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CAPÍTULO 3 A IMAGINAÇÃO CRIATIVA, DA NOVA CIVILIDADE

3.3 Vico: a razão e a imaginação

Outro filósofo escolhido para teorizar o campo da imaginação foi o napolitano Giambattista Vico58. Os pensadores de sua época, em especial os iluministas, defendiam a antinomia entre razão e imaginação. Para Vico, há uma extensão entre razão e imaginação59:

O fato de Vico ter sentido a necessