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VALORES E CRENÇAS QUE EMERGEM DA HISTÓRIA

OS VALORES E CRENÇAS NA RELAÇÃO ENFERMEIRO-IDOSO

2. VALORES E CRENÇAS SOBRE A VELHICE E ENVELHECIMENTO

2.1. VALORES E CRENÇAS QUE EMERGEM DA HISTÓRIA

O envelhecimento e a velhice ocorrem envolvidos e influenciados por aspectos sociais e culturais, daí que para compreender melhor os valores e crenças que lhe estão associados haja necessidade de distinguir como cada sociedade encara esta fase da vida. A compreensão do significado social da velhice deverá ter por base a análise dos valores de cada sociedade, concordantes com a especificidade da sua organização social. A variabilidade histórica e cultural do conceito de velhice parece ter expressão numa diversidade de valorizações que condicionam e são condicionadas pela posição social dos indivíduos. Antes de abordar a imagem contemporânea da velhice, serão tecidas algumas considerações sobre o modo como as sociedades antigas encararam o mesmo tema.

Robert (1994, citado por Mota et al., 2001) refere que o estudo das sociedades antigas, assim como uma leitura da Bíblia, revelam que a atitude face aos idosos varia segundo o contexto económico. O respeito pelo ancião dependia, frequentemente, dos recursos que possuía, ou seja, a imagem de velho venerável e reverenciado pela família, pressupõe boas condições materiais e uma colheita abundante. Nos casos de penúria, susceptíveis de ameaçar a sobrevivência da comunidade, a eliminação das bocas inúteis entra facilmente nos costumes.

Outra representação frequente nas sociedades antigas (e que se mantém ainda hoje) baseia-se numa caracterização pela oposição entre velhice à juventude: o jovem dotado de um corpo esbelto, forte e vigoroso, contrapõem-se à decadência física do velho. Uma lenda romana conta que num local denominado Rocha Tarpeia, no mesmo local onde eram precipitados os criminosos, também eram levados, pelos filhos, os pais idosos e

assim falou: trazes-me onde eu trouxe meu pai e onde um dia, teus filhos te irão

trazer…refere a mesma lenda que tal prática foi desde então para sempre abandonada

(Mota et al., 2001).

De facto, nas sociedades e culturas em que a saúde, a beleza e a juventude são valores preponderantes, as necessidades e preocupações com os idosos tendem a ser esquecidas e a sua sabedoria e experiência de vida é negligenciada.

Em oposição, na Grécia antiga o velho é considerado como depositário máximo de sabedoria. Homero associava a velhice a sabedoria (Gomes, 2002; Mota, et al., 2001; Santos, 2001). Nalgumas histórias das civilizações fala-se no “Conselho de Anciões”, nas quais transparece o apreço pela sabedoria dos mais velhos, cujas experiências de vida lhes conferia toda a aceitação, quando os problemas da nação se tornavam graves (Agreda, 1999).

Historicamente, a condição dos idosos diferiu com o tipo de organização social e política, designadamente com a proveniência de classe. Assim, a sorte dos velhos oriundos da aristocracia era muito diferente daquela dos que pertenciam a classes inferiores: os velhos da classe dominante parecem ter sido poderosos nas sociedades estáticas, repetitivas e hierarquizadas, mas não nas sociedades em período de expansão, de mudança e de revolução.

Centrando-nos, mais especificamente na Europa, dos tempos medievais aos nossos dias, a posição social dos idosos é variável. Do século V ao X, a posse da terra dependia da força e da capacidade para a defender, o que desfavorecia os idosos. A partir do século XIII, a lei possibilitava aos idosos a posse de terra por meio de compra. No século XVIII, o chefe de família, envelhecido, permanece o detentor das propriedades e goza de prestígio económico (Beauvoir, 1990).

Com a industrialização a posse da terra perde importância em favor da propriedade de meios de produção como as fábricas e as máquinas: torna-se dominante a ideologia do produtivismo (o que não produz é inútil, ao mesmo tempo, com a introdução de novas tecnologias diminui o valor do saber tradicional e o prestígio do que os transmitem). Foi na sociedade urbana industrial que se institucionalizou o limite da idade activa, que marginalizou o trabalhador reformado colocando-o na última fase da sua vida - a velhice, designada terceira idade (Gomes, 2002; Mota et al., 2001, Santos, 2001).

Ao longo dos tempos, as organizações sociais encaram o fenómeno da velhice tendo em vista o bem comum e os interesses gerais das comunidades. Todavia, o bem comum não passa sempre pela consideração e respeito dos mais velhos. As atitudes e comportamentos de algumas populações nómadas podem hoje impressionar-nos. Segundo Summer (citado por Mota et al., 2001), cujo testemunho se situa em finais do século XIX, as atitudes perante os idosos podiam revestir dois aspectos: por um lado, a educação e a tradição inculcavam em respeito tradicional, devido à sua sabedoria e conselhos; por outro lado, os idosos eram considerados como fardos sociais e eram forçados a morrer quer por iniciativa própria, quer nas mãos dos seus parentes.

