material de aterro era levado em couros puxados por juntas de bois que calcavam a terra com seu peso; em couro pisava-se tabaco para o nariz (ABREU, 2000, p. 153).

Podemos perceber então uma descrição de vida do sertanejo, da sua alimentação e a forma como utilizava alguns elementos para as práticas cotidianas de seu dia a dia, a eximia participação da pecuária no âmbito econômico, social e cultural do sertanejo, pois o gado traz nos seus rastros o povoamento do sertão, sendo utilizado como fonte de subsistência e fonte de renda, proporcionando ao sertanejo uma variedade de funções para a sua sobrevivência nesse espaço.

Euclides da Cunha em sua obra Os Sertões, publicado primeiramente em 1902, narra a história de Canudos. Mostra-se distante do seu objeto tanto no tempo como no espaço, narrando os fatos épicos dessa história como também a crueldade presente nessa guerra no sertão baiano. Mostrando a ambiguidade entre sociedade e natureza, fazendo uso de patologias entre Moreira César e Antônio Conselheiro. Nesse momento a nação estava com um problema e a proposta de solução deste não foi a melhor forma para resolvê-lo. O naturalismo como discurso da ciência e ação política e social. O sertanejo no seu olhar estava sendo colocado em extinção devido o avanço da civilização, por isso sua obra se lança para o

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futuro na tentativa de não esquecer o sertanejo, sendo colocado por este como uma sub-raça, mas que se torna útil para a construção da nação.

Nicolazzi (2014) faz uma análise da obra de Euclides da Cunha, mostrando a caatinga como cenário de sua obra elencando esta como parte de um discurso naturalista e representativo da paisagem sertaneja e de dominação do homem ao qual vive neste espaço. Ao abordar a alteridade presente na obra, trata-se da linguagem apresentada da fala do sertanejo, ou seja, uma narrativa sobre o discurso da voz do outro e que ao mesmo tempo é um elemento de distanciamento e emudecimento quando descrito pelo outro. Cunha então tenta construir uma narrativa no tempo, pois é partir disso que ele constrói a alteridade sobre o sertão como espaço de criação da nação, mesmo que sendo um local onde não houvesse civilidade.

A natureza molda o homem, sendo assim o sertanejo passa a ser o elemento fundamental e definitivo para a nação. O naturalismo se relaciona ao distanciamento da realidade apresentada. Descrição da paisagem natural, uma escrita poética e cientificista. Linguagem dos sertanejos, símbolo de não pertencimento de Cunha, a alteridade se faz presente nesse discurso, o sertanejo aparece mudo e distante. Usa da geologia em sua obra para compreender o tempo em sua narração.

O uso da relação entre natureza e cultura pode ser bem vista nos discursos acima sobre Capistrano de Abreu e Euclides da Cunha, como também o homem o qual domina este espaço. Nesse sentido vemos um sertão construído a partir de uma ligação com o meio em que vive, fazendo-se assim uma invenção ou projeção da natureza como elemento principal desse espaço. O homem sertanejo passa a ser caracterizado de acordo com o meio, por isso nas literaturas pode ser tido como forte, no sentido de dominação deste espaço mesmo ele sendo de difícil domínio ou vivência.

Podemos perceber que os elementos que compõem a paisagem é o que categorizam o espaço, sendo assim o sertão pode ser descrito por dois vieses, primeiramente ligado ao clima semiárido; e segundo ligado a atividades econômicas como por exemplo a pecuária. O sertão esta atrelado a sua paisagem como forma de torna-lo visível pelo outro.

Identificam-se no século XIX, dois sentidos de sertão, ambos ainda presentes na historiografia e na literatura: um associado a ideia de semiárido; outro, priorizando atividades econômicas e padrões de sociabilidade, articulado à pecuária. Dentre muitos exemplos da primeira ideia, uma síntese descritiva do pensamento social brasileiro caracteriza o sertão como “lugar de reprodução de uma ordem social específica”, somente entendido “enquanto

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habitat social, na relação estreita entre natureza e sociedade”. E suas

“condições históricas” seriam “pensadas como determinações que fazem obrigatória a descrição do geografia indissociada daquela do sertão-sociedade” (NEVES, 2003, p. 155-156).

A história escrita sobre o sertão desde tempo da colonização mostra um sertão natureza, árido e seco. Um espaço inabitado, onde não existem regras ou civilização, um espaço simbólico. Mas a cultura encontrada nos sertões apresentada pelos meios de comunicação e literatura, mostra-se uma sociedade cultural, exaltando os costumes entrelaçado ou meio ambiente.

Sendo assim as representações que são feitas sobre a história dos sertões podem ser lidas através do cinema, como por exemplo, com o filme Deus e o Diabo na Terra do Sol produzido por Glauber Rocha, lançado em 10 de julho de 1964, que mostra principalmente a religiosidade presente no meio sertanejo, que sofre e só tem a Deus para conceder os milagres necessários para que não passem fome devido às secas e a difícil realidade encarada quando se trata do coronelismo existente no país e o desenvolvimento do espaço onde a natureza castiga.

Pereira em O sertão dilacerado: outras histórias de deus e o diabo na terra do sol (2008) nos diz que o cineasta Glauber Rocha, ao escrever a sua narrativa sobre o filme traz elementos constituintes da identidade brasileira, utilizando da paisagem, do cangaço e da religiosidade para a construção do espaço do sertão, evocando no filme sua própria linguagem caracterizada. Propondo assim o cinema como uma nova forma de elemento de difusão de nacionalismo no país, no caso, delineando o espaço do sertão. Teve como influência o cordel para escrever o filme, que se destaca pela variedade de discursos produzidos, usando da dramatização e alegorias para a formação de sua narrativa.

