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2 REVISÃO BIBLIOGRÁFICA

2.20 Uso intensivo energia fóssil

Praticamente todos os estudos acadêmicos, governamentais e de associações de classe sobre alguma energia considerada renovável, procuram demonstrar que usam menos energia fóssil que os concorrentes. Assim, contabilizam principalmente energia direta, a energia visível, com custo financeiro fácilmente identificado. A energia indireta, embutida nos produtos e serviços necessários, normalmente não é mencionada, nem tão pouco contabilizada. Como exemplo de distorção, a fama de que um carro elétrico não é poluidor é um mito urbano. Um carro elétrico é mais eficiente no uso de energia direta (90% de rendimento de motores elétricos) do que um veículo usando motor de combustão interna (35% de rendimento da gasolina), porém a energia indireta da produção do veículo elétrico é muito maior, e a produção da eletricidade tem rendimento menor que 40% da energia primária, além da perda de 17% durante transmissão e distribuição (ANEEL, 2017). Somando tudo, o rendimento total da energia primária não é maior em um carro elétrico versus um carro com motor de combustão interna. A grande diferença é que a poluição atmosférica é deslocada para longe do centro urbano, mas não é eliminada.

Em 2016, praticamente toda energia direta e indireta vem de energia fóssil. Portanto, ao omitir, intencionalmente ou não, a energia indireta de um produto ou serviço, cada autor melhora o desempenho do seu indicador de sustentabilidade.

Basta lembrar que ao contratar uma pessoa para um dia de trabalho, esta pessoa já consome só de alimentos, 17 kcal ou 68MJ, e tem embutido mais uns 170 MJ de energia indireta no Brasil. Nenhum estudo pesquisado incluiu esta energia indireta, e poucos incluem a energia dispendida pela pessoa no trabalho manual ao substituir máquinas na mecanização da agricultura e indústria.

De maneira análoga, a maioria absoluta de autores sempre listam a energia dos combustíveis, mas poucos adicionam a energia embutida nos metais e materiais de

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ACV Análise de Ciclo de Vida, onde se analisa os impactos ambientais do ciclo produtivo completo de um produto ou serviço. A ênfase é impacto ambiental em têrmos de poluição e emissão de CO2eq, não

85 veículos, tratores e implementos, energia de edifícios e infraestrutura. Pouquíssimos autores se lembram da energia usada na fabricação e manutenção.

Finalmente, o caso mais omisso na maioria dos estudos da literatura, é o transporte de insumos até a área agrícola. Poucos autores até reconhecem a energia usada na movimentação interna de insumos e produtos dentro da fazenda, mas não foi encontrado nenhum estudo que leve em conta a movimentação de insumos agrícolas do fabricante até o depósito da fazenda. A distância média entre a fazenda consumidora e produtores de nutrientes fica ao redor de 500 km (SILVA, 2013). Ao pesquisar onde ficam os principais produtores de adubos e nutrientes, estes ficam perto das fontes de minérios, o que é uma obviedade econômica. E as fazendas ficam bem longe das minas, uma necessidade geológica e geográfica, além de ter que ficar perto de centros industriais e consumidores. Produtos como defensivos são produzidos também bem longe de fazendas, geralmente perto de polos petroquímicos, pois são produzidos geralmente como subprodutos da indústria petrolífera. Órgãos como MME1, IBGE2, ANDA3 e outras relacionadas com recursos primários, tem bastante informação sobre produção e localização geográfica de fontes de insumos. O mais dramático é a importação de grandes quantidades de nutrientes do exterior. Para o Brasil os maiores fornecedores de nutrientes agrícolas estão no Canadá, Rússia e Oriente Médio. Distâncias da ordem de milhares de quilômetros, que mesmo por navio, consome muita energia para produtos de muito baixo valor agregado.

É indispensável incluir toda essa energia indireta, pois no cenário de longo prazo, quando esgotar totalmente toda energia fóssil, a relação entre a energia útil e toda a energia (fóssil ou renovável) usada para sua produção é um dos dois indicadores mais importantes para sustentabilidade.

Infelizmente, tem-se poucos dados confiáveis sobre intensidade de energia indireta em produtos e serviços. Temos dados sobre produtos semi-industrializados como metais ferrosos, cimento e agregados, petroquímicos, química em geral, mas são estudos estrangeiros, com tecnologia e métodos produtivos que não se replicam exatamente no Brasil. No exterior, predomina modal ferroviário, marítimo e fluvial. No Brasil, predomina rodoviário. Com intensidade energéticas muito diferentes. Nesta

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MME Ministério de Minas e Energia

2 IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística 3 ANDA Associação Nacional Difusão Adubos

86 dissertação, foi feito uma estimativa sobre o custo energético de movimentação, com a infraestrutura brasileira e modal prevalente.

Outro agravante é que alguns insumos usam como matéria-prima justamente derivados de petróleo ou gás natural. Todos os insumos agrícolas (nutrientes, corretivos) são produzidos exclusivamente com energia fóssil, seja diesel, seja óleo combustível, seja maquinaria pesada produzida com energia fóssil. Por exemplo, os nitrogenados, usados em grande quantidade tanto na agricultura como na pecuária e avicultura, é feito extraindo nitrogênio do ar por métodos energívoros mas também precisam do hidrogênio, que é retirado por reforma catalítica de gás natural. Um autor documentou uma fábrica de nitrogenados da Bahia, e quase todos os seus clientes estão em São Paulo. Só o ato de incluir a energia do gás natural quase dobrou a energia indireta dos nitrogenados em relação aos outros autores que estudam o mesmo tópico (MENDES JÚNIOR, 2011).

Como a movimentação de insumos e produtos é uma parte bem significativa da energia total necessária, é necessário notar que quase todos os estudos pesquisados incluem apenas energia de combustíveis, poucos incluem energia indireta do veículo, alguns incluem energia dos pneus, mas não foi encontrado nenhum que lembre que usamos vários conjuntos de pneus para a vida útil de um veículo de carga. A diferença é significativa entre incluir um conjunto de pneus e incluir 8 conjuntos de pneus. Nesta dissertação foi levantado a energia de produção do pneus, pesos médios, e energia para recauchutagem contra energia de produção, assumindo duas recapagens ou recauchutagens por cada pneu novo. Esta consideração abaixa a energia total por jogo de pneu usado, resultando em dados mais realistas.

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