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3 MÉTODOS E TÉCNICAS DE PESQUISA

3.3 Variável Dependente: a Accountability

Como já observado, a accountability é um conceito cujos contornos são bastante imprecisos; no entanto, há certo consenso de que se refere, basicamente, ao controle e à fiscalização dos agentes públicos. De acordo com o enunciado no segundo capítulo desse trabalho,38 adota-se aqui uma noção de accountability bastante abrangente que compreende todos os mecanismos de controle e fiscalização do poder público, institucionais ou não-institucionais. Porém, também se salientou que, diferentemente da literatura que associa de modo automático transparência das informações governamentais à prestação de contas e à accountability; no âmbito desse trabalho, relaciona-se transparência apenas à prestação de contas ou answerability, nos termos de Elster (1999) e não necessariamente a responsabilização dos agentes públicos (governantes ou burocratas). Ou seja, entende-se que a transparência seja uma condição necessária, porém não suficiente para a responsabilização das autoridades e organizações públicas.

Pois, entende-se que a transparência governamental é uma condição sine qua non para o funcionamento dos mecanismos de responsabilização, já que estes mecanismos de controle e fiscalização são fortemente condicionados pela transparência e pela visibilidade das ações do poder público. Como salientou com exatidão Norberto Bobbio

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Como o governo poderia ser controlado se se mantivesse escondido? (BOBBIO, 1992: 87; apud ABRUCUIO e LOUREIRO, 2005: 84). Contudo, embora se afigure como uma condição necessária, a transparência dos atos públicos não é por si só suficiente para assegurar a responsabilização dos governantes e burocratas por seus atos e omissões no exercício do poder público. Para tanto, fazem-se necessários, como se destacou anteriormente, mecanismos capazes de imputar sanções aos ocupantes de cargos públicos, mesmo que, indiretamente, via Poder Judiciário.

Com base na discussão precedente, percebe-se que se decidiu no presente trabalho por uma operacionalização da accountability em duas dimensões distintas e complementares, a saber: (i) transparência dos atos governamentais ou a difusão da informação gerada com base nas avaliações condição necessária e, (ii) a ativação de mecanismos de responsabilização política dos agentes públicos condição suficiente. Essa operacionalização bidimensional da accountability visa verificar a publicização e a visibilidade que as informações procedentes dos sistemas de avaliação vêm alcançando, também como, os grupos que tem se apropriado de tais informações e o como isso tem impactado o curso de ação desses grupos. E, por outro lado, possibilita o exame da efetivação ou do aprimoramento dos mecanismos de prestação de contas e responsabilização dos agentes públicos que respondem pela política de educação básica de São Paulo e pelo programa de DST/AIDS.

Fica claro a partir da leitura das seções iniciais do trabalho, que se adotou aqui uma perspectiva orientada pela teoria da agência na análise das relações entre políticos, burocratas e cidadãos ou usuários39. Com base na investigação de Przeworski (1998) e

Przeworski e colaboradores (1999), argumentou-se que a difusão de informações decorrentes da avaliação de políticas e programas públicos pode se constituir num importante mecanismo para minorar o problema da assimetria de informações que permeia a relação de políticos e burocratas ou a de cidadãos e políticos. Contudo, a literatura analisada40, aparentemente, não dedicou muita atenção a dois outros tipos de

relações que se percebem na gestão pública, especialmente, na gestão das políticas

39 Sobre este tópico consultar a seção Do Controle de Políticos e Burocratas

40 Apesar de a presente análise focalizar-se em autores que se baseiam na perspectiva principal

agente , tão pouco outros autores que adotam diferentes abordagens teóricas parecem dar destaque às formas de controle e fiscalização que permeiam as relações entre cidadãos e burocratas ou entre os diferentes níveis e esferas burocráticas. Talvez uma exceção digna de nota seja Michael Barzelay (2001).

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sociais; e que se mostraram de grande relevância nos casos da política de educação básica e do programa de DST/AIDS do estado de São Paulo. Refere-se aqui às relações entre os cidadãos ou usuários desses serviços e os burocratas responsáveis por sua gestão e as relações entre diferentes níveis da burocracia ou entre burocratas de diferentes esferas de governo.

No caso do SARESP, como se verá adiante com mais detalhes, embora a implantação do sistema de avaliação tenha afetado apenas marginalmente as relações entre os cidadãos (ou mais especificamente, entre as famílias dos alunos) e os representantes políticos responsáveis pelas políticas de educação básica no estado de São Paulo; nota- se que as relações entre o representante político (no caso, o secretario estadual de educação) e os professores e diretores das escolas avaliadas foi modificada consideravelmente, no sentido de prover o secretário estadual de educação e seu auxiliares de informações sobre o desempenho de cada uma das escolas do estado e constituir-se, assim num mecanismo efetivo de controle e fiscalização do desempenho da burocracia.

Entretanto, é importante também salientar que a relação de entre a Fundação para o Desenvolvimento da Educação (FDE), órgão executor da SEE, e as escolas (ou seus diretores e professores) também foi modificada sobremaneira, não apenas no sentido de funcionar como um instrumento de controle, mas, especialmente, no de subsidiar à tomada de decisões informada e, assim, agregar mais legitimidade às medidas propostas e implementadas pelo órgão.

Já no caso do programa estadual de DST/AIDS, a implantação do SMA alterou não apenas as relações entre as associações de usuários e os representantes políticos responsáveis pelo programa, mas, sobretudo as relações entre essas associações e a burocracia responsável por sua gestão. Mas também as relações entre as burocracias do Ministério da Saúde, do programa estadual e dos programas municipais do estado de São Paulo, como será analisado no próximo capítulo com mais vagar.

Enfim, neste trabalho procurou-se examinar não apenas como as relações entre cidadãos e políticos ou burocratas e políticos foram modificadas pela introdução dos sistemas de avaliação; mas também, como o estabelecimento desses sistemas alterou as relações

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entre os cidadãos e a burocracia responsável pelas políticas avaliadas e a relação entre os diferentes níveis da burocracia ou entre burocratas de diferentes esferas governamentais envolvidos na política de educação básica e no programa de DST/AIDS no estado de São Paulo.