Na música temos Luís Gonzaga e Domiguinhos, principais difusores da música nordestina e sertaneja no país, cantando sobre o sertanejo e seu viver, músicas animadas, denominadas baião depois transformadas em forró, e hoje bastante divulgadas como forma de exaltação da cultura popular nordestina no país inteiro.

No sertão o homem não tem o domínio sobre a natureza em alguns aspectos, portanto ele se adapta a ela, construindo elementos que possam dá suporte as eventualidades da natureza naquele espaço, como por exemplo, a construção de açudes para que nos anos de seca se obtenha água que possa durar até o próximo inverno, água para os homens e para os bichos. Sendo assim, a todo o momento, o homem está sendo submetido à natureza, pois seu solo não dá tudo que planta nem todo bicho pode ser criado naquelas terras.

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O sertão não é, portanto, uma obra da natureza. Não há um espaço peculiar, cuja naturalidade própria, permita uma tipologização consistente da localização sertaneja. Se bem que a prevalência de elementos naturais na composição paisagística apareça, amiúde, como um atributo associado à sua identificação: o sertão como um lugar onde predomina o ritmo dado pela dinâmica da natureza, onde o elemento humano é submetido às forças do mundo natural (MORAES, 2003, p. 01).

O sertão passa a ser um lugar simbólico, onde a determinação do espaço se dá pela condição a ele atribuída, sendo assim, não determina apenas um lugar, mas lugares diferenciados. Um espaço marcado pela sua geografia e a ausência de determinados aspectos sociais e culturais, por isso a dualidade entre sertão e litoral, pois o sertão só existe em contrapondo ao que se entende como espaços litorâneos e habitacionais.

Nos discursos apresentados no começo do texto, um discurso cientificista e artístico mostram bem essa separação entre o espaço definido como sertão e o litoral, enfocando muitas vezes que a civilização se dá a partir da habitação nesses espaços e que aqueles que vivem longe do litoral não podem ser civilizados. Para os europeus podemos constatar que nos trópicos não haveria espaço para a construção de uma nação civilizada e com a construção de discursos para a obtenção do Brasil como espaço de identidade e nacionalidade, o espaço incivilizado passa a ser o sertão.

Esse olhar do outro sobre determinados espaços é o que diz ao outro o que falta para que ele seja ou não civilizado, podemos então, pensar o sertão no espaço e no tempo ao longo dos anos e que até hoje acaba sendo representado como um espaço sem civilização, onde não existe água e as pessoas e os animais morrem a cada momento vítimas da seca e da natureza hostil. O homem também é marcado desta forma o seu corpo passa a ter as características da natureza, pois este é representado de forma dura, rústico e forte para sobreviver no espaço sertanejo. Vemos assim a singularidade nas escritas sobre o sertão natureza e os componentes que dela fazem parte mostrando que a natureza é que molda o espaço e seus elementos, estão homem e natureza entrelaçado.

A diferença paisagística é o que marca o sertão e os seus moradores, ligando a imagem do sertanejo com o espaço natural do sertão. O homem sertanejo é marcado como rústico, incivilizado, o único capaz de dominar a natureza do espaço em que habita, pois sua imagem é caracterizada de acordo com a vivência no sertão. A partir das experiências entre homem e natureza há a composição do espaço e caracterização paisagística, quando se trata do sertão do Seridó. Deste modo para a escriturística do espaço sertanejo seridoense não há

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dissociação entre homem e natureza, este se incorpora a mesma fazendo parte da paisagem, não existindo sertão seridoense sem o sertanejo e sertanejo sem Seridó.

Sendo assim, como na literatura, na música ou no cinema o sertanejo é o elemento primordial para o desenvolvimento e caracterização do sertão, seja o espaço vivido pelo aquele que fala ou distante, apesar disso todos que falam sobre o sertão destacam o homem, pois foi a partir do desbravamento do espaço, da dominação que o sertão ganha sentido, o sertanejo acaba sendo visto como a própria natureza, fomentando sua própria identidade de acordo com o espaço que habita. O sertão passa a ser um espaço idealizado na forma poética (seja ele de sofrimento ou promissão) ou romântica em algumas literaturas, como veremos a seguir com Oswaldo Lamartine falando sobre os sertões do Seridó.

2.1 O sertão em Oswaldo Lamartine de Faria

Lamartine nasceu no ano de 1919 no dia 15 de novembro, na cidade de Natal, local onde seus pais tinham uma casa de fazenda com alpendre. Teve um viver urbano e rural na sua infância, sempre destacando as brincadeiras e viver saudável de sua meninice. Estudou na escola de Lavras/MG uma escola presbiteriana e só para homens. Dos anos de 1941 a 1955, viveu em fazendas desempenhando atividades ligadas a terra.

Vivi um bom pedaço no de vida no asfalto mas sempre me escapulindo para o sertão. Por mais impermeável que a gente seja sempre se lambuza. Mesmo assim sou, pra que negar, um bicho-do-mato. Daí ter ficado assim marginal que nem prostituta que deixou a zona – nem a sociedade a recebeu e nem a zona a quis de volta (CAMPOS, 2001, p. 39).

Oswaldo Lamartine faz uma escrita de si, quando evoca um sertão ao qual teve pequenos contatos ao longo da vida, nasceu na capital, mas sempre traz em seus escritos à idealização de que foi no sertão que nasceu e viveu toda sua infância. O autor mostra que não encontrou seu lugar no mundo, e o seu mundo seria o sertão idealizado de sua infância, como se tivesse sido exilado desse espaço, mesmo vivendo entre outros espaços sente o pertencimento a esse local, espaço da sua saudade.

É essa discussão que Santos (2017) nos traz, o autor mostra que Oswaldo Lamartine trabalha em sua obra com um discurso autobiográfico sendo ele um exilado do seu próprio meio, pois apesar de não ter vivido no sertão e nas outras localidades em que viveu não ter o sentimento de pertencimento poderia então ser tido como um exilado. Em sua obra utiliza da

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oralidade e memória. Faz uma descrição do sertão de fora para dentro, ou seja, como exilado que foi do sertão não pode fazer uma escritura de um local onde já não se tem mais contato, por isso utiliza de sua memória e para preencher os espaços faz uso da cultura e do folclore em suas obras.

O estilo de escrita de Lamartine é calcado na memória e na autobiografia. A despeito de alguns textos mais técnicos, próprios de um estudioso de temas agronômicos, o que sustenta sua curiosidade em escrever é, em grande parte, o interesse por um passado supostamente perdido, seja ele natural ou cultural. A história está, aqui e acolá, mas seus textos desencadeiam forte carga afetiva e descrições imagéticas que parecem guiar o autor e, por conseguinte o leitor a partir de memórias das paisagens dos sertões do Seridó (SANTOS, 2017, p. 98).

A partir de sua rememoração de um passado que Oswaldo Lamartine não quer que se perca, percebemos o saudosismo presente em seus escritos, numa tentativa de tornar o sertão a partir de sua paisagem, o espaço perdido de sua infância, marcado pelo convívio com seus parentes e amigos, criando descrições imagéticas a respeito do lugar, usando do folclore para enfatizar a cultura presente no viver sertanejo.

[...] A forma como o folclore e as chamadas tradições sertanejas são explorados e descritos por Lamartine em suas obras cria o efeito de um passadismo que muitas vezes pode ser lido como puro niilismo. E tal leitura não seria um equívoco. Ademais, creio que a maneira como ele se posicionava dentro de sua narrativa – prática recorrente e marcante – acabava por emprestar certa vivacidade ao passado. Essa característica que (salvo o interesse dos que nascem e vivem nos espaços denominados como sertões) resiste quase que exclusivamente nos discursos políticos locais e nas práticas culturais dos sertanejos, é expandida nas tentativas de preservação cultural e natural em Lamartine. O próprio estilo poético, as diversas citações de trechos de cordéis e expressões populares, o recurso às memórias da infância e o jogo de contrastes entre o passado (natural e autêntico, ainda que histórico) e o presente (artificial e falseado, quase ahistórico) fazem do autor um personagem de sua própria obra, para além da voz de narrador (SANTOS, 2017, p. 104-105).

Sendo assim, Oswaldo Lamartine, utiliza da cultura da oralidade, ou seja, parte dos contos das histórias que são repassadas ao longo do tempo de geração a geração, usando do folclore popular para perpetuar o seu sertão do Seridó, o qual relaciona com seu íntimo e ao ser questionado sobre escrever sua autobiografia em seus livros ele relata:

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VS – Já que não aceita escrever auto-biografia, considera o conjunto de seus livros além de etnográficos também auto-biográficos?

Propositadamente, não. É possível que no relato de um fato, palavra, entre-linha ou até reticência, haja algum esquecido resto de mim (CAMPOS, 2001, p. 78).

Nesta citação o autor é questionado por Vicente Serejo o qual é seu amigo íntimo, destaca então em sua pergunta o fato de Oswaldo Lamartine não querer fazer uma auto-biografia, mas mostra que os livros do mesmo são construídos com base na etnografia e vida do mesmo. Desse modo, Oswaldo Lamartine responde que não é por querer que ele faz essa biografia em seus livros mais que existe um pouco dele em cada espaço mesmo que seja pequeno, um pouco de sua vida esquecida, marcada pela saudade dos tempos passados em que presenciou o cotidiano sertanejo.

O sertão de Oswaldo Lamartine esta perdido nas fazendas onde viveu sua infância, em conversas de alpendres que ouvia de seu pai com amigos, no quintal onde brincava. Toda sua escrita está atrelada a sua experiência e ao seu conhecimento técnico acerca da natureza nos sertões, pois é agrônomo, trabalhou na administração de fazendas, na Colônia Agrícola Nacional do Maranhão e no Núcleo Colonial do Pium/RN, como também em suas obras podemos perceber um estudo antropológico, etnográfico e principalmente sobre a memória na região do Seridó.

Oswaldo Lamartine também foi pracinha de nº 1918, serviu a III Companhia de Metralhadoras do 16º Regimento Infantaria, foi deslocado para guardar o litoral, depois veio a ser cabo e sargento. “Foram os mais saudáveis dias de farda com muita manobra, combate simulado, exercício de tiro e nenhum ferimento à bala. As baixas ao hospital corriam por conta da temida ração-de-guerra e das líricas venéreas, comuns aos exercícios de todas as terras” (CAMPOS, 2001, p. 46). Quando acabou a guerra voltou à fazenda, casou e voltou a morar em Natal. Com o tempo foi para a Fazenda Oratório Macaé no Rio de Janeiro, depois partindo para a Colônia Agrícola Nacional do Maranhão, em Barra da corda nos anos de 1951-52.

