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2.1 A sustentabilidade na habitação de interesse social no Brasil

2.1.1 Urbanização de favelas na cidade de São Paulo

Para melhor compreender o programa de urbanização de favelas, é imprescindível entender como estes aglomerados populacionais surgiram no cenário brasileiro. Segundo Villaça (1998), em meados do século XIX com o processo de urbanização vigente em algumas cidades brasileiras, famílias migraram das fazendas rurais em direção a centros urbanos em formação. Assim como a elite rural, os trabalhadores também se direcionaram para as cidades, marcados pela segregação urbana, fixaram-se nas periferias dessas cidades, dando início assim as ocupações e aglomerações irregulares.

Cardoso (2007, p. 220) destaca que “esses assentamentos tinham como principais características a ocupação do solo sem parcelamento regular prévio, a precariedade física das moradias, a ausência de infraestrutura e a irregularidade da propriedade do solo”.

Silva e Romero (2011) relatam como a população brasileira e em especial os aglomerados urbanos apresentaram um crescimento absoluto nos últimos 50 anos.

Se em 1945, a população urbana representava 25% da população total de 45 milhões, em 2000 a proporção de urbanização atingiu 82%, sob um total de 169 milhões. Na última década, enquanto a população total aumentou 20%, o número de habitantes nas cidades cresceu 40%, especialmente nas nove áreas metropolitanas habitadas por um terço da população brasileira (SILVA e ROMERO, 2011, s/p).

O crescente populacional no meio urbano que se deu em pouco tempo, contribuiu para a ocorrência de um colapso habitacional nas grandes metrópoles do Brasil. Isto propiciou a formação de aglomerados urbanos de maneira desordenada e clandestina. Além disso, Denaldi (2003, p. 4) ainda afirma que

O Estado assistiu ao espantoso crescimento da ‘cidade oculta’ sem intervir com uma política habitacional que atendesse a população excluída. Fez-se presente no espaço da acumulação, mas se ausentou do espaço da miséria. O crescimento das favelas é, portanto, resultado também da ausência e conivência do Estado.

28 Na cidade de São Paulo, o aumento da população entre os anos de 1920 e 1960 foi vultoso, saltando de modestos 500 mil habitantes para 4 milhões (REIS FILHO, 1994). Entretanto, apesar do rápido crescimento populacional, diferentemente de outras capitais brasileiras que no final do século XIX já apresentavam favelas compondo a fotografia urbana, em São Paulo a formação de favelas deu-se posteriormente.

Os primeiros assentamentos precários de São Paulo, que se tornaram componente da paisagem urbana da cidade, surgiram na década de 40 devido à parte da população não possuir recursos para obter moradia através do mercado formal, optando por se instalar em locais cujo valor do terreno era baixo e não apresentava interesse comercial. De acordo com Samora (2009, p. 56), a periferia da cidade de São Paulo se consolidou “como local de moradias dos mais pobres”, embora a área central do município também tenha abrigado pequena parte dessas ocupações. Para o poder público, as favelas tornam-se alvo de atenção especialmente quando situadas em áreas impróprias perante os interesses econômicos que giram em torno dos terrenos, ou seja, quando há valorização imobiliária dos mesmos. Entre os anos de 1947 e 1968, ocorreu um movimento de expulsão de populares dos cortiços da região central - Sé, Liberdade, Bela Vista, Santa Efigênia, Brás e Consolação – de São Paulo, direcionando esta camada da população para a periferia da cidade. Processo este que contribuiu para a extensão territorial desta metrópole (VILLAÇA, 1998).

Bonduki (2000, p. 23) ressalta que “num quadro de escassez de oferta habitacional para baixa renda, o crescimento das ocupações de terra e da “favelização” e abertura generalizada de loteamentos irregulares ou clandestinos” emergiam. Surgia “à margem da legislação [...] uma cidade real, habitada precária e em caráter predatório por contingentes significativos da população”.

Sobre a segregação urbana, Ferreira (2005, p. 7) ressalva que

[...] as dinâmicas de urbanização da cidade explicitavam [...] processos de valorização fundiária e imobiliária que iriam constituir uma matriz de exclusão que perdura até hoje, sobrevivendo e fortalecendo-se em cada nova fase do nosso desenvolvimento. [...] o acesso à cidade urbanizada só foi possível, em suma, para aqueles

29 que pudessem pagar por ela, ou que tivessem um razoável poder de influência dentro da máquina política.

Entre as décadas de 1940 e 1970, a casa autoconstruída em loteamentos situados na periferia de São Paulo foi o destino de grande parte dos trabalhadores paulistas da época (FRANÇA, 2012). O poder político fazia “vista grossa” ao surgimento cada vez mais constante desses loteamentos, visto que dessa forma mantinha-se isento da necessidade de oferecer infraestrutura para esta parcela da população (SAMORA, 2009).

Em meados de 1960, o poder público através das COHAB’s passou a construir habitações destinadas a pessoas de baixa renda, contribuindo para o aumento da “periferia urbana” de São Paulo (SAMORA, 2009).

Nesse período, grande parte do território periférico de São Paulo já se encontrava ocupado, porém em sua grande maioria sem contar com qualquer tipo de infraestrutura. Ferreira (2005, p. 13-14) relata que

[...] o processo de concentração populacional [...] não foi acompanhado por uma ação do Estado que garantisse condições mínimas de infraestrutura urbana e de qualidade de vida, pois isso resultaria, em última instância, na elevação do custo de reprodução da classe trabalhadora, o que não interessava às classes dominantes.

Esse processo de “periferização” da cidade de São Paulo constatada entre os anos de 1960 a 1980, segundo Denaldi (2003) agrava-se na década de 1990, quando ocorreu um aumento considerável da população favelada em consequência ao aumento do índice de desemprego gerado por instabilidade econômica no país. Mesmo diante de frustradas tentativas políticas e legislativas em “barrar” a proliferação das favelas, como a Lei Lehmann, de 1979, que discorria sobre o parcelamento do solo gerando exigências burocráticas aos loteamentos irregulares, estas foram se consolidando ao longo de todo século XX como principal destino da população de baixa renda. Denaldi (2003, p. 5) constata que “as favelas, com ou sem intervenção, consolidaram-se como espaço permanente de moradias e o tipo de intervenção mais praticado passou a ser a urbanização, tendo como principal protagonista o município”.

30 A partir da década de 1980, a urbanização dos assentamentos precários passou a ser discutida entre as pautas das políticas de habitação de São Paulo. No final desta década, o Governo do Estado em aliança com a Prefeitura de São Paulo tomam empréstimo do Banco Mundial, desenvolvendo assim um programa cuja ideia central era o saneamento ambiental da bacia hidrográfica do Guarapiranga (SÂO PAULO, 2008).

Este tipo de iniciativa fez-se necessária diante da ocupação inapropriada e desordenada do solo, constatada por construções, por exemplo, nas margens da represa Billings, assim como em áreas de encostas propícias a ocorrência de erosões e deslocamentos de terra.

A população excluída é levada a ocupar as áreas desprezadas pelo mercado imobiliário, onde a construção é vedada, como áreas lindeiras a rios e córregos [...]. A ocupação dessas áreas, além de colocar em risco a integridade física dos moradores, causa danos ambientais e compromete a qualidade de vida na cidade como um todo (DENALDI, 2003, p. 02).

Os programas de urbanização de favelas, segundo Samora (2009) surgiram com “caráter emergencial”, e tinham a pretensão inicial de melhorias das condições precárias nessas ocupações para, num futuro próximo fazer a remoção desses assentamentos urbanos. Porem, logo “ficou patente para o poder público que tais intervenções, num cenário de incremento do déficit habitacional em todo o país, induziam à consolidação destes assentamentos, que se expandiram e se adensaram” (SAMORA, 2009, p. 28).

Os programas políticos de urbanização de favela passaram a desempenhar fundamental papel nesses assentamentos irregulares, proporcionando a estas regiões bem mais do que infraestrutura básica.

