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ARTIGO 2 – ANÁLISE EXPANDIDA DO DESEMPENHO DOS BUROCRATAS DE

5.2. Perspectiva individual

5.2.2. Variáveis cognitivas

No que se refere à subcategoria variáveis cognitivas, foram analisadas a influência das seguintes variáveis: conhecimento e entendimento da política, conhecimento e entendimento da realidade local do público beneficiário, ideias, julgamentos e autointeresse.

O papel do conhecimento e entendimento das políticas públicas são pouco explorados no campo de administração pública (FARIA, 2003; HILL, 2003). Considera- se conhecer a política desde “ter ideia” até “conhecer os objetivos e as diretrizes”. Nessa abrangência, todos os respondentes relataram conhecer o PAA. Todos conheciam as diretrizes e os objetivos da política, fruto das discussões e explanações nas reuniões da comissão. Mas a profundidade do conhecimento e do marco legal da política variava de acordo com a função do burocrata, do interesse na política e do ativismo. As fontes de informação foram, majoritariamente, as pesquisas por conta própria. Entretanto, outras opções apareceram: reuniões da comissão, tarefas de docência, contato com outras instituições e eventos do Ministério da Cidadania (MC).

Quanto ao entendimento dos objetivos, os informantes entendem que o Programa tem dois objetivos principais de acordo com o papel atribuído à instituição: (i) ao exercer

100 papel social, a instituição busca fomentar a agricultura familiar por meio da compra pública do PAA e também possui (ii) papel socioeconômico no desenvolvimento e fortalecimento da economia local e regional por meio do estabelecimento de um circuito curto de comercialização. Foram citados 13 diferentes objetivos que agrupamos em 4 ênfases (Quadro 5). Os objetivos apresentados pelos respondentes estão previstos no modelo lógico da política (SALGADO, 2019, no prelo) corroborando o entendimento do Programa pelos burocratas. Apesar disso, os atores não compartilhavam do mesmo entendimento quanto aos objetivos e, em meio a essa diversidade, percebe-se a interpretação livre e subjetiva da política, a partir do que sugere seu nome e dos diálogos e interações realizadas no âmbito da comissão do PAA.

Quadro 5 – Objetivos do PAA-CI

Objetivos Menções

Foco no papel social da instituição

Comprar alimentos da agricultura familiar local 3

Fomentar a agricultura familiar 3

Valorizar a agricultura familiar 1

Estimular a produção agroecológica e orgânica 1

Valorizar a biodiversidade local 1

Estimular a produção dos agricultores 2

Melhorar a qualidade de vida dos agricultores

Foco no desenvolvimento local/regional

Desenvolver e dinamizar a economia local e regional 1

Valorizar a produção local 1

Foco na segurança alimentar e nutricional

Adquirir alimentos saudáveis e adequados 3

Incentivar a discussão sobre formas alternativas mais saudáveis de produção e consumo de alimentos

1

Incentivar a alimentação adequada 1

Foco na gestão

Desburocratizar o processo de compras por órgãos governamentais 1 Fonte: Elaborado pelo autor, 2020.

Apesar de não ser mencionada na literatura, a variável conhecimento e entendimento do contexto local do público beneficiário surgiu na análise pelo Atlas.ti. Assim, entendemos que a efetividade da implementação perpassa pelo conhecimento da política por parte dos burocratas de nível de rua, mas também da realidade local de onde será implementada. Constatamos que a maior preocupação foi entender a capacidade produtiva e o nível de organização dos agricultores familiares na região onde as universidades estavam instaladas. Esta variável é importante pois representou uma das principais atividades desempenhadas pelos burocratas (Quadro 3) e impacta na sua efetividade. Esta variável é um achado desta pesquisa ainda não evidenciado pela

101 literatura dos burocratas de nível de rua. A preocupação com a organização dos agricultores familiares está relacionada à restrita organização dos agricultores familiares em cooperativas e associações, fator contextual desfavorável previsto no modelo lógico da política (SALGADO, 2020a). A restrita articulação entre os agricultores, principalmente nas regiões rurais mais pobres, caso do Nordeste e Norte do País, além de não propiciar os benefícios advindos do associativismo, pode inviabilizar o fornecimento aos órgãos compradores, que têm priorizado a compra de associações e cooperativas (SALGADO, 2020b). Portanto, conhecer o território, os sujeitos e as organizações é passo fundamental para compreender melhor o contexto onde a política será implementada e tomar decisões fundamentadas. A falta de interação entre o plano de elaboração da política, realizado em Brasília, e a realidade dos órgãos locais e do contexto local da agricultura familiar implica na adaptação da política e nas suas reformulações. Ademais, diferente das políticas de saúde e educação, o PAA possui como clientes tantos os consumidores dos alimentos quanto os fornecedores, demandando estratégias inovadoras para mapear e sistematizar suas características. As citações abaixo são ilustrativas da importância desta variável para o processo de implementação e tomada de decisão dos burocratas.

Para a gente, eu acho que no inicio foi mais impactante, por que a gente nunca tinha feito isso. Então tinha muitos receios. Se isso ia dar certo, se eles iam atender a nossa demanda. Acho que era muito... A gente foi com muito preconceito em relação ao medo de não atender as nossas expectativas. Acho que primeiro, por que a gente achava que não ia dar conta do volume de produção. Com o passar do tempo, com o conhecimento. Com a gente se envolvendo mais no processo, eu percebi que: eles tem demanda para atender. Num passo em nenhum momento da gente pedir e não ter (UFRN 4).

Então era muito novo pra gente, entendeu tudo. Então, você vai comprar uma tonelada ou você compra 100 toneladas. Era não saber o que a região produzia, a gente não ideia, a Emater não tinha essa ideia. Então, como é que a gente podia fazer? Porque você faz planejamento de cardápio, você não pensa “Ah, amanhã vou servir no almoço carne com batata”. Não é assim né, você tem que ter um planejamento anual. Como você faz um planejamento se você não sabe o que é produzido. Acaba, as vezes, sendo um planejamento e depois na hora que chegava alguma coisa a gente tentava melhorar, adaptar. Mas isso é ruim (UFV 7).

Eu acho que um erro da política, como de quase todas elas, é que as pessoas tem boas ideias. Ideias do coração eu acho, entendeu? Muito associadas a suas ideologias, que que eles acham que vai ser bom para a sociedade. E eles fazem uma lei, para um País desse tamanho, heterogêneo do jeito que é, sem conhecer minimamente a realidade das instituições que vão ter que se adequar aquilo ali. Esse é o problema. Não acho que é de má fé, não acho que é problema, não acho que feito com má vontade, eu acho que é um problemão isso para o RU (UFV 8).

A ausência de interação entre gestores do PAA-CI e potenciais beneficiários fornecedores é um fator contextual desfavorável previsto no modelo lógico da política

102 (SALGADO, 2020b, no prelo), que pode influenciar na efetividade das compras ao não permitir a articulação entre produção e consumo. Ao não conhecer a realidade produtiva da agricultura familiar no município ou região, os gestores tenderão a elaborar cardápios e chamadas públicas desconectadas da realidade agrícola da agricultura familiar local, bem como desconsiderar aspectos da sazonalidade de produtos e da prática de preços, comprometendo benefícios como a valorização da cultura local e a diversificação produtiva e até inviabilizando a compra da agricultura familiar, achados relatados por Salgado (2020a, no prelo).

Apesar do conhecimento da realidade produtiva local ser importante para a tomada de decisão, os burocratas não deveriam se apoiar nesta justificativa para a descontinuidade do Programa, como verificamos na UFV. Resultado semelhante foi encontrado na Universidade Federal de Pelotas. Sodré e Salamoni (2016) constataram que, ao associar os principais problemas do PAA à limitações territoriais de fornecimento, os gestores aderem ao que Edgar Morin (2000) chama de lógica “self-deception”, que se refere à propensão humana a eximir-se de responder por suas falhas ou a encontrar subterfúgios que justifiquem esses erros, imputando aos outros a responsabilidade por problemas, erros ou insucessos (SODRÉ; SALAMONI, 2016).

A análise das ideias nas políticas públicas tem sido mais utilizada na elaboração e buscam verificar as ideias que deram origem a esses Programas, os atores que as construíram, a negociação de ideias e interesses entre os atores e a institucionalização das ideias em políticas públicas (GRISA, 2012). As ideias podem ser definidas, por exemplo, como afirmação de valores, podem especificar relações causais, podem ser soluções para problemas públicos, símbolos e imagens que expressam identidades públicas e privadas, bem como concepções de mundo e ideologias (JOHN, 1999). Conforme Grisa (2012), o PAA em âmbito nacional surgiu a partir de uma comunidade de política pública integradas por atores oriundos de fórum da segurança alimentar e nutricional, agroecológico e científico.

