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1 Introdução

2.5 Evolução da paisagem florestal em Portugal continental

2.5.6 Valoração dos espaços florestais

A paisagem portuguesa caracteriza-se pela sua riqueza, diversidade e por apresentar sistemas de exploração tradicionais, tal como acontece em muitas regiões do Mediterrâneo, adaptados às potencialidades e condições regionais (Pinto-Correia et al., 2004: p. 335). As alterações que nos últimos decénios se fazem sentir nestes sistemas podem mesmo levar ao seu desaparecimento, sendo necessária a adopção de novas perspectivas de gestão e de novas abordagens visando uma paisagem multifuncional sustentável.

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Os espaços florestais23 abrangem de acordo com os dados do IFN 6 cerca de dois terços do território continental (35,4 %), sendo 31% de resinosas e 69% de folhosas. No que concerne aos objectivos principais de produção, 47,8% da floresta portuguesa é essencialmente constituída por resinosas, exploradas em regime de alto fuste, e por folhosas de rápido crescimento, exploradas em talhadia, sendo o objectivo predominante a produção lenhosa. No espaço europeu, como refere Rego (2011), Portugal ocupa uma posição intermédia “entre os

mínimos de Malta e Islândia, quase desprovidos de floresta, e os máximos da Suécia e Finlândia, com valores próximos dos 70%”, mantendo-se a área florestal constante nos últimos

anos.

Além da função produtiva a floresta desempenha importantes funções sociais, culturais e ecológicas, conhecidas por “amenidades”, sendo, na maioria dos casos, bens públicos aos quais não são atribuídos valores de mercado (e.g., protecção do solo e dos recursos hídricos, sequestro de carbono e protecção da paisagem e biodiversidade).

Diversos autores consideram que as funções do ecossistema podem ser de produção, de regulação, de funções de habitat para manter as estruturas/processos ecológicos ou de informação (Bolliger et al., 2011: p.203). Para estes autores as paisagens e os ecossistemas dão benefícios (bens e serviços) à sociedade, que incluem recursos físicos e culturais de grande valor social24. Sendo a floresta uma fonte de múltiplos bens e serviços, o desenvolvimento socioeconómico levou a “uma consciencialização crescente sobre a importância da

biodiversidade, valores estéticos e recreativos” e externalidades com fins comerciais (Borges,

2007: p. 27). Como refere Pretzsch (2007: p. 1), “as florestas europeias integram uma grande

quantidade de funções diferentes” havendo a necessidade de se conciliarem as funções

ecológicas, económicas e sociais.

“Um dos principais problemas que se coloca actualmente à gestão e ordenamento da

paisagem reside no grande número de actores com competência no território” (Antrop &

Eetvelde, 2008: p. 187). “Grupos diferentes têm percepções igualmente diferentes das florestas

e da gestão florestal”, havendo um número crescente de grupos que pretendem ter um papel

na tomada de decisão, o que leva a um maior nível, actual e potencial, de conflitualidade (Anderson, 2002: p. 1). Este autor estabelece uma tipologia de proprietários com influência na

23 Espaços florestais correspondem às áreas ocupadas com “floresta”, “matos e pastagens”, “improdutivos” e “águas interiores”. 24

O Millenium Ecosystem Assessment (MEA) reconhece que “a terra oferece às pessoas inspiração, valor estético e uma contribuição para, entre outras coisas, sentir o lugar” (Swanwick, 2009: p. 566).

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gestão florestal considerando quatro grandes grupos: florestas públicas, florestas privadas (e.g., propriedade florestal de pequena, média ou grande dimensão), florestas comunitárias ou privadas partilhadas e florestas de “utilização livre”. Nas áreas públicas algumas tomadas de decisão são actualmente precedidas de consulta pública. Na propriedade comunitária a gestão é partilhada encontrando-se sujeita a regras e regulamentos exteriores e até os proprietários privados estão sujeitos a regras estabelecidas pelo Estado tal como nas técnicas de desbaste e salvaguarda de espécies protegidas não sendo os direitos de propriedade absolutos (Anderson, 2002: p. 2).

Só uma pequena parte da população, incluindo agricultores, detém ou exercem uma gestão activa, tendo predominantemente uma perspectiva funcional, encarando a terra como um recurso produtivo. Para Swanwick (2009: p. 563 e 565) “a grande maioria da população

«consome» terra ao ganhar acesso à mesma de uma forma activa para uso recreativo ou, de uma forma mais passiva, ao disfrutar diariamente do meio que a rodeia”.