Oferecer habitação para esses programas significa oferecer os complementos urbanos que possibilitam a vida das pessoas, ou seja, escolas, posto de saúde, transporte público, área verde, ou seja, tudo aquilo que forma uma cidade, com seus pontos de venda e de serviços locais seu espaço público bem constituído (BRUNA e PISANI, 2012, p. 02).

31 Segundo dados coletados pela Secretaria de habitação e desenvolvimento urbano da cidade de São Paulo, atualmente o município possui cerca de 1570 favelas em seu território. Diante deste numero tão grande de ocupações irregulares, os problemas sociais e habitacionais ganham proporções volumétricas, devido à ausência de infraestrutura básica nessas ocupações e o déficit habitacional desta cidade.

809.419 mil famílias vivem em situação inadequada em São Paulo. Porém a maioria depende apenas de obras de infraestrutura e do processo de regularização fundiária para se integrar à cidade formal. O déficit habitacional real para famílias que saem de áreas de risco que estão em urbanização, hoje, é de 130 mil unidades habitacionais (SÂO PAULO, 2010, s/p).

Em 2005, a Prefeitura de São Paulo lançou o Programa de Urbanização de Favelas, visando melhoria e a instalação de infraestrutura básica nos assentamentos precários que não apresentassem necessidade de remoção, além disso, proporcionar novas habitações para as famílias desalojadas. O programa, ainda em vigor, representa o maior suporte de regularização urbanística e fundiária do Brasil e já promoveu melhorias em várias favelas da cidade, como: Paraisópolis, Heliópolis, Jardim São Francisco, Cantinho do Céu, Jaguaré e outras.

O Programa de Urbanização de Favelas apresentava

[...] como foco a urbanização e a regularização fundiária de áreas degradadas, ocupadas desordenadamente e sem infraestrutura. O objetivo é transformar favelas e loteamentos irregulares em bairros, garantindo a seus moradores o acesso à cidade formal, com ruas asfaltadas, saneamento básico, iluminação e serviços públicos (SÂO PAULO, 20--, s/p).

A partir da ideia de urbanização, são desenvolvidos projetos para áreas específicas que tem como base teórica “promover a qualificação urbana e habitacional de núcleos de favelas ou assentamentos precários [...] com provisão de soluções habitacionais na própria área de intervenção”; ou seja, além de melhorias urbanas, a construção de conjuntos habitacionais também se apresenta como prioridade a fim de minimizar o déficit habitacional e proporcionar moradias adequadas a essa parcela da população.

32 De acordo com o Plano Municipal de Habitação de São Paulo (2010), “a moradia digna é entendida [...] como vetor de inclusão sócio territorial, que garante a construção da cidadania a todos os moradores”.

Entre os anos de 2005 a 2012, dados informam que este programa da Secretaria Municipal de Habitação (Sehab) de São Paulo beneficiou 40 mil famílias em todo município, e objetivava atender aproximadamente mais 134 mil família. Este foi contemplado em 2012 com o prêmio Scroll of Honour, da UM-Habitat.

Criado em 1989, o Scroll of Honor destina-se a reconhecer iniciativas exemplares na área de habitação em todo o mundo. Podem postular ao prêmio instituições governamentais, organizações da sociedade civil, empresas privadas, universidades, fundações públicas ou privadas, agências multilaterais, veículos de imprensa e até personalidades do setor (SÂO PAULO, 2012c, s/p).

Desde sua criação e implantação, o programa de urbanização de favelas passou por modificações e foi sendo aperfeiçoado algumas vezes, acompanhando as mudanças de estruturação do governo municipal e em determinadas situações sofrendo interferências e atrasos devido a este processo de renovação do poder público. Após eleições municipais em 2012 e subsequente mudança na gestão da cidade de São Paulo, foi decretado pelo novo prefeito Fernando Haddad que as obras e projetos em desenvolvimento do Programa de Urbanização de Favelas seriam mantidas e concluídas, não havendo pronunciamento concreto sobre o fim especulado deste programa.

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