O fórum de construção das ideias da implementação do PAA-CI foram as comissões criadas em cada universidade. Conforme já referido, a comissão reunia gestores ligados a três diferentes áreas que refletem suas ideias e interesses: agricultura familiar – papel social da instituição no desenvolvimento local e no fomento da agricultura familiar; segurança alimentar e nutricional/agroecologia – fornecimento de alimentação saudável e adequada; e compras públicas – cumprir a legislação (visão mais racional/organizacional). Nesse fórum é que as ideias são concatenadas para implementar

103 a política e é onde surgem os interesses e conflitos entre os atores de acordo com suas visões.

Devido a relações de poder assimétricas determinados atores ou grupos sociais podem ter sido impedidos ou não conseguiram dar visibilidade as suas interpretações sobre o mundo e a política pública em foco (GRISA, 2012), conforme falas abaixo.

Você entende? Então, para mim, isso é o posicionamento contrário. A hegemonia ela vai trazer a regra, o padrão, a boa pratica. Ela traz isso para dizer “Oh essa política é muito bacana, mas ela não se enquadra. Ela cria dificuldades. Requer capacitação, tem que mudar não sei o que”. Então o que que você vai desenvolvendo nesse processo né. O contra hegemônico gera frustação “Nunca vamos conseguir”. Essa frustação vai sendo construída no cansaço contidiano (UFV 5).

Eu perguntei ao líder do grupo aqui na universidade e ele disse que ele não tinha essa nota de remessa. Quando eu disse assim “Você não está cumprindo a resolução, você não pode fornecer”. Fui voto vencido, porque estava a nutricionista e a diretora da chamada aqui na instituição e a UFRN 4 disse “Isso aí não me interessa, do ponto de vista legal. O importante é que o produto chegue”. E aí a técnica lá da chamada disse que não podia fazer essa restrição porque não havia previsto na chamada, não havia dito isso na chamada (UFRN 9).

Apesar de depender da “janela de oportunidade” (KINGDON, 2014) criada no ambiente institucional, a implementação também depende de fatores cognitivos como o interesse dos burocratas e das instituições. A criação da modalidade Compra Institucional e posterior obrigatoriedade de comprar de produtos da 30% da agricultura familiar permitiu que atores motivados pelo papel social das universidades e pela necessidade de fornecimento de alimentos mais saudáveis e adequados aos estudantes vislumbrassem a oportunidade de implementar a compra de alimentos dos agricultores familiares locais por meio do PAA-CI. A construção dessas ideias sobre a política se deu a partir da interação de professores com os agricultores e no ambiente acadêmico com alunos locais. Nos dois cenários verificamos o importante papel do empreendedor de políticas públicas, da posição hierárquica desses atores e do voluntarismo dos burocratas na implementação de políticas públicas, conforme trechos abaixo.

A minha perspectiva é de que a gestão universitária, a administração da universidade naquele momento, na minha perspectiva, tinha duas preocupações muito fortes: uma com a agricultura familiar da região, com essa inclusão, com essa perspectiva da UFV também gerar desenvolvimento, inclusão e etc. Tinha uma perspectiva muito clara, tanto da Pró-Reitoria de Assuntos Comunitários, como também da Reitoria, de pensar na região, na agricultura familiar e etc (UFV 1).

Foi, foi assim, teve uns professores que estavam envolvidos com o Professor UFRN 9, nos questionando como é que a gente, se a gente tava estudando, se a gente tava vendo a questão da agricultura familiar. E teve os diretores das escolas técnicas, por exemplo, do NEI (Núcleo de Educação Infantil) e a Escola Agrícola de Jundiai que eles recebiam recursos do MEC [PNAE] onde

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eles deviam gastar exclusivamente voltados para agricultura familiar. Eles tinham que demonstrar na prestação de contas que estavam gastando parte daquele orçamento realmente com a agricultura familiar, na prestação de contas. Então, foram esses professores, esses diretores de escolas técnicas que recebiam recursos e o Professor UFRN 9 que também trabalha voltado para o cooperativismo, para a agricultura familiar, que impulsionou mais diretamente a gente a aprofundar essa questão (UFRN 6).