Visitou a CANM, no Maranhão onde teve contato com os caboclos Canelas (jês) e Guajajaras (tupis). Nos anos de 1952-54 volta a morar em Natal e trabalha no Núcleo Colonial do Pium. Em 1956 começa a trabalhar no banco do Nordeste, passa um ano em Fortaleza (foi assessor na Direção Geral) depois é transferido para o Rio de Janeiro onde fica até sua aposentadoria em setembro de 1979, aceitou o trabalho por estar casado e ter dois

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filhos na época, desempenhou atividades como publicações e coleta de estatísticas. No Rio de Janeiro comprou um pedaço de terra na cidade de Itaipava, batizando-a de Acauã.

Figura 1: Oswaldo Lamartine e as árvores que plantou.

Fonte: CASTRO, Marize Lima de. Areia sob os pés da alma: uma leitura da vida e obra de Oswaldo

Lamartine. Natal, RN, 2015. p. 70.

Oswaldo Lamartine começa a escrever por volta dos 20 anos e só começa a falar sobre sertão “por conta do convívio com velhos sertanejos, com o meu Velho, e a conversa evocativa dos amigos dele quando o visitavam nos anos de cegueira” (CAMPOS, 2001, p. 32). Em Itaipava plantou árvores em memória de seus amigos e parentes, era uma forma de expressar seu amor pelos entes queridos que faleceram, plantou para seu pai um pé-de-sibipiruna3 e para Zila Mamede um pinus elioti4. Também recebeu esse carinho através de seu amigo Ramiro Monteiro Dantas (1912-1997), que plantou na fazenda Saudade uma algarobeira5 em sua homenagem.

DCL – Vmc. Tem parentesco com alguma xerófila do Seridó?

3

Planta semidecídua e de crescimento rápido. Disponível em:

<https://www.ibflorestas.org.br/component/tags/tag/pe-de-sibipiruna.html>. Acesso em: 15/01/2018. 4

É um tipo de pinheiro. Disponível em: <http://www.odairplantas.com.br/muda/219/pinus-elliottii>. Acesso em: 15/01/2018.

5

É uma espécie de leguminosa arbórea, planta de crescimento rápido e maior desenvolvimento em solos de baixa fertilidade. Disponível em: <https://biomania.com.br/artigo/algarobeira>. Acesso em: 15/01/2018.

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Bem que eu queria. Quem me dera a dureza da aroeira, a floração do pau-d‟arco, a sombra da oiticica, o cheiro do cumaru – isso para não falar nos espinhentos. Me bastava ser talvez uma imburana. É uma Burserácea ainda encontrada na caatinga. Multiplica-se facilmente por estaquia e tem madeira fácil de ser trabalhada – dai ser estimada pelos imaginários e jandaíras (CAMPOS, 2001, p. 13).

Esta pergunta feita por Diógenes da Cunha Lima a Oswaldo Lamartine mostra um homem que ama a natureza, que estudou sobre ela quando fez agronomia e também trabalhou com propriedades de terras. Em seus escritos podemos ver uma descrição das plantas encontradas na região do Seridó, ele as enumeras e coloca seu nome científico, mostrando a diferenciação da linguística sertaneja, sendo identificado com uma planta da região do Seridó. Em sua resposta vemos uma definição das plantas encontradas na região e suas características, mostrando uma vegetação diferente daquela descrita por alguns autores, ele enaltece esse espaço e quando se compara a imburana, nos mostra o desenvolvimento desta planta na caatinga, a qual cresce e se multiplica rápido, utilizando o seu caule para determinados fins, como também pode ser utilizada como planta medicinal.

Oswaldo Lamartine relata sobre a povoação no Seridó, que segundo ele se dá pelas guerras contra os indígenas e com a criação de gado sendo este último o principal domínio econômico na região, destacando sempre a vegetação, pois a caatinga torna-se um elemento principal de domínio do homem para conseguir desbravar os sertões do Seridó. Outras fontes de renda e sobrevivência eram o algodão, a agricultura, a extração de minerais, a caça e a pesca.

A caatinga se alastra por aquele mundo com sua vegetação retorcida, espinhenta, rala – dominando as cactáceas, bromélias e outras formas xerófilas. Nos meses de inverno cria a folhagem a que chamam “rama” e o chão se cobre de ervas rasteiras – a “babugem”. Caducas, caem no período da seca, deixando à mostra o esqueleto engarranchado de galhos nus e de um solo esturricado (FARIA, 1980, p. 125).

Na citação acima vemos a descrição da caatinga no sertão a partir de sua vegetação, caracterizada pelo inverno e as secas, pois no período de inverno é onde mais se destaca as plantas que logo ficam verdes e se desenvolvem e no período de seca ficam secas e sem folhas, plantas que se adaptam ao meio e que mesmo nos períodos de grande estiagem não morrem, somente perdem suas folhas, resistindo as grandes secas, nessa citação também podemos ver em aspas as palavras “rama” e “babugem” que são palavras utilizadas no

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vocabulário dos sertanejos sendo essa forma linguística bem evidente nas obras do autor, ele traz para seu texto a forma expressiva do sertanejo, puxando sempre uma nota de rodapé definindo para os leitores o significado das palavras, fazendo com que escritor e leitor tenham um sentimento compartilhado diante do texto.

