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Velhos e conselheiros: frente à imensidão do mar, a imobilidade

PARTE II – OS ESPAÇOS DA VELHICE NA LITERATURA

Capítulo 2 – Nos primórdios: o espaço secundário da velhice

2.2. Velhos e conselheiros: frente à imensidão do mar, a imobilidade

Não é apenas como personagem satírico que a figura do idoso assume contornos mais nítidos nas cantigas trovadorescas, ela também aparece como contraponto à paixão portuguesa pelo mar e pelas navegações. A busca de novos espaços e o contato com culturas diversificadas alteraram o imaginário conjunto do povo português, o que se refletiu diretamente na criação literária, seja em termos de descrições físicas e geográficas, seja em termos de espaços simbólicos de encontro e de fuga.

É na Idade Média, entre os séculos XII e XIV, que começam a se consolidar noções como fronteira, reino e naturalidade portuguesa, atribuindo novos significados aos espaços geográficos ocupados pela população (Mattoso 1998). A importância do território e, principalmente, as possibilidades de expansão desse território delineiam-se já nesse período, o que se observa com as referências ao mar e à vida dos marinheiros e pescadores efetuadas pela poesia trovadoresca.

Os primeiros registros escritos sobre a temática marinha podem ser encontrados nas cantigas de amigo, em especial nas Barcarolas ou Marinhas, nas quais a praia é refúgio da jovem que lamenta a partida do amado, pede notícias às ondas e suplica que os ventos sejam benfazejos. A grandeza do mar é, assim, colocada lado a lado com a tristeza e as saudades que as navegações acarretam. Nesse contexto, o mar torna-se confidente, e contemplar suas distâncias e mistérios inspira confissões e versos amorosos, a dor da separação ampliada pelos receios, como em “Ondas do mar de Vigo”, do jogral galego Martin Codax:

Ondas do mar de Vigo, se vistes meu amigo? e ai Deus, se verrá cedo? Ondas do mar levado se vistes meu amado?

e ai Deus, se verrá cedo?119

As viagens vivenciadas pelos marinheiros e missionários portugueses inspiram obras marcadas por descrições de “paisagens, floras, faunas, costumes e religiões, as aventuras e peripécias mais fabulosas que as dos romances de cavalaria e as dos poemas da Antiguidade” (Lopes/Saraiva 2001: 293). O mar surge então como capaz de proporcionar poder, conhecimento e riquezas. Transformando cartografias e modos de ver o mundo, torna-se elemento geográfico e metafórico de saudades, do místico e do heroísmo. Nesse sentido, assume novas simbologias, ligando-se ao infinito e expressando a ousadia e o poder a partir da ação do homem que o confronta e supera. Saraiva (1950) atenta que a própria adjetivação incorpora no discurso do período um novo sentido, que se consolida de modo mais concreto a partir da obra de Luís de Camões.

É necessário, aqui, considerar algumas ressalvas atinentes ao momento de escrita de Os Lusíadas. No ano de 1572, os ideais humanistas dentro dos quais se criara o poeta já enfrentavam críticas e perdiam influência. Camões é representativo desse cenário, apresentando-se não apenas com um objetivo de celebrar “a aventura coletiva dos Descobrimentos portugueses, mas também do seu passado e futuro” (Gil 2015: 115). Nesse contexto, carrega-se de figuras exemplares que permitem a consciência e a crença necessárias à manutenção do poder de Portugal em meio a uma Europa que sinalizava tempos de fortes mudanças políticas e culturais.

Nas areias de Belém, louvores ao poderio marítimo português mesclam-se com o registro do medo e da dor dos que ficam. Camões nos traz as lágrimas das mulheres que já se sabem viúvas e das crianças que choram a partida dos pais. E, igualmente, dos velhos que percebem com agoniada lucidez um futuro de esperas desesperançadas:

— Ó filho, a quem eu tinha Só pera refrigério, e doce emparo Desta cansada já velhice minha, Que em choro acabará, penoso e amaro, Por que me deixas, mísera e mesquinh? (Camões 2016: 119)

Contudo, se os rostos carregam-se de lágrimas e as vozes de queixas e saudades, o clima é de festa. A coragem e a ousadia portuguesa iniciam sua jornada de glorificação, os marinheiros que se despedem da pátria e da família vão construir uma nova história. O que se observa em Camões é uma constante tensão entre dois sentimentos opostos, a admiração pela capacidade criadora do ser humano e, igualmente, a consciência de sua fragilidade e pequenez (Lopes/Saraiva 2001: 336).