Apesar de haver uma defesa generalizada do PAA, isso fazia parte de discursos individuais sem referência a um grupo mais amplo e heterogêneo de atores cuja referência primária fosse o compartilhamento de um projeto setorial. Disso resultou que a política do PAA sofreu descontinuidade na UFV, por exemplo, apresentando fragilidade institucional.

Outro fator que influencia o comportamento dos burocratas e que contribui para o desempenho da política é o apoio institucional, traduzido no apoio do alto escalão das instituições. Os diálogos dos atores deixam claro que o apoio político da administração superior é fundamental para expandir as compras e incentivar e fiscalizar a execução. Outras variáveis condicionadas ao apoio da alta administração são as condições organizacionais e os incentivos extrínsecos e intrínsecos. Os trechos abaixo ilustram essa constatação.

O termo que eu acho que vai influenciar é decisão institucional. A universidade decidiu que ela ia sair a frente, que ela ia seguir a legislação e que ela tinha essa obrigação social. Ela como instituição ela decidiu que ela estaria fazendo isso, cumprindo isso. Não só pela parte legal, como você disse, está para todos, mas pela parte social. A gestão da UFRN, eu acho que ela vê muito isso, ela tem muito essa vontade institucional de se envolver com essa questão social. E isso para mim foi o que foi o marco (UFRN 4).

Então a própria instituição não estimulou as reuniões, não chamou as reuniões. Não se fez presente. Eu lembro de algumas reuniões, eu não citar aqui porque pode ser falha de memória, Pró-reitor, duas reuniões, dois pró-reitores sentados na mesa conversando sobre o Programa. Na quinta reunião a gente só tinha o pessoal da DMT, você entende? Eu acho que isso revela de alguma maneira que a própria instituição ela não deu peso, não enfatizou, não empoderou essa comissão para que se sentisse “Temos a instituição nos apoiando, então a gente vai atrás” (UFRN 5).

A variável julgamento buscou verificar a percepção dos gestores quanto ao ambiente que os cerca, entendendo que o acesso à informação é incompleto e envolve a integração de um conjunto de variáveis percebidas (BREHMER; BREHMER, 1988). A visão que os burocratas tinham sobre a agricultura familiar estava fortemente relacionada a (ine) experiência pessoal com essa categoria social, principalmente os gestores das UANs e da Diretoria de Materiais que julgavam que os agricultores plantavam apenas para subsistência, que não eram organizados e que não teriam condições de fornecer na quantidade e qualidade demandadas. Portanto, essa visão parte do desconhecimento da realidade da agricultura familiar, aspecto já abordado anteriormente. O contato com a

105 agricultura familiar, a partir do PAA, e com os professores da comissão contribuíram para mitigar estas inquietações, dotando-os de conhecimento sobre os objetivos da política, e alterando a percepção e decisões dos gestores na direção do atendimento aos objetivos sociais da política e fomento da agricultura familiar, além de incrementar a variedade e quantidade de produtos demandados. As citações abaixo são ilustrativas.

Depende, por que pensa que eu sou a pessoa que no primeiro momento não tinha muita clareza do que era de fato a agricultura familiar. E aí foi um tapa na cara, por que eu achava que os agricultores eram desprofissionalizados, quando na verdade eles estavam muito bem organizados, com transporte, fardamento, logística, e-mail, nota fiscal, tudo que um fornecedor do CEASA tinha eles também tinham (UFRN 7).

Vou me remeter, eu achava que era algo bem mais discreto [...]. Eu achava que era algo bem mais discreto, discreto em tamanho. Eu achava que se limitava aquela produção que iria para a feirinha semanal no município, alguma coisa nesse sentido. Mas, a partir do momento que eu vim aqui para a UFV. Como eu te disse anteriormente, eu comecei a ver o mundo, eu vi que o potencial deles é muito maior (UFV 6).

Essa visão da agricultura familiar parte da própria visão hegemônica disseminada dentro das instituições, que consideram uma agricultura eficiente aquela profissionalizada e intensiva na utilização de tecnologias (insumos químicos, sementes e máquinas). Desta forma, esta visão da agricultura familiar como algo desarticulado e ineficiente pode ser apontado como um dos motivos para a dificuldade de implementação na UFV, uma vez que a principal dificuldade mencionada pelos gestores foi a falta de informação sobre a capacidade produtiva e de logística da agricultura familiar da região.

Não é que não tenha dado em nada, mas o potencial todo que a gente verifica. Quando ele entra em uma instituição como a nossa, não pode se desconsiderar isso. O que é a UFV? Então sempre tem um peso muito grande contrário a qualquer ideia, ação, perspectiva de se trabalhar com a agricultura familiar, o tema do desenvolvimento rural, com compras institucionais. Então, a resistência ela está em vários âmbitos. Então, o pessoal do departamento de compras vinha com o argumento técnico “Então, esses agricultores, eles são de uma associação? Tem CNPJ? Vão emitir nota fiscal? Porque se não tiver não dá.”. O RU “E esse produto, é de qualidade X, é o tamanho tal, porque se chegar um feijão que foi aquele comprado e que está todo, ou tem que tratar antes, tem que limpar, não serve porque o que a gente compra não sei onde já vem mais ou menos pronto para jogar na panela”. Você entende? Então é uma instituição em que a racionalização técnica de todos os procedimentos é o ponto de partida. Então se é para trabalhar com agricultores que estão desorganizados, analfabetos ou sei lá o que. Não, porque a gente sempre tem uma alternativa melhor, que é o fornecer A, B ou C que nos entrega o produto da forma que a gente quer (UFV 5).

Apesar dos trabalhos serem estruturados por regras e procedimentos, a assimetria informacional levou os burocratas a tomarem decisões iniciais baseadas em suas crenças e em seus sistemas de valores, tal como afirma Maynard-Moody e Musheno (2003), indicando a coexistência da obediência à lei e a obediência cultural. Resultado diferente foi encontrado por Ferreira (2016) na implementação do PIAF, outra política social

106 vinculada ao MC, os autores constaram que no âmbito desse Programa, com forte regulação por parte do governo federal, as normas tinham expressiva influência no comportamento dos burocratas. Constatamos que a obrigatoriedade legal não limita as decisões dos burocratas, dada a autonomia sobre suas decisões e ações na implementação das políticas, mas induzem seus integrantes a atitudes e sentimentos próprios, de forma a criar valores cognitivos que são difundidos por meio de processos institucionais (THOENIG, 2010).

Parte da literatura observa esses conflitos por meio do modelo agente/principal (MEIER; O’TOOLE, 2006). Os conflitos dos agentes de rua são centrados em três pontos: i) conflitos entre as metas orientadas aos clientes e as metas com foco no social ou coletivo; ii) conflito entre as metas orientadas aos clientes e as metas organizacionais; iii) conflitos entre as metas e expectativas dos papeis (LIPSKY, 2019). Com relação a esses conflitos, observamos no âmbito na comissão do PAA que existiam conflitos entre (i) orientar a política aos clientes consumidores dos alimentos ou aos agricultores familiares cujo foco social ou coletivo; (ii) conflito entre os atores relacionadas às práticas irregulares cometidas pelos vencedores, os burocratas enfatizavam a dificuldade de realizar fiscalização, priorizando metas organizacionais, ou seja, criando processos de rotinização e tratamento coletivo das questões; (iii) conforme já evidenciado, os burocratas tinham expectativa sobre o mal desempenho da compra da agricultura familiar devido ao desconhecimento da capacidade produtiva, de logística e de distribuição dos agricultores locais/regionais e viam a agricultura familiar como “plantadores de alface”. As citações a seguir são ilustrativas.

A universidade, essa é a visão que eu tenho. Toda a discussão confluía para “Não podemos colocar em risco a capacidade do RU fornecer alimento de qualidade porque o nosso RU é reconhecimento no Brasil como o melhor RU do caramba a quatro”. Eu lembro disso, porque eu ficava pensando “Putz, eu tô pensando no agricultor. E tá certo, o cara lá do RU, o Pró-Reitor está pensando na qualidade do serviço” (UFV 5).

Porque, por exemplo, isso aí eu levei, esse ponto da ilegalidade de estar processando produto numa unidade de agricultores que não produzem. E a outra de uma unidade de processamento de estar processando produto de agricultores familiares sem o devido transmite legal da nota de remessa, que

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