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Vantagens e desvantagens da proposta

No documento Três questões sobre a arte contemporânea (páginas 53-57)

1. A ARTE E SU AS “DEFINIÇÕES”

1.2. O mundo da arte

1.2.4. Vantagens e desvantagens da proposta

Inicialmente, é preciso justificar a escolha de trabalhar a definição de arte em Danto por meio do conceito de mundo da arte e não das condições às quais ele discute em “A transfiguração do lugar comum”. Apesar de ter sido o objetivo de Danto explicitar uma definição clássica de arte, o modo como ele o fez acabou por tornar complicado o estabelecimento de uma unidade em relação à suas tentativas23. Então, me propus a delinear

23 A dificuldade de encontrar bibliografia secundária sobre o trabalho do filósofo parece dever-se a duas questões.

A primeira se refere à estrutura argumentativa de seus textos e a segunda à série de afirmações controversas que ele faz durante o processo. A argumentação dos textos de Arthur Danto é elíptica. Ele não desenvolve um argumento utilizando-se da estrutura analítica adotada por grande parte da tradição. Seus argumentos são desenvolvidos através de exemplos, dos quais deve-se extrair suas conclusões. Por causa desses exemplos, vários conceitos são discutidos com o intuito de torná-los mais claros, o que os transforma no objeto de estudo do filósofo, fazendo com que um mesmo conceito seja abordado várias vezes diferentes e alcance definições também diferentes que, no meio da leitura, parecem contraditórias. Poucas vezes o filósofo usa o é da identificação que ele atribui à

como consegui organizar o quebra cabeças expresso pelo filósofo gerando coerência e fazendo jus às conclusões bastante frutíferas alcançadas por ele. Considero o conceito de mundo da arte a única condição suficiente trabalhada por Danto e, consequentemente, a única ferramenta capaz de estabelecer um critério de demarcação para as obras de arte. Em “A transfiguração do lugar comum” ele estabelece apenas condições necessárias. O que terminou por se suceder nas demais tentativas do filósofo. Em seu último livro, ele concluiu que não havia conseguido estabelecer mais que duas condições necessárias, quais sejam: significados incorporados. Logo, dentro de sua teoria o que se justifica como condição suficiente da arte é a essência histórica pressuposta desde seu primeiro texto. A questão é porque Danto não trabalhou o mundo da arte como sua condição suficiente? Porque limitou-se apenas a pressupô-lo em suas análises posteriores?

Acredito que ele não desenvolve a discussão porque percebeu que o mundo da arte se institucionalizava cada vez mais e que ele começava a estabelecer uma linha muito tênue com a Indústria Cultural, do modo como explicitado por Adorno e Horkheimer em “A Dialética do

identificação artística para estruturar seus conceitos, deixando-os abertos o suficiente para serem interpretados de maneira, às vezes, incorreta e incoerente com o objetivo final do trabalho. Em “A transfiguração do lugar comum” Arthur Danto começa afirmando que o objetivo do livro é mostrar condições necessárias e suficientes para a definição de arte, mas a estrutura elíptica de seu discurso faz com que seus poucos intérpretes discordem até sobre quais são essas condições. E o próprio Danto, em seu último livro, afirma que conseguiu apenas estabelecer duas condições necessárias e nenhuma suficiente (2013, p. 37). Um exemplo dessa afirmação é a constante interpretação de seu trabalho dentro do escopo da teoria institucionalista. O filósofo dedica parte do primeiro capítulo de “A Transfiguração do lugar comum” à explicação do porquê de sua teoria não ser institucionalista e qual o problema desse tipo de teoria. Ele foi mal interpretado em seu primeiro artigo, “O Mundo da Arte” e, mesmo tentando reverter a situação em 1981 com a publicação de “A transfiguração do lugar comum” seus críticos parecem não tê-lo compreendido. O verbete sobre “o que é arte” do “A Companion to Aesthetics”, publicado em 2009, trata a filosofia de Arthur Danto como parte da tradição institucionalista de George Dickie, como pode ser visto na seguinte citação: “Entretanto, a mais bem conhecida versão de uma definição institucional, oferecida por Dickie (1974) e desde então modificada, baseia-se na proposta de Danto (1964) de que ser ou não arte é em parte uma função da sua relação com um “mundo da arte.” Dickie concebe o mundo da arte como uma instituição social, em nome da qual certos indivíduos com a autoridade relevante atuam de modo a conferir o estatuto de “candidato a apreciação” a alguns aspectos de certos artefatos, que contam como obras de arte em virtude deste procedimento (DAVIES et all, 2009, 231-233).