Em Os Lusíadas, o contraditório apresenta-se sob a figura de um velho que lança seu grito de protesto, o velho do Restelo120, personagem hoje consolidada no imaginário

português, configurando-se como a consciência de uma realidade de conquistas que será calcada nas lágrimas e no sofrimento de grande parte da população.

Lido no Brasil não raro como sabedoria, uma mente lúcida capaz de perceber as consequências trágicas que o expansionismo representará para o povo português, o velho do Restelo é, não obstante, reconhecido em Portugal como vinculado também à lucidez, à capacidade de percepção da dor futura, mas, igualmente, ao conservadorismo, ao retrocesso, como um discurso pessimista de imobilidade e defesa do feudalismo que então se dissolvia:

Mas um velho de aspeito venerando, Que ficava nas praias, entre a gente, Postos em nós os olhos, meneando Três vezes a cabeça, descontente, A voz pesada um pouco alevantando, Que nós no mar ouvimos claramente, Cum saber só de experiências feito, Tais palavras tirou do experto peito: “Ó glória de mandar! Ó vã cobiça Desta vaidade, a quem chamamos Fama! Ó fraudulento gosto, que se atiça Cua aura popular, que honra se chama! Que castigo tamanho e que justiça Fazes no peito vão que muito te ama!

120 Camões não utiliza “Restelo”, mas “velho d’aspeito venerando”. O apelido aparece apenas em análises

posteriores, aludindo à zona de Restelo, área hoje conhecida por Belém. Também, há indicativos de que pode ter se originado de “rastelo”, instrumento de trabalho. As primeiras referências ao uso da expressão como exemplificativa de pessimismo e de retrocesso são de José Soares da Cunha e Costa, em 1911, no Parlamento português: “A hora, porém, não é de desalentos, é de esperanças, e não serei eu o Velho do Restello n’esta data que a tanta gente enche de orgulho, de comoção e de fé!”.

Camões encontra eco em “Mar Português”, de Fernando Pessoa (2013), já do século XX, cujos versos – “Ó mar salgado, quanto do teu sal / São lágrimas de Portugal!” – são provavelmente dos mais conhecidos da literatura portuguesa.

Que mortes, que perigos, que tormentas, Que crueldades neles esprimentas! (Camões 2016: 120)

Se os anos vividos lhe garantem a memória e a experiência capazes de interligar passado, presente e futuro, são também esses anos a mais que impedem o movimento: o velho do Restelo é aquele que fica. Ainda que seu aspecto seja “venerando” e sua voz suficientemente potente e clara para alcançar os convés dos navios, sua materialidade concebe-se na areia, a observar os barcos carregados de jovens movidos pelo “fogo dos altos desejos”, deslumbrados com sonhos de outras terras e novos futuros.

Posteriormente, nos séculos XIX e início do século XX, durante o auge do processo de industrialização, retoma-se a simbologia do mar como passagem, velocidade e movimento. É um período de resgate de sua importância como espacialidade concreta e como imaginário. Estrada de água que interliga continentes, o mar possibilita o deslocamento de portugueses e brasileiros em uma relação colonizador-colonizado que se transmuda para possibilidades de diálogo, troca e convivência. Engloba, em si, os cronotopos da estrada e do encontro.

