2.5 Integra¸c˜ao das Formas F´ormula de Stokes
2.5.3 Variedades com bordo
Considere o semi-espa¸co fechado superior Hn
+ em IRn: H+n def= {(x1, · · · , xn) ∈ IRn : xn≥ 0} O interior de Hn + ´e: Int Hn += {(x1, · · · , xn) ∈ IRn: xn> 0} e o bordo de Hn + ´e: ∂H+n = H+n − Int H+n = {(x1, · · · , xn) ∈ IRn: xn= 0} ´ E claro que Hn
+ n˜ao ´e uma subvariedade de IRn. No entanto, quer Int H+n quer ∂H+n
Dado um aberto U ⊆ Hn
+ (i.e., U = V ∩ H+n para algum aberto V de IRn), definimos
o seu interior: Int U = U ∩ Int Hn + e o seu bordo: ∂U = U ∩ ∂Hn +
Note que o bordo de U n˜ao ´e a fronteira de U (por exemplo, U =]0, 1[×[0, 1[⊂ H2 +). No
entanto, quer Int U quer ∂U s˜ao subvariedades de dimens˜oes n e n − 1, como abertos de Int Hn
+ e ∂H+n, respectivamente.
♣ Defini¸c˜ao 2.12 ... Uma “variedade com bordo” (real) M de dimens˜ao n, ´e
um espa¸co Haussdorff com uma base numer´avel, que ´e localmente homeomorfo ao espa¸co Hn
+, i.e., cada ponto p ∈ M admite uma vizinhan¸ca aberta U ⊆ M homeomorfa a um
aberto de Hn
+, atrav´es de um homeomorfismo ϕ : U → U0 ⊂ H+n, sobre um aberto U0 de
Hn
+.
Exemplos ... (i). M = Hn
+. Mais geralmente, qualquer aberto de H+n.
(ii). A bola fechada Bn def= {x ∈ IRn : kxk2 ≤ 1}. O hipercubo fechado Cn = {x =
(x1, · · · , xn) ∈ IRn: |xi| ≤ 1, i = 1, · · · , n}.
(iii). A tira de Moebius M = [−1, 1]2/{(x,y)∼(x,−y)}.
(iv). O “cilindro” M × [0, 1] onde M ´e uma variedade ordin´aria.
♣ Proposi¸c˜ao 2.9 ... Seja M uma variedade com bordo e x ∈ M. Sejam ϕ : U →
U0 ⊂ Hn
+ e ψ : V → V0 ⊂ H+n duas cartas locais de M, com U0, V0 abertos de H+n, tais
que x ∈ U0∩ V0. Ent˜ao:
ϕ(x) ∈ ∂U0 ⇐⇒ ψ(x) ∈ ∂V0
Esta proposi¸c˜ao permite dar sentido `as seguintes defini¸c˜oes:
♣ Defini¸c˜ao 2.13 ... Seja M uma variedade com bordo. Define-se o bordo de M
como sendo o conjunto dos pontos x ∈ M para os quais existe uma carta local ϕ : U → U0 ⊂ Hn
+, com x ∈ U e ϕ(x) ∈ ∂U0. O interior de M ´e:
Exemplos ... (i). ∂Bn= ∂{x ∈ IRn: kxk2≤ 1} = SSn−1.
(ii). ∂Cn= ∂{x = (x1, · · · , xn) ∈ IRn: |xi| ≤ 1, i = 1, · · · , n} = {x ∈ IRn: |xi| = ±1}.
(iii). O bordo da tira de Moebius M = [−1, 1]2/
{(x,y)∼(x,−y)} ´e homeomorfo ao c´ırculo SS1.
(iv). O bordo do “cilindro” M × [0, 1], onde M ´e uma variedade ordin´aria, ´e M × {0, 1}. (v). O bordo de uma variedade ordin´aria ´e vazio.
♣ Proposi¸c˜ao 2.10 ... Seja M uma variedade com bordo, de dimens˜ao n. Ent˜ao Int M = M ∂M ´e uma variedade (ordin´aria, sem bordo) de dimens˜ao n e ∂M ´e uma
variedade (ordin´aria, sem bordo) de dimens˜ao n − 1.
Seja f : U → IRp uma aplica¸c˜ao definida num aberto U de Hn
+. Diz-se que f ´e
diferenci´avel (de classe C∞) em x ∈ U, se existir uma aplica¸c˜ao g : V
x → IRp de classe
C∞, definida num aberto V
x de IRn, que ´e diferenci´avel em x e tal que f |U ∩Vx = g|U ∩Vx. Neste caso pˆomos por defini¸c˜ao dfx = dgx. ´E f´acil ver que de facto esta defini¸c˜ao faz
sentido.
♣ Defini¸c˜ao 2.14 ... Uma “estrutura diferenci´avel” (real) de classe C∞ numa
variedade com bordo M, de dimens˜ao n, ´e um atlas maximal de cartas locais F = {ϕα :
Uα → Uα0 ⊆ H+n}α∈A, C∞-compat´ıveis, isto ´e que satisfazem as condi¸c˜oes seguintes:
• Sα Uα = M
• Sempre que Uα∩ Uβ 6= ∅, a fun¸c˜ao:
ϕβα def
= ϕβ ◦ ϕ−1α : ϕα(Uα∩ Uβ) −→ ϕβ(Uα∩ Uβ)
´e de classe C∞.
• A colec¸c˜ao F ´e maximal relativamente `a condi¸c˜ao anterior, i.e., se (U, ϕ) ´e uma carta local tal que ϕ◦ϕ−1
α e ϕα◦ϕ−1 (quando definidas) s˜ao de classe C∞, ∀α, ent˜ao
(U, ϕ) ∈ F.
♣ Defini¸c˜ao 2.15 ... Uma “Variedade diferenci´avel com bordo” de classe C∞
´e um par (M, F) onde M ´e uma variedade com bordo, de dimens˜ao n, munida de uma estrutura diferenci´avel (real) de classe C∞, definida por um atlas maximal F em M.
Se M ´e uma variedade diferenci´avel com bordo, ent˜ao Int M e ∂M s˜ao variedades diferenci´aveis ordin´arias de dimens˜oes n e n − 1, respectivamente.
♣ Proposi¸c˜ao 2.11 ... Seja M ´e uma variedade diferenci´avel orient´avel com bordo.
Demonstra¸c˜ao...
• Observe que um difeomorfismo:
φ = (φ1, · · · , φn) : IRn−→ IRn
tal que φ(Hn
+) ⊆ H+n e φ(IRn−1) ⊆ IRn−1, onde IRn−1 ∼= IRn−1 × {0} ⊂ IRn, isto ´e,
φn(x1, · · · , xn) ≥ 0, sempre que xn ≥ 0, e φn(x1, · · · , xn−1, 0) = 0, satisfaz, ∀i : 1 ≤ i ≤ n − 1: ∂φn ∂xi(x1, · · · , xn−1, 0) = 0 e: ∂φn ∂xn(x 1, · · · , xn−1, 0) > 0
∀(x1, · · · , xn−1) ∈ IRn−1. Portanto o determinante da matriz Jacobiana de φ e o deter-
minante da matriz Jacobiana da restri¸c˜ao de φ a IRn−1 (ambos n˜ao nulos), tˆem o mesmo sinal em todo o ponto de IRn−1.
Conclu´ımos ent˜ao que, se todas as mudan¸cas de cartas no atlas de M tˆem determinantes Jacobianos sempre positivos, o mesmo acontece para as cartas do atlas induzido em ∂M .
¤
Para deduzir uma orienta¸c˜ao para ∂M , a partir da orienta¸c˜ao dada em M,´e usual seguir a seguinte conven¸c˜ao: a forma volume usual em IRn, dx1 ∧ · · · ∧ dxn, define a
orienta¸c˜ao em Int Hn
+ e em H+n, mas usamos a forma:
(−1)ndx1∧ · · · ∧ dxn−1
para definir uma orienta¸c˜ao no bordo ∂Hn
+ = IRn−1× {0}.
Consideremos agora uma variedade diferenci´avel M, de dimens˜ao n, orient´avel com bordo ∂M , e uma (n − 1)-forma diferencial com suporte compacto:
ω ∈ Ωn−1
c (M)
• Calculemos dω ∈ Ωn
c(M), e integremos sobre M, obtendo:
Z
M
dω
• Munindo ∂M com a orienta¸c˜ao induzida, calculemos i∗ω ∈ Ωn−1
c (∂M ), onde i :
∂M ,→ M ´e a inclus˜ao can´onica, e integremos sobre ∂M, para obter:
Z
∂M
i∗ω
O facto essencial ´e que estes dois integrais coincidem!
♣ Teorema 2.11 Teorema de Stokes... Nas condi¸c˜oes atr´as referidas tem-se que:
R
M dω =
R
Demonstra¸c˜ao...
• Como os integrais foram definidos atrav´es de parti¸c˜oes da unidade subordinadas a um
atlas, e como ambos os membros de (2.5.8) s˜ao lineares em ω, podemos supˆor, sem qualquer perda de generalidade, que M = U ⊆ Hn
+ ´e um aberto de H+n, e que ω ∈ Ωn−1c (U ). • Neste caso ∂U = U ∩ IRn−1× {0}, e a inclus˜ao i : ∂U ,→ U ´e dada por:
i(y1, · · · , yn−1) = (x1, · · · , xn−1, 0)
de tal forma que:
i∗(dxk) = dyk, k = 1, · · · , n − 1 i∗(dxn) = 0
Portanto, dada uma (n − 1)-forma ω de suporte compacto em M = U ⊆ Hn
+: ω = n X k=1 fkdx1∧ · · · ∧ ddxk∧ · · · ∧ dxn ∈ Ωn−1 c (H+n) tem-se que: i∗(ω) = gndy1∧ · · · ∧ dyn−1 ∈ Ωn−1c (∂H+n) onde gn= i∗fn´e a fun¸c˜ao gn: IRn−1 → IR dada por:
gn(y1, · · · , yn−1) = fn(y1, · · · , yn−1, 0) e ainda: dω = ³Xn k=1 (−1)k+1∂fk ∂xk ´ dx1∧ · · · ∧ dxn ∈ Ωnc(U )
• O primeiro membro de (2.5.8) ´e ent˜ao igual a:
Z M dω = n X k=1 (−1)k+1 Z IRn ∂fk ∂xkdx1· · · dxn (2.5.9)
Temos agora dois casos para considerar: ∂U = ∅ ou ∂U 6= ∅.
– Se ∂U = ∅, ent˜ao R∂U i∗ω = 0. Por outro lado, integrando o k-termo da soma que
ocorre no segundo membro de (2.5.9), obtemos: Z IRn−1 ³ Z IR ∂fk ∂xkdx k´dx1· · · ddxk· · · dxn eR−∞+∞ ∂fk
∂xkdxk = 0 j´a que fktem suporte compacto. Portanto
R
Udω = 0 e o teorema
est´a provado neste caso.
– Se ∂U 6= ∅ podemos proceder como anteriormente para cada termo da soma que ocorre no segundo membro de (2.5.9) com excep¸c˜ao do ´ultimo, que, em virtude do teorema fundamental do c´alculo, ´e igual a:
Z IRn−1 ³ Z +∞ 0 ∂fn ∂xndxn ´ dx1· · · dxn−1= − Z IRn−1 fn(x 1, · · · , xn−1, 0) dx1· · · dxn−1
j´a que fn tem suporte compacto. Portanto: Z U dω = (−1)n Z IRn−1 fn(x 1, · · · , xn−1, 0) dx1· · · dxn−1
Por outro lado: Z ∂U i∗ω = Z ∂Hn + i∗ω = Z ∂Hn + fn(y1, · · · , yn−1, 0)dy1∧ · · · ∧ dyn−1
Como a orienta¸c˜ao induzida no bordo ´e definida por (−1)ndy1∧ · · · ∧ dyn−1, vem
finalmente que: Z ∂U i∗ω = Z ∂Hn + i∗ω = Z ∂Hn + fn(y1, · · · , yn−1, 0)dy1∧ · · · ∧ dyn−1 = (−1)n Z IRn−1 fn(y 1, · · · , yn−1, 0)dy1· · · dyn−1
¤
Note que quando ∂M = ∅, o teorema de Stokes afirma que: R
M dω = 0, ∀ω ∈ Ωn−1c (M) ∂M = ∅
♣ Teorema 2.12 Teorema de Gauss... Seja M uma variedade diferenci´avel, de dimens˜ao n, orient´avel com bordo ∂M , e X ∈ Xc(M) um campo de vectores em M com
suporte compacto. Seja µ ∈ Ωn(M ) uma forma volume em M. Ent˜ao:
R
M(div X) µ =
R
∂M iXµ (2.5.10)
Demonstra¸c˜ao...
• Aplique a f´ormula de Cartan e a defini¸c˜ao de div X:
(div X)µ = LXµ = diXµ + iXdµ = diXµ
e agora o Teorema de Stokes.