Como adendo à segunda característica de seus textos, a série de argumentos controversos utilizados faz com que suas análises sejam coroadas por uma série de “eu acho” e de afirmações que desconsideram toda história da filosofia, bem como os filósofos dessa tradição. Pode-se afirmar que ambos os problemas apontados acima são característicos da filosofia analítica, da qual ele faz parte. Os analíticos têm o intuito de escrever de forma mais livre, para que leitores não oriundos da filosofia sejam capazes de compreender o argumento estruturado e, por isso, toda a discussão metódica e árdua com a tradição não é realizada. Entretanto, não considero que Arthur Danto alcançou satisfatoriamente nenhum desses pressupostos, pois seus textos são de difícil leitura para qualquer pessoa, não apenas para os filósofos, haja vista a dificuldade dos teóricos da arte de trabalharem com eles. E, uma coisa é desconsiderar a tradição de conceitos e argumentos, outra é deturpá-los.

Após essa série de críticas ao trabalho do filósofo faz-se necessário justificar o porquê de ter optado por utilizá-lo como referência principal da tese. Apesar dos argumentos controversos e da argumentação elíptica, as conclusões que Arthur Danto atinge são bastante frutíferas e permitem desenvolver uma discussão adequada e bem sucedida sobre arte contemporânea. Independentemente da argumentação controversa, a estrutura construída é forte e se sustenta. E, é exatamente isso que pretendo mostrar. Entendo a grande maioria dos argumentos controversos utilizados por ele como hipóteses ad hoc. A teoria não necessita deles para existir, ela se sustenta de forma independente.

Esclarecimento”24. E não somente com essa, mas também com a teoria institucionalista de

Dickie. Provavelmente as variadas acusações a respeito de seu institucionalismo agravaram a situação.

Em contrapartida à situação real do mundo da arte, o conceito de Danto funciona em níveis ideais, e permite análises bastante interessantes desse universo. Proponho que ele seja compreendido como um sistema de legitimação em escalas das obras de arte. O processo legitimador pode ser entendido progressivamente, tendo como referência os níveis de publicização da obra de arte dentro do sistema. Isso porque o “é” da identificação é expresso aos poucos, de acordo com o grau de conhecimento da obra. E o conhecimento acompanha o reconhecimento. O que significa que existem vários níveis de legitimação, dependendo do nível de conhecimento do trabalho dentro do mundo da arte. Entendo como níveis de legitimação não um critério valorativo do trabalho, mas o nível de reconhecimento dele como arte. Esse reconhecimento pode vir de seus pares e não necessariamente de uma instituição poderosa. Por exemplo, um artista desconhecido, ao ser reconhecido pelos colegas inicia seu processo de legitimação.

O problema do mundo da arte está na diferença estabelecida por Weitz entre classificação e valoração. Mesmo em níveis ideais esse é um conceito apenas classificatório. O que significa que ele atinge o objetivo dantiano de demarcação de um universo exclusivo da arte, mas não existe uma relação necessária entre o que foi legitimado e sua qualidade artística. Isso se deve, entre outras coisas, ao problema do hiato existente entre discurso estético e produção artística. Um bom exemplo para essa questão são os trabalhos de Romero Brito. Dentro da lógica do mundo da arte eles são considerados como obra de arte. Seu nível de legitimidade é muito alto, visto que seus trabalhos são reconhecidos dentro e fora do Brasil, inclusive por pessoas leigas. Mas isso não faz, de forma alguma, com que eles sejam considerados de qualidade25. Não há nada na teoria de Arthur Danto que permita fazer essa diferenciação.

24O livro da antropóloga Sarah Thornton “Sete dias no mundo da arte” permite a compreensão da dimensão não

apenas pluralista do mundo da arte, mas também de seu lado industrial. O livro é organizado em sete capítulos, cada um a respeito de um viés do mundo da arte atual e fica bastante claro, pela própria opinião dos entrevistados, que academia e mercado se constituem como duas facetas bastantes diversas desse mundo, tão diversas que terminam por construir um abismo entre elas. O livro mostra como, principalmente na última década, a arte se transformou em um mercado de investimentos paralelo ao mercado de ações, com uma lógica muito parecida.