No Brasil, se unirmos a esse contexto a figuração da velhice, encontramos na produção literária de Machado de Assis uma personagem exemplar: o conselheiro Aires, de Memorial de Aires, publicado no ano de 1908. As vivências do narrador e protagonista, como elo diplomático entre Brasil e Portugal, personificam a mediação entre passado e presente histórico; igualmente, a sua gradativa perda de mobilidade abarca mudanças pessoais que decorrem da passagem dos anos e do ingresso na velhice. Sexagenário e reformado após uma vida no exterior como diplomata, Aires registra em seu memorial percepções do quotidiano aparentemente pacato que agora leva junto a amigos brasileiros, dos quais se destacam Campos e D. Carmo, um casal idoso e sem filhos, e a viúva Fidélia, por quem se sente atraído, mas que termina por se envolver com um político jovem e republicano, Tristão.

Machado de Assis, com uma obra que transita entre períodos estéticos diferenciados como o Romantismo e o Realismo, é considerado por Alves (2016) e Guidin (2001) um dos primeiros nomes brasileiros a conceder ao idoso a palavra a partir de uma perspectiva que parte desse próprio idoso. Para Secco (1994), o Conselheiro Aires assume sua função

problematizadora da realidade, expressando o momento de transição pessoal, política e social que vivencia: “Pressente, com o advento do capitalismo, a divergência da velhice e opta por ela, na medida em que o idoso, como o flâneur benjaminiano, pode emprestar- lhe um ponto de vista dissonante” (Idem: 36).

Contudo, se o idoso aparece com destaque no romance de Machado de Assis, tal é quase uma exceção, mantendo-se na primeira metade do século XX o pouco acesso ao protagonismo já verificado em obras literárias anteriores121. Inserida no quadro da

industrialização, a imagem do idoso, amenizada a descrição satírica, agrava sua figuração como inatividade. O velho, inapto em termos da produção industrial então retrato do progresso, assume um papel excludente, apoiado em contornos reduzidos à abrangência da espiritualidade. Esse ponto é defendido por Secco:

O final do século XIX e a passagem para o século XX apresentam um complexo panorama. Na literatura, paralelamente ao realismo e ao naturalismo (onde o velho, quase sempre como personagem secundária, era descrito em suas mazelas), o simbolismo fazia emergir uma atmosfera crepuscular a que a senescência estava associada. Esta era cantada por muito poetas da época como a idade do arrefecimento dos desejos, o que permitia a ascese e o misticismo. (…) A velhice perde, então, a materialidade, tornando-se a idade espiritual por excelência. O velho, acalmadas as paixões genitais e eróticas, é o que se prepara para a transcendência mística. (Secco 2003: 88)

Se a velhice se torna espiritual, o espaço no qual transitam as personagens assume materialidade e cresce em importância. O mar, em Memorial de Aires, longe de ser mero pano de fundo, surge centralizado, lembrança constante da mobilidade de que se abstém aquele que chega à velhice. A travessia agora se destina ao jovem; para Aires e o casal Aguiar, a viagem à Europa já não se mostra como possibilidade concreta, sequer no

âmbito do desejo122. Assim como o velho do Restelo, de Camões, eles permanecem, o

121 Sobre a presença da velhice na literatura brasileira anterior ao final do século XIX, ver “Velhice: visões

e revisões”, capítulo inicial da obra Além da idade da razão - longevidade e saber na ficção brasileira (1994), de Carmem Lúcia T. Secco.

122 Note-se, a propósito, que a moderna gerontologia atenta para a percepção do desejo como mais amplo

do que o contexto da sexualidade, ocorrendo, portanto, sua manutenção como propulsor da vida mesmo quando da impotência sexual. Para estudos mais recentes, o inconsciente assume uma força determinante, e normatizações e funções sociais ligam-se de forma direta com o bloqueio dos desejos e a capacidade ou não de criação de projetos de novas vivências (Ferreira 2005; Fonseca 2014; Paul 1996; Papaleo Netto 2007; Secco 2003).

mar traduz-se na areia quente da praia e no olhar que se distancia perdido em ondas e saudades: “aqui estou, aqui vivo, aqui morrerei” (Assis 1994: 10).