Schama (1996) fala sobre o homem e a natureza e suas experiências. A natureza como centro de sua identificação através da sua relação com a mesma desde sua infância quando via o rio Tâmisa e todos os elementos que faziam parte do meio ao qual o rio se inseria, como os pássaros, os peixes, as árvores. Foi neste local que sua imaginação fluía ao olhar para o local e imaginar diversas aventuras. Sendo assim, o autor relata sobre a paisagem e seus elementos como também a sua função mítica e sagrada a qual é encontrada em algumas tradições pagãs. A natureza selvagem, nem se nomeia nem se venera é produção humana. A paisagem é aprazível aos olhos como também caracterizada pela ocupação humana em alguns locais, dessa forma existindo a paisagem natural, ou seja, que não teve intervenção humana e a paisagem criada pelo homem, ou seja, que teve interferência na sua estrutura, esta por sua vez é anexada à cultura produzida pelo homem, existindo aqueles grupos que se integram a natureza e aqueles ao qual a dominam. Mas a relações culturais do homem com a natureza sempre deixaram espaço para o sagrado e o mítico da natureza. Como o próprio autor destaca:

E, se a visão que uma criança tem da natureza já pode comportar lembranças, mitos e significados complexos, muito mais elaborada é a moldura através da qual nossos olhos adultos contemplam a paisagem. Pois, conquanto estejamos habituados a situar a natureza e a percepção humana em dois campos distintos, na verdade elas são inseparáveis. Antes de poder ser um repouso para os sentidos, a paisagem é obra da mente. Compõem-se tanto de camadas de lembranças quanto de estratos de rochas (SCHAMA, 1996, p. 16-17).

As lembranças e as nossas percepções da realidade é que constroem a paisagem, é isso que Schama vai destacar que se quando crianças conseguimos guardar na memória as relações as quais desenvolvemos com a natureza, consequentemente quando adultos essa ligação aumenta fazendo com que a paisagem não seja somente descanso para os nossos sentidos, mas ela também é obra da mente quando se liga as lembranças entrelaçadas a natureza, dessa forma homem e natureza podem se tornar indissociáveis.

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O Seridó foi o espaço de nascimento dos pais e antepassados de Oswaldo Lamartine. O seu pai Juvenal Lamartine de Faria, como alguns de seus irmãos, teve participação na política do Rio Grande do Norte. Seu pai também escreveu sobre o Seridó, relatando os costumes perpetuados no dia-a-dia rural do sertanejo. Local onde deixaram “seus imbigos nos moirões das porteiras” (CAMPOS, 2001, p. 10). O sertão é a natureza começando “na Serra do Doutor-Riacho do Maxixe – e vai esbarrar nas barrancas do Piranhas” (CAMPOS, 2001, p. 13). Seu avô era Silvino Bezerra de Araújo Galvão (1836-1922), chefe político na cidade de Acari-RN. Oswaldo Lamartine não gostava de política devido ao período da década de trinta onde seu pai era governador do estado, que acabou sendo exilado e seu irmão Octavio Lamartine Faria foi morto, na fazenda Ingá em Acari. Nas casas onde morou Oswaldo Lamartine:

Em quase todas elas, a Morte se fez presente. A partir da casa da rua Trairi, no bairro do Tirol, onde ele morava quando ocorreu o incidente que matou o amigo Ferdinando Dantas, Lamartine habitará espaços onde a perda é uma constante: ainda na infância, na casa da Fazenda Ingá, perderá seu irmão Octávio, assassinado barbaramente; no apartamento na Barão de Icaraí, no Rio de Janeiro, presenciará a morte de Ludy, sua segunda esposa, após anos de convivência; na Fazenda Acauã, lugar onde irá morar após a morte de Ludy, cenário do seu romance com Natércia Campos, receberá a notícia da morte da escritora, ocorrido na cidade de Fortaleza; e no apartamento do Potengi Flat, sua última morada, atirará contra o próprio peito, surpreendendo a todos com o seu suicídio (CASTRO, 2015, p. 58).

Castro (2015) em sua obra traz em sua narrativa a vida do autor entrelaçada a sua obra, como podemos perceber na citação acima quando ela relata como a morte sempre acompanha Oswaldo Lamartine em seus lugares de morada. O suicídio cometido com um tiro no peito em 2007 fecha o ciclo de existência do mesmo, mas deixando seu legado a partir de seus escritos sobre os sertões do Seridó.

Tomou posse na Academia Norte-Rio-Grandense de Letras (ANRL) em 2001, na cadeira número 12, a qual também foi ocupada por seu pai e tem como patrono Amaro Cavalcanti, recebeu também o título de Doutor Honoris Causa da UFRN. Outro acontecimento brutal envolve a morte de sua filha Isadora que faleceu aos 27 anos, no ano de 1972 quando se jogou da sacado de um prédio onde morava no Rio de Janeiro, o livro Sertão do Seridó (1980) é dedicado a ela.