25 Com o objetivo de corroborar com minha análise do trabalho do artista, cito a página do Wikipédia, justamente

por seu caráter de senso comum e pela possibilidade de qualquer pessoa editar seu conteúdo: “Atualmente é um dos mais premiados pintores pernambucanos. Britto alega ter criado suas obras para invocar o espírito de esperança e transmitir uma sensação de aconchego. Suas obras são chamadas, por colecionadores e admiradores, de “arte da cura”. Embora bem-intencionado, os resultados estéticos são bastante discutíveis (isto na opinião de alguns), pois, analisando suas obras com olhar crítico e imparcial, o que encontramos é uma diluição repetitiva e pouco original

Esse exemplo permite perceber o problema do conceito de mundo da arte. Da forma como foi pensado por Danto ele se tornou um conceito deontológico. Estipula uma comunidade bastante democrática e pouco institucionalizada, mas o mundo da arte não é tão bonito e organizado como foi pressuposto. O que existe, na verdade, é um processo legitimador que só se efetiva realmente quando as instituições ou o mercado passam a validar o trabalho do artista. E isso acontece, muitas vezes, por oscilações mercadológicas. Para um jovem artista se tornar conhecido, o que ele precisa é pensar seu trabalho como uma empresa com investimento e marketing para se consolidar no mercado. Então, por mais que Arthur Danto tenha tentado se desvencilhar da etiqueta institucionalista, esse é o modo como o mundo da arte e a sociedade se organizam. A vida cotidiana no mundo contemporâneo é muito institucionalizada em todos os âmbitos, a arte é somente mais um deles. Concordo com Arthur Danto que a teoria institucionalista, da forma como exposta por Dickie, carrega consigo uma pluralidade de defeitos e não deve ser considerada enquanto tal. Mas é necessário pensar o lugar da arte no mercado, pois as instituições se transformaram em avalizadoras de valor financeiro. A figura daqueles que decidem - ou no mínimo influem - o que é considerado como arte, torna-se cada vez mais sólida. Denys Riout afirma que “[t]odos os que hoje são incumbidos de decidir em nome do público o que é e o que não é arte o sabem bem”26 (RIOUT, 2008, p.20). Larry Shiner,

em seu livro “The invention of art,” mostra que o mercado de arte vendendo prazer e diversão está na base da constituição do que ele chama de sistema das artes. Assim como os museus, as escolas de arte, as teorias e o público de arte (SHINER, 2001, cap.5). O que significa que ao contrário do que algumas análises contemporâneas dizem acerca do mercado de arte, sua influência direta naquilo que é apreciado pelo público é característica inerente à própria ideia do mercado. E o mesmo vale para as demais instituições. Em clara ironia a essa situação Jimenez usa a expressão “etiqueté “artiste officiel””27 (JIMENEZ, 2005, p. 10). A ideia de que os artistas têm etiqueta, assim como as marcas de roupa é excelente para enfatizar que o que faz de uma marca uma “etiqueta” é investimento e não, necessariamente, qualidade.

Em contrapartida a essa argumentação, acredito que Danto esteja correto em não considerar as instituições e seu poder de mando e desmando em sua análise, pois levá-las em consideração significa afirmar que não existem critérios para a descrição de uma obra de arte e

dos pressupostos da pop art como preconizados por Andy Warhol e Robert Rauschenberg, aos quais mistura certos cacoetes estilísticos típicos da arte gráfica das histórias em quadrinho”. Disponível em: http://pt.wikipedia.org/wiki/Romero_Britto. Acessado em: 02/05/2012.

26“Tous ceux qui ont aujourd’hui la charge de décider au nom du public ce qui est de l’art et ce qui n’en est pas

le savent bien”.

isso iria de encontro à posição pretendida pelo filósofo. Dessa forma, o conceito de mundo da arte da forma como ele foi pressuposto é uma espécie de utopia irrealizável, ou, como prefiro pensar, uma ferramenta para usar de forma contextualizada.

A partir desse cenário há pelo menos duas possibilidades de se compreender o conceito de mundo da arte: a primeira é entendê-lo de maneira deontológica e fazer as concessões necessárias a qualquer conceito desse tipo quando aplicado ao mundo real; a segunda é percebê- lo da forma institucionalizada como ele acabou se desenvolvendo, mas sem se resumir à afirmação de que tudo que foi legitimado é arte, pois é necessário relativizar o conceito ou esperar o passar do tempo. O Romero Brito é a prova disso. Considero a primeira opção mais adequada à própria estrutura da teoria do filósofo, pois a relativização da definição clássica levaria à impossibilidade de considerá-la enquanto tal.

Desse modo, o mundo da arte pode sim ser utilizado como referência e ele se mostra bastante frutífero na análise do discurso estético, visto que permite pensar a contextualização histórico teórica como um ponto nevrálgico da dificuldade de relação entre público e obra de arte.

No documento Três questões sobre a arte contemporânea (páginas 53-57)