A espacialidade geográfica descrita na obra é também utilizada por Machado de Assis como contraponto para consolidar uma imagem exterior-interior essencial ao romance. Os espaços amplos e diversos antes percorridos pelo Conselheiro até como exigência de sua profissão, reduzem-se drasticamente em seu formato físico, mas ampliam um olhar distinto para o interior de si, e dos que o cercam, que não lhe era acessível. Há uma vivência exterior-interior refletida no confronto mobilidade- imobilidade de Aires e do casal Aguiar em oposição aos jovens Tristão e Fidelia, cuja viagem à Europa encerra o livro123:

Grande parte da postura ideológica que preside a feição agônica do Memorial está centrada na posição do narrador velho, um tanto paralisado pela restrição fisiológica que, ao contrário do viajante (que Aires, como diplomata, tinha sido) apaga sua função social tradicional de contador de histórias e experiências para debruçar-se sobre as histórias alheias, que vêm de fora ou ecoam paralelas à memória de um mundo distante. (Guidin 2001: 36)

Englobando conjuntamente aspectos relacionados ao público e privado, ao afetivo, político e social, Machado de Assis permite-se uma multiplicidade de perspectivações que ampliam a importância de sua obra. Memorial de Aires, ao invés de acatar fórmulas centradas na finitude do corpo, tão conhecidas dos escritores do período romântico, afasta-se de concepções estilísticas predefinidas e busca estruturas textuais capazes de permitir a apresentação esmiuçada de análises psicológicas da alma humana. Trata-se, pois, de uma análise que recrudesce em possibilidades no momento da velhice.

Note-se que estamos perante uma expressividade que vai além do conteúdo da história: “a velhice se apresenta para Machado de Assis como problema psicológico, com efeitos estéticos sobre seu texto” (Guidin 2001: 18). Os registros diarísticos, ao serem efetuadas por um narrador já idoso, assumem uma cadência característica do modo como este vive o seu quotidiano, flutuam entre textos longos ou curtos parágrafos, seguem o ritmo e a cadência de Aires, sua condição física, agitação, dores e cansaço. Para Guidin,

123 Acerca da velhice como imobilidade e espera da morte e a juventude como vida e movimento, ver,

conforme registra Guidin (2001), “Um aprendiz de morto”, ensaio de José Paulo Paes que integra o livro Gregos & baianos, publicado no ano de 1985.

existe nessa forma diarística um solilóquio “que funciona também como uma estratégia pseudodialogal dos velhos” (Idem: 128).

Como recurso ficcional, o diário oportuniza um afastamento crítico implícito na ação da escrita, “como a ocasião privilegiada de uma sedução-desvio, que envolve tanto o leitor, como o narrador, no jogo-cúmplice de preencher os vazios da própria narrativa” (Secco 1994: 40). Igualmente, torna-se um jogo temporal importante: o quotidiano presente é o tema do memorial; o passado surge a partir do momento em que o casal Aguiar, com a perda de Tristão e Fidélia, volta-se para suas memórias, afetivamente mais consoladoras; e o jovem casal personifica perspectivas futuras, abraçando a nova carreira iniciada além-mar. Memória, realidade e imaginação entrelaçam-se no trabalho construtor da palavra efetuado pela personagem.

Nessas circunstâncias, a escrita do diário viabiliza a privacidade para a reflexão e assume-se instrumento de resistência, produz significado e propicia ainda a capacidade de aprender, compreender e criar: “Nada há pior que a gente vadia - ou aposentada, que é a mesma coisa; o tempo cresce e sobra, e se a pessoa pega a escrever, não há papel que baste” (Assis 1994: 22). O reencontro com a linguagem após a reforma torna-se, assim, como registra Secco (1994), ação conscientizadora dos limites e possibilidades do corpo e de recusa de uma concepção meramente negativa da velhice:

Afastando-se da visão corrente que, no final do século XIX, entendia a senescência como o limiar da morte e como a idade da espiritualidade, a escritura de Machado de Assis concebe o envelhecimento como um momento de crise e de dissonância, que possibilita uma leitura crítica da História. Aposentadoria e “sexagenaridade” entrelaçam-se no discurso machadiano, estando também associadas ao prazer de narrar, pois é o tempo ampliado pela ausência do trabalho que impulsiona os narradores – entre eles D. Casmurro e o velho Aires – a escreverem, preenchendo, desse modo, a monotonia das horas vagas. (Idem: 214)