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Decorrente da apresentação dos fatos comentados da vida de Oswaldo Lamartine, chega-se ao conhecimento de que a sua escrita, como memória que conduz uma tradição, permite vislumbrar a tentativa humana recorrente de salvar da morte a própria existência – questão que se revela na necessidade de sobrevivência do narrador implicado na construção da memória. A sua tentativa de sobrevivência acontece por meio da construção, ou da reconstrução, de uma imagem do Sertão com a qual o narrador oswaldiano se identifica e a partir da qual elabora um texto singular, que se pode caracterizar como literário: uma forma que contém a singularidade do que se considera “humano” (CASTRO, 2015, p. 83-84).

A escrita de Oswaldo Lamartine traz a da tradição cultural do sertão antigo, local onde o mesmo tem suas recordações guardadas, fazendo uma construção de si e do espaço do sertão com uma imagem simbólica e identificação entre o leitor e o autor através do sentimento de pertencimento que ele carrega dentro de si e expõe através de suas obras. Tendo muitas influências das literaturas regionais em seus escritos, começando por seu pai que também escreveu sobre o Seridó.

Seu pai Juvenal Lamartine de Faria nasceu em 1874-1956 em Serra Negra do Norte de onde vem sua dinastia6 o seu pai Clementino Monteiro de Faria era chefe político da cidade. Foi no estado várias vezes deputado, senador e governador. Para Oswaldo Lamartine era seu pai e amigo, estava sempre presente nas horas boas e ruins, mesmo com suas limitações. Sendo afastado do pai a partir de 30, passando a adolescência e juventude longe do pai. Lamartine deixa claro o seu mau comportamento nessa época e o seu remorso por essa falta com o pai.

Juvenal Lamartine teve duas obras publicadas Patriarcas Seridoenses (1965) e Velhos Costumes do meu Sertão (1965), esta última destaca o viver rural, o modo como se comia a mesa, os alimentos cultivados e transformados em alimentação, os móveis da casa e a estrutura física como também as festas que ocorriam nas fazendas. Destaca-se o viver do sertanejo em contato com a natureza, ou seja, sua forma de dominação do espaço, fazendo deste um ambiente receptivo e natural. Era jornalista, advogado e magistrado. Sobre as experiências vividas por seu pai e os efeitos em sua infância, destaca Oswaldo Lamartine:

Veio 30. Meu pai desterrado, nossa casa depredada e eu, sem ter condições de estudar em Natal, internado o Ginásio do Recife (1931-33) e dali para o instituto La-Fayette (Rio de Janeiro, 1934-36) e depois Escola Superior de Lavras/MG (1938-40). A bem dizer fui criado em internatos. Voltei em

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Sucessão que acontece entre reis e rainhas de uma mesma família. Disponível em: < https://www.significados.com.br/dinastia/>. Acesso em: 15/01/2018.

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1941, diretamente para trabalhar na Fazenda Lagoa Nova (São Paulo do Potengi, hoje Riachuelo) (FARIA, 2005, p. 13).

Quando aconteceu a Revolução de 307, Oswaldo Lamartine estava entrando na adolescência, a partir deste momento passou a viver em internatos, sabendo que foi um período difícil por ser deslocado para longe de sua família. Enquanto isso toda sua família passa por maus momentos a partir deste acontecimento, seu pai acaba sendo exilado e seu irmão morto. Oswaldo Lamartine acaba se tornando um exilado, como já destacado anteriormente, pois se encontra sem identidade nesses novos lugares, tendo que se reinventar para sobreviver nesse destino.

Sua mãe chamava-se Silvina Bezerra de Araújo Galvão (1880-1961), teve dez filhos, cinco homens e cinco mulheres, Oswaldo Lamartine era o mais novo dos dez. A mesma esteve presente junto ao marido durante as suas sete legislaturas e consequentemente a revolução de trinta. Oswaldo Lamartine tinha apenas 11 anos na época de 30, ficando em Macau com sua mãe e irmãs, seu pai foi para o Ceará com seus irmãos Octavio e Olavo. Chegaram a relatar para sua mãe que “jogaram bola com a cabeça do seu marido” (CAMPOS, 2001, p. 35).

Oswaldo Lamartine viveu parte da sua vida longe dos Sertões, morou em cidades como Natal, Minas Gerais e Rio de Janeiro, neste espaço de tempo lia muito sobre a literatura regional, sendo assim muitos autores influenciaram no seu pensamento e escrita como Capistrano de Abreu, Gustavo Barroso e Câmara Cascudo, este último teve um contato mais íntimo, pois em muitos dos seus escritos teve sua participação.

2.3 Oswaldo Lamartine e Câmara Cascudo

Cascudo em suas obras traz elementos que discorrem sobre um tempo e espaço distantes, relacionando passado e presente para a formação de uma identidade entre os cidadãos que fizeram parte deste passado e do agora presente. Seus escritos se remeteram mais a cidade de Natal como também da região Nordeste como um todo, enaltecendo mais propriamente os aspectos culturais da sociedade, estudos calcados no folclore e no memorialismo. Mas, a escrita de Cascudo parte de uma visão de cima, uma escrita politizada

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Fazemos a análise do período de acordo com Edgar Salvadori De Decca (1981) – O silêncio dos vencidos. Que trata do insucesso político que aconteceu nesse período, a partir do discurso feito pela memória dos dominadores. A Revolução de 30 consistiu no golpe que destituiu com a República Velha e colocou Getúlio Vargas no poder muitos políticos foram exilados e outros mortos.