Em Portugal podemos considerar a existência de dois grandes grupos: florestas públicas e florestas privadas. No primeiro grupo encontram-se incluídas as áreas florestais do domínio privado do Estado e as propriedades comunitárias e no segundo as áreas detidas por empresas industriais da sub-fileira da pasta e papel e por proprietários.

O regime de propriedade caracteriza-se por uma dominância do sector privado (89%), relativamente ao total dos espaços arborizados no território continental, a que correspondem 9/10 da floresta disponível para produção lenhosa (Peck & Moura, 2006: p. 76; DGRF, 2007; ICNF, 2013b), incluindo-se a restante área no sector público do Estado, correspondendo apenas 1,5% ao domínio privado do Estado (a menor percentagem na Europa) e 4,3% de propriedades comunitárias. Cerca de 5,3% da área florestal é propriedade de empresas industriais da sub-fileira da pasta e papel (ICNF, 2013b). Esta predominância do sector privado é superior aos cerca de 50-60% da Europa ou aos 73% da União Europeia25 (Peck & Moura, 2006: p. 76).

As explorações são predominantemente de tipo minifundiário. A área média da superfície florestal total, entendida como a área de cada proprietário incluindo as superfícies com povoamentos florestais e as superfícies de matos e incultos, era de 20,1 ha (Tabela 2.5).

25 O número de proprietários florestais da União Europeia é de cerca de 16 milhões, originando a gestão deste espaço florestal

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Tabela 2.5 - Principais características das propriedades e dos proprietários florestais privados estudados (Fonte: Baptista & Santos, 2005)

Dimensão da Propriedade

Número de

proprietários (%) Espécies Principais

Menos de 1 ha 32 Pinheiro-bravo

Entre 1 e 5 ha 35 Pinheiro-bravo

Entre 5 e 20 ha 19 Eucalipto

Entre 20 e 100 ha 10 Eucalipto, Sobreiro, Azinheira

Entre 100 e 200 ha 2 Sobreiro, Azinheira

Mais de 200 ha 2 Sobreiro, Azinheira

Portugal é, no contexto europeu e mesmo mundial, um país “especializado” nas actividades silvícolas (DGF, 1998), embora, segundo os padrões europeus, seja “um produtor de média

dimensão no que toca a produtos florestais”, excluindo a cortiça onde é o líder mundial (Peck

& Moura, 2006: p. 77).

Tabela 2.6 – VAB e empregabilidade do sector florestal em Portugal Continental e relação entre exportações e importações por subsector (Extraído de Dores et al., 2011)

2006 2007 2008 2006 2007 2008 2006 2007 2008 Preços correntes

(106 €)

% na indústria

transformadora % no total nacional VAB Fileira Florestal 2339 2447 2194 11,8 11,9 10,5 1,7 1,7 1,5

Remunerações 1301 1315 1324 10,8 10,7 10,6 1,6 1,6 1,5

Peso VAB Florestal no PIB - - - 1,46 1,45 1,28

Produção Indústria da madeira e Cortiça 3419 3631 3303 46,0 46,5 43,7 4,5 4,5 4,1 Indústria da Pasta, Papel e Cartão 2473 2585 2654 33,3 33,1 35,1 3,2 3,2 3,3 Indústria do Mobiliário 1540 1594 1596 20,7 20,4 21,1 2,0 2,0 2,0 Exportação Indústria da Madeira e Cortiça 1392 1470 1337 42,1 41,7 38,6 4,1 4,0 3,6 Indústria da Pasta, Papel e Cartão 1509 1586 1615 45,6 44,9 46,6 4,1 4,0 3,6 Indústria do Mobiliário 407 473 511 12,3 13,4 14,8 1,2 1,3 1,4

Segundo os dados das Contas Nacionais Anuais Portuguesas (CNAP) as indústrias que compõem a Fileira Florestal representaram em 2008, 1,5 % do Valor Acrescentado Bruto

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(VAB)26 Nacional e 1,28% do Produto Interno Bruto (PIB), gerando cerca de 2% do emprego nacional (Tabela 2.6) (DGRF, 2007: p. 15; Dores et al., 2011).