O envelhecimento, vinculado a um processo individual de vida, surge ligado à própria noção de pessoa que é variável com a sociedade (Mota et al., 2001; Moniz, 2003). Limas e Viegas (1988) argumentam que a noção de pessoa é uma categoria de pensamento produzida em todas as sociedades, que traduz um modelo de relação entre os membros e, simultaneamente, a relação destes com o contexto social em que se inscrevem. Os autores consideram tratar-se de um conceito que cristaliza valores, padrões de comportamento, sistemas morais, costumes e códigos jurídico e religiosos. Em suma, a noção de pessoa é constituída a partir de uma pluralidade de elementos concordantes com a ideologia da sociedade que a elabora. Desta forma, cada sociedade e cultura constroem uma noção de pessoa e, em consequência, também, de envelhecimento e velhice. Assim, é essencialmente através da forma como a sociedade concebe os períodos de vida, de acordo com a ideologia da época que se pode explicar a variabilidade de representações da velhice ao longo da história ocidental.

Limas e Viegas (1988) argumentam que estas representações, não são apenas reflexo de uma ideologia, são conceitos idealmente construídos por cada sociedade e, por isso, expressão das relações sociais subjacentes, enquadradas numa hierarquia de estatutos. A construção social do conceito de velhice tem, assim por base os valores de cada sociedade, concordantes com a hierarquia de posições sociais dos indivíduos na estrutura económica e social.

Podemos, então, conceber que a velhice é socialmente pré-determinada. A imagem que a sociedade tem sobre os idosos, o papel individual que lhe é atribuído na teia social, determinam a forma como os indivíduos envelhecem. A velhice é, então, influenciada pelo

clima económico e social: as vivências dos tempos e, particularmente, a situação económica afectam o estatuto dos idosos assim como o seu processo de envelhecimento.

Nas sociedades orientais e nos países onde a esperança de vida é reduzida, os idosos são vistos como fonte de sabedoria, por isso mais considerados, respeitados e honrados como símbolos da humanidade e dignidade (Gomes, 2002; Mota et al., 2001).

A imagem contemporânea sobre as pessoas idosas na maioria dos países industrializados é a de pessoas que necessitam de cuidados, estão gastos, solitários e pobres. Esta imagem contrasta com a de muitos países subdesenvolvidos, onde se considera que as pessoas idosas possuem sabedoria e atinado julgamento, pelo que são distinguidas e respeitadas.

A sociedade que considera o idoso um ser sem utilidade, uma vez que já não produz, marginaliza-o das suas estruturas e realizações. Tudo está programado sem ter em conta as limitações físicas e psíquicas deste grupo. Exige-se rapidez em todos os actos, na utilização de transportes públicos, no atravessar a rua, nas compras… Além disso, o idoso não é ouvido, pois nada de importante tem a comunicar. Existe, ainda, o perigo de que as pessoas idosas acabem por desenvolver uma atitude em que sintam apenas os aspectos negativos da sua condição. A sociedade pode estar a fornecer aos idosos uma imagem que lhes inibe a percepção de aspectos positivos.

Os meios de comunicação social, também, desempenham um papel na construção da imagem do idoso na sociedade, que tem contribuído de forma importante para a criação de uma imagem negativa da velhice, que raramente corresponde à situação real e global da pessoa idosa. É dada primazia à juventude, em desfavor dos idosos, estes vêem-se desfavorecidos relativamente aos seus valores, dignidade e sentimentos. Esta construção negativa do idoso e da velhice começa desde muito cedo no processo de desenvolvimento individual. A concepção transmitida pelos pais e, mais tarde, pela escola é um factor que contribui de forma decisiva para a formação de um conjunto de estereótipos e preconceitos de difícil alteração face à velhice.

A diversidade cultural do homem ao longo da história mostra-nos que as atitudes perante os idosos nem sempre foram a mesma, as mais correctas ou humanas. Muitas vezes, partimos de um preconceito errado da noção de velhice, que não é mais do que a tradução cultural do envelhecimento, que é um fenómeno natural. É, pois, necessário repensar as atitudes face ao idoso, reflectir e avaliar os valores no sentido de proporcionar

a este grupo etário melhores condições nesta fase da sua vida – envelhecer é uma arte que urge aprender (Gomes, 2002; Mota et al., 2001; Moniz, 2003; Paúl, 1997).

Em resumo, pode-se verificar que os valores e crenças associadas à velhice e ao envelhecimento têm por base a análise dos valores de cada sociedade, concordante com a especificidade da sua organização social. A variabilidade histórica e cultural do conceito de velhice parece ter expressão numa diversidade de valorizações que condicionam e são condicionadas pela posição social do indivíduo. Assim, a construção social do conceito de velhice tem por base os valores de cada sociedade, concordantes com a hierarquia de posições sociais dos indivíduos na estrutura económica e social. Esta construção na grande maioria é negativa, inibindo a percepção de aspectos positivos da velhice. De facto, os valores hoje vigentes na nossa sociedade são à saúde, a beleza, a juventude, sendo negligenciadas a sabedoria e experiências de vida.