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em seus aspectos, pois este fazia parte da elite do Estado. Oswaldo Lamartine também faz parte desta elite, em seus escritos vemos uma diferenciação devido este escrever sobre uma localidade, no caso, a região do sertão do Seridó. Na escrita de ambos podemos perceber um estudo historiográfico, biográfico, etnográfico e geográfico.

Os escritos de Cascudo são marcados por heróis que se eternizam através da memória, se firmando como identidade para um lugar. São narrados somente os fatos importantes e dignos de memória, esses fatos memoráveis estão inseridos em grandes homens que dominavam a política na época. Quando Cascudo evoca a geografia em seus escritos é para enfatizar os aspectos culturais no Brasil e a presença holandesa neste espaço. Trabalhando a identidade nacional e regional como também a construção dos espaços na sua formação territorial e social como cidade, marcando assim o lugar social ao qual ele faz parte inserindo suas concepções acerca de história. Para ele a história é escrita a partir de uma visão romântica e idílica, fazendo do passado algo que pode ser repassado, rememorado e transmitido.

A história para Cascudo estava no interior de cada acontecimento. Os homens citadinos e os eventos políticos nas cidades são os fatos dignos de memória. Utilizando sempre em seus escritos fontes oficiais, pois a história deveria seguir os registros. Para Oswaldo Lamartine, Cascudo era amigo e generoso, um bom homem. “Se Deus mandar outro dilúvio, na banda da arca que tocar ao Rio Grande do Norte, abasta botar um macho, uma fêmea, e os escritos do velho Cascudo – que o resto afunda – mas não tem quem acabe a história.” (CAMPOS, 2001, p. 38). O pai de Cascudo era amigo do pai de Oswaldo Lamartine, eram pequenos os dois na época do governo de Juvenal Lamartine, desde pequeno o mesmo já perguntava pelo sertão antigo.

Os dois faziam parte desta elite política e intelectual do Rio Grande do Norte, justificando o contato desde infância entre os dois. Escreviam para que não se perdessem a memória, mas foi uma memória mais politizada em seus aspectos, mesmo escrevendo sobre fatos variados, o determinismo na escrita que prevalecia era um olhar do outro e ao mesmo tempo de si dentro do espaço.

Barros (2018), em seu trabalho de conclusão de curso sobre o folclore brasileiro enveredado por Câmara Cascudo, vai ressaltar todos os aspectos na construção do Movimento Folclórico Brasileiro, que era composto por vários outros intelectuais entre eles Oswaldo Lamartine, como também seu pai Juvenal Lamartine fizeram parte deste processo. Nessa busca se firmam os saberes entre estudiosos, buscando autenticidade para a formação desse

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movimento no país, cada um escrevendo ao seu modo, mas em busca de um denominador comum o estabelecimento de vínculos com mais intelectuais e instituições para a consumação do projeto. Dessa forma a relação entre Oswaldo Lamartine e Câmara Cascudo vai muito além da formalidade, foram amigos de infância, amigos de construção de saberes e a busca pelo mesmo, estiveram longe e ao mesmo tempo perto como mostra as cartas a seguir. Por isso a influência deste no modo de desenvolvimentos dos trabalhos um do outro.

Trocaram muitas cartas no período que estava longe dos sertões. Essas cartas foram determinantes para a escrita de algumas das obras de Oswaldo Lamartine. Cascudo pediu a Oswaldo Lamartine que o ajude em um novo livro sobre superstição, posteriormente publicado como Superstição no Brasil de 1985. Como podemos ver a seguir:

Estou trabucando uma GEOGRAFIA DA SUPERSTIÇÃO NO BRASIL, indo de quenga na mão à porta do coração pedindo colaboração [...]. Venho entregar ao velho sobrinho afetuoso o ramo de pensar, ruminar, lembrar e escrever umas folhas sobre a SUPERSTIÇÃO NO SERIDÓ, no SERTÃO, ou que outro nome haja. Entrega em fim de janeiro. Topa? Nada de lendas religiosas ou mitos de assombração, lubisôme, burrinha, caipora, tarará, tarará, etc. superstição de caçadores, pescadores de açudes e rios, comboeiros, almocreves, gente de mercado de feira, agricultores, etc, etc, etc. Topa? Ficarei feliz tendo a V. por um companheiro nesse livreco limpo de invenção e mentira (CASCUDO, 2005, p. 38-39).

Essa primeira carta foi enviada em agosto de 1976, Cascudo recebeu de Oswaldo Lamartine o título de sobrinho e o mesmo o chama de tio, devido à amizade que dois tiverem ao longo dos anos tornando-se íntimos um do outro, mesmo após receber algumas notas sobre o tema, Cascudo manda outra carta em novembro do mesmo ano pedindo:

Devolvo as notas gostosas sobre superstições. Não vou querer lenha para fogueira, utilizando suas buscas. Quero, perdôe a intimativa de tio-velho, artiguinho seu, 6 a 8 páginas, assinado, entregue até Janeiro de 1977. Prazo suficiente para pensar, espremer a memória, catucar os parceiros, perguntando aos outros. Tá? Para não “dobrar os encantos” devolvo o “material” que figurará no “definitivo”, convenientemente ajeitado no rumo do rastro. [...] (CASCUDO, 2005, p. 40).