As fileiras do sector florestal representaram 11,2% do total das exportações nacionais em 2011 e 5,3% das importações nacionais (ICNF, 2013b), o que se traduz num saldo positivo de 1691 milhões de euros. No período entre 2006 e 2011 a balança comercial portuguesa apresenta um forte saldo positivo para os produtos florestais, tendo as exportações no ano de 2011 tido um aumento de 21% quando comparadas com as do ano transacto (INE, 2012: pp. 86 e 87). O valor económico total das florestas por unidade de área no continente é muito superior aos valores de outros países mediterrâneos, o que “demonstra uma taxa de utilização da terra

florestal eficiente” (DGRF, 2007: p. 14).

Tal como em Portugal, em certos países europeus como a Finlândia desenvolveu-se na segunda metade do século XX um novo paradigma industrial, onde era promovida por empresas multinacionais a arborização de determinadas espécies em regime de monocultura. “A reacção surgiu em 1990 com o aumento do paradigma ambiental” (Sverdrup et al., 2002: p. 33), sendo a Conferência do Rio em 1992 o ponto de partida para o estabelecimento da Agenda 21 e, consequentemente, dos paradigmas da sustentabilidade florestal.

O Plano Nacional de Desenvolvimento Sustentável da Floresta Portuguesa (PNDSFP), adoptado pela Resolução do Conselho de Ministros nº 27/99, de 8 de Abril, constituiu uma base orientadora para a construção de instrumentos de apoio ao desenvolvimento do sector. A sua concepção teve como objectivo a sua utilização como ferramenta de trabalho flexível e actualizável, indutora de iniciativas de diversa natureza. Foi estruturado de forma a contemplar o desenvolvimento de um sector mais competitivo, a conservar a natureza e valorizar o ambiente nos espaços florestais, a articular a estratégia florestal com a do desenvolvimento industrial, a assegurar uma gestão optimizada e racional dos recursos cinegéticos e aquícolas, a promover o desenvolvimento económico e social sustentado e a modernização da administração.

Na sequência dos grandes incêndios ocorridos em 2003 foi finalmente regulamentado o Fundo Florestal Permanente, mecanismo de financiamento instituído na Lei de Bases da Política Florestal. A aplicação deste Fundo tem suscitado algumas críticas como as referidas por Mendes & Fernandes (2007: p. 117) quando consideram que não foi cumprido o objectivo

26 “A dimensão económica global do sector florestal costuma ser avaliada pela contribuição do Valor Acrescentado Bruto (VAB) do

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inicialmente estabelecido e que era o de pagar aos produtores florestais pelos serviços gerados pela sua floresta. Ainda segundo estes autores, o reforço das competências das autarquias nas áreas florestais terá levado a uma concorrência com as organizações de produtores florestais na atribuição das verbas afectas ao Fundo Florestal Permanente.

A Estratégia Nacional para as Florestas (ENF), inserida na Estratégia Florestal da União Europeia, constitui o elemento de referência das orientações e planos de acção públicos e privados para o desenvolvimento do sector nas próximas décadas. É suportada numa matriz estruturante do valor das florestas, que se pretende maximizar através de seis linhas de acção estratégicas. Pretende-se, no curto prazo, minimizar os riscos de incêndios e dos agentes bióticos e, no médio prazo, assegurar a competitividade do sector, pela sua organização e qualificação dos diferentes agentes que sobre ele actuam, pela especialização do território, pelo aumento do valor dos produtos e pela racionalização e simplificação dos instrumentos de política.

Neste contexto, a ENF concretiza-se, desde já, com a adopção de medidas no âmbito do Quadro de Referência Estratégica Nacional (QREN), do Plano Estratégico Nacional do Desenvolvimento Rural (PENDR) e em Planos e Programas Especiais, como o Plano Nacional de Defesa da Floresta Contra Incêndios (PNDFCI) ou o Programa da Luta Contra o Nemátodo da Madeira do Pinheiro (PROLUNP), onde são definidos os objectivos específicos, as metas, a repartição de responsabilidades e o quadro de recursos humanos e financeiros.

Sendo os incêndios um dos riscos percebidos no sector florestal em Portugal, situação que se tem vindo a agravar na última década, uma das possíveis causas poderá ser apontada para o deficiente, senão mesmo inexistente, planeamento do espaço florestal e a ausência de uma gestão sustentada e profissional. A dimensão da propriedade florestal em Portugal, o progressivo abandono da presença humana nos espaços rurais e a distribuição actual das espécies florestais, com um predomínio das resinosas de elevada inflamabilidade, são ainda factores que potenciam a ocorrência dos incêndios florestais.