Uma resistência que se configura de modo mais claro se atentarmos para o fato de o narrador se apresentar como acatando noções estereotipadas de senso comum e, ao mesmo tempo, efetuar seus relatos a partir de vivências que contestam essas noções. Dessa forma, sob uma superfície aparentemente concorde com a ideia vigente de “pacificação”, aquietamento da pessoa idosa, a personagem Aires torna-se rica e complexa, “desconstruindo as metáforas que vêem a velhice, em oposição à ‘verde

mocidade’, como ‘a idade do outono’, ‘das folhas murchas e amarelecidas’, de onde as paixões estão ausentes” (Idem: 49). Como resultado, exige-se do leitor questionamento e mudança de perspectiva.

O desejo insere-se nas páginas do livro por meio de sinais geralmente sutis. Em uma exterioridade de decoro e autocontrole, é camuflado em “notas espirituais” e “tendências estéticas”, registrando a consciência de uma impossibilidade que decorre da fragilização física do corpo aliada ao regramento social. “Há cousas que apenas se devem escrever e calar” (Assis 1994: 96), afirma o conselheiro, referindo-se à afeição que sente pela jovem viúva.

O que encontramos é uma libido controlada, nunca inexistência de desejo. O discurso de Aires é o discurso social aprendido sobre a velhice; contudo, sua vivência é plena de anseios e percepções que contestam o apaziguamento que lhe estaria teoricamente destinado. Fidélia desperta o erotismo de Aires, relembrando o poder do corpo e de impulsos sexuais que se renovam e retornam sob o formato de novas sublimações. Uma revelação de erotismo que, como afirma Zilbermann (2003), “dá outro contorno à questão: o transcurso do tempo é inexorável, a substituição, inevitável, a transformação, até desejável; mas o homem não acaba, nem a velhice é o termo final” (Idem: 121). E é também Zilbermann quem conclui:

Machado de Assis parece reivindicar, na conclusão do romance, um lugar para o homem velho, distinguindo-o do antigo, do obsoleto e do acabado. Reconhecendo a permanência de sua vitalidade, representada pela sensualidade que não se sujeita, nem se dá por vencida, num corpo que se mantém vivo, o escritor refaz a trajetória do preconceito que marginaliza o idoso (...) Graças a essa abertura, oferece ao velho e à personagem que o corporifica um novo horizonte, emancipador porque situado além dos princípios que regulavam a sociedade a seu tempo. (Idem: 121)

Porém, se existe uma crença nas possibilidades emancipadoras, há também melancolia e isolamento nas palavras de Aires. Às dificuldades físicas e mentais de um corpo que enfrenta a passagem dos anos acrescem-se conflitos e regramentos sociais excludentes. Alves (2016) atenta que o próprio foco no romance de Tristão e Fidélia é recurso de denúncia, pois reforça a percepção da exiguidade do papel destinado aos idosos em suas mais variadas nuances: a amorosa e sexual, refletida nos desejos não realizados; a familiar, na medida em que o amor de Tristão e Fidélia representa maior solidão ao

casal de idosos; e a política, pois a permanência do casal jovem no exterior implica conotações significativas em termos de mudança do sistema político brasileiro124.

Contudo, se Machado de Assis cria um romance exemplar na abordagem da velhice, o tema não recebe continuidade no ambiente literário brasileiro da época, permanecendo em uma situação de descaso e invisibilidade. O idoso, quando presente em obras ficcionais, aparece no papel de vítima ou narrador de histórias passadas ou alheias, não de vivências do presente como as efetuadas pela personagem de Memorial de Aires. O novo século é veloz e jovem, voltado às mudanças já sinalizadas pelo movimento além- mar efetuado por Tristão e Fidélia. À imobilidade, ao caminhar lento de Aires e do casal Aguiar, restam os espaços solitários dos jardins de casas tristes, onde o consolo surge no formato de saudades.

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