As cartas representam hoje para a historiografia uma fonte de pesquisa e entre as cartas os bilhetes e os cartões trocados entre os dois amigos vemos ajuda mútua e a troca de conhecimento que estão expostas no livro De Cascudo para Oswaldo (2005), a respeito das cartas acima podemos destacar o trabalho dos dois autores a respeito do folclore brasileiro,

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um falando mais sobre o país e outro enfocando o sertão do Seridó, nas obras de Oswaldo Lamartine encontramos elementos como a caipora e figuras épicas do sertão que contavam histórias sobre a vida sertaneja.

2.4 A geografia imagética dos discursos de Oswaldo Lamartine de Faria

Para Oswaldo Lamartine o sertão vai além da sua geografia, os aspectos culturais são diferenciados em sua perspectiva. O seu sertão é a caatinga. Demonstrando todo saudosismo presente em suas lembranças da infância. “Quando no sertão, mesminho Casimiro ... Da camisa aberto o peito, / Pés descalços – braços nus. O dia principiava com a caneca de leite mungido ainda ao quebrar da barra e se findava com as estórias de Trancoso. Noites de um sono só parecendo um piscar de olhos” (CAMPOS, 2001, p. 15). Ele enaltece o período de infância vivido nos sertões, como também os elementos que fazem parte deste espaço como o gado, o dia-a-dia por ele descrito é de uma família abastada que vive no sertão do Seridó, não aqueles sertanejos que sofrem com a seca e que trabalham todos os dias em suas terras ou de outros para tirar o sustento de suas famílias, tendo ao mesmo tempo em que viver com as intempéries da natureza.

Oswaldo Lamartine mostra em seus escritos o sertão do Seridó, em forma de relatos sobre as práticas desempenhadas pelos sertanejos, para o enfrentamento da natureza rústica e de difícil dominação naquele espaço, principalmente devido as grandes estiagens, que fazem do solo muitas vezes erosivo, dificultando a vida dessas pessoas. No sertão as atividades desempenhadas foram de agricultura e principalmente pecuária, foi o gado quem desbravou essas terras, apesar de que outras formas de economia também giraram no sertão, como por exemplo, o algodão e a extração de alguns minerais.

Medeiros Neta (2007) mostra o delineamento que os autores Manoel Dantas, José Augusto, Juvenal Lamartine e Oswaldo Lamartine fazem sobre o Seridó, ao narrarem em seus escritos não somente sobre elementos como o homem sertanejo e a natureza, mas fazendo uma leitura do espaço de si, colocando o seu eu dentro da sua escrita, tornando um espaço saudoso e de memória.

As obras de Manoel Dantas, José Augusto, Juvenal Lamartine e Oswaldo Lamartine constituem-se em um corpo escrito, uma nova vida para si, uma recriação a si mesmo, dando ao seu eu poético uma voz que iria ecoar através da historiografia; seja passando de um espaço estriado pelas marcas pessoais, hereditárias, marcas de família, para um espaço liso que perdia

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suas marcas de família, para um espaço liso que perdia suas marcas, um espaço onde o anonimato vem (de)marcar um tecido que apresenta estampas ordenadas e deixa sua função de estria, para em conjunto constituir um espaço liso (MEDEIROS NETA, 2007, p. 34).

Estes homens através dos seus discursos tornam o espaço do sertão do Seridó, um espaço visível e dizível através de sua escrita, marcando o território ao qual narram, dando uma fisionomia ao local, criando um espaço de luta do homem-terra colocado assim pela autora. Sendo através da construção da paisagem que se tem o espaço de luta, marcado pela superação dos desafios impostos pela dualidade entre o homem e seu meio.

O Seridó pensado como espaço de luta é o da natureza, é toda paisagem que, como cenário desafia a presença e a convivência do homem. É o palco da encenação dos atos, dos combates entre homem e natureza. Mesmo o Homem-Terra que pensa o espaço a partir de identificações, de efetivações é provocado a com ela duelar, é o duelo não do mais forte, mas da produção de meios viáveis á superação de desafios (MEDEIROS NETA, 2007, p. 83).

A partir dos nos de 1940 Oswaldo Lamartine começou a escrever sobre o Seridó, falando sobre a pescaria nos açudes, depois veio trabalhos sobre a caça, abelhas, alimentos, vaqueiros entre tantos outros enveredados pelo autor. Suas maiores inspirações para desenvolver os trabalhos sobre essas temáticas foram: “Pedro Ouvires, o seleiro; Zé Lourenço, o fazedor de barragens; Chico Julião, o caçador de abelhas; Bonato Liberato, o pescador de açudes e Olintho Ignacio, o rastejador e vaqueiro-maior das ribeiras do Camaragibe” (CAMPOS, 2001, p. 9).

Oswaldo Lamartine também teve o seu contato com as práticas exercidas pelos sertanejos. Quando moço caçou e matou alguns animais para a alimentação, mas o que mais o fascinava na caça era o rastejamento feito pelo caçador, como também o fato de se rastejar abelhas. Sempre esteve atento aos trabalhos feitos por seus amigos, sempre os instigando a falar mais sobre aquela atividade, por isso seus trabalhos se entrelaçam aos momentos que viveu nos sertões, ouviu e leu sobre este espaço de afetividade e subjetividade do autor. Sempre escrevendo para que não pudesse se perder a grandiosidade das práticas exercidas pelos sertanejos. “E não são apenas suas pesquisas e lembranças que acabam transformadas em livros, mas o diálogo constante, por cartas ou conversas que o leva a vários „sertões‟” (PIÑEIRO, 2014, p. 10). Por isso o autor descreve tão bem os elementos que constituem o sertão do Seridó.

Referências

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