Antes da década de 40/50 os incêndios florestais não eram considerados como um problema. Nos países mediterrânicos não são bem conhecidas as causas do aumento da ocorrência de fogos florestais, embora factores como “os períodos de seca prolongados, a expansão da área

arborizada, o desaparecimento gradual de corredores de descontinuidade entre os povoamentos florestais” e a acumulação da biomassa no sob-coberto sejam factores que a

potenciam (Piussi & Farrell, 2000: p. 22). Para além destes factores deveremos ainda considerar o êxodo rural.

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Portugal é, na Europa27, o país mais afectado pelos incêndios florestais, que nos últimos 25 anos (1980-2004) foram responsáveis pela devastação de mais de 2,7 milhões de hectares de área florestal (Figuras 2.8 e 2.9).

Figura 2.8 - Evolução da área ardida e relação com o número de ocorrências no período de 1980 a 2012 (Fonte: AFN, 2011/SGIF; ICNF)

Figura 2.9 - Evolução da floresta e dos espaços florestais ardidos no período de 1995 a 2010 (Fonte: ICNF)

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A maior inflamabilidade dos povoamentos de resinosas no mediterrâneo leva ao acréscimo da ameaça da poluição atmosférica pelo “aumento da formação de ozono, partículas orgânicas e

hidrocarbonetos voláteis” (Seufert, 2000, in Naveh, 2009: p. 136). Como forma de prevenir os

graves incêndios que ultimamente se têm verificado nas regiões mediterrânicas, cujos efeitos se podem tornar catastróficos quando combinados com a progressiva poluição atmosférica e

stress climático, este autor considera ser indispensável actuar preventivamente de uma forma

holística mediante o ordenamento, planeamento, gestão activa, conservação e recuperação sustentável da paisagem.

As alterações climáticas, associadas aos processos de desertificação e de degradação do solo, constituem actualmente uma ameaça à preservação da paisagem mediterrânea28, região que, como refere Alves et al. (2012: p. 383), é considerada como muito vulnerável. A rapidez e a dimensão dos processos de degradação com origem antrópica reforçam a necessidade em conservar e recuperar a sua integridade, ecodiversidade e condições sanitárias, o que só é possível pela adopção de práticas de gestão e conservação sustentáveis (Naveh, 2009: p. 136) e de estratégias de gestão adaptativa (Bravo-Oviedo et al., 2010: p. 2037).

“Embora a silvicultura tenha sido sempre adaptativa, na medida em que as intervenções de

gestão se baseavam na experiência passada e no estado actual das florestas”, é agora

necessário antecipar o desenvolvimento futuro das florestas face às alterações climáticas (Bugmann et al., 2010: p. 4). O gestor florestal terá de assumir uma atitude de mudança pois actualmente a floresta não só produz madeira ou cortiça mas também oxigénio, biodiversidade e paisagem, entre outros bens, tangíveis e intangíveis, de difícil quantificação mas com um grande valor social (Vasco, 1998: p. 5).

No último século registou-se na Europa um aumento médio da temperatura de quase 1˚C, e um aumento superior à média entre 1979 e 2005, situação que se prevê vir a manter apontando as previsões para um aumento de 2˚C até 2100, e em Portugal Continental de 0,5˚C/década desde a década de 70 (DGRF, 2007: p. 24; Bravo-Oviedo et al., 2010: p.2036; ICNF, 2013b).

Nos doze anos compreendidos entre 1995 e 2006 registaram-se os onze anos mais quentes. Registou-se ainda uma alteração no padrão da precipitação, com menores valores na

28 Cerca de 58% do território continental, nomeadamente no Sul e interior Centro e Norte, é vulnerável aos processos de

desertificação, localizando-se nesta área 99,4% dos povoamentos de azinheira, cerca de 93% dos povoamentos de sobreiro e cerca de 97,8% dos povoamentos de pinheiro-manso (ICNF, 2013b).

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Primavera (Miranda et al., 2006, in Alves et al., 2012: p. 383). Nas áreas marginais do Mediterrâneo, em que a disponibilidade hídrica constitui um factor limitante, as estratégias de florestação devem, de acordo com Naveh (2009: p. 137), privilegiar a diversidade das espécies.

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Como há dois mil anos o foi para Plínio, a árvore é hoje, e decerto o será ainda daqui a dois mil anos, a dádiva suprema

(Natividade, 1969: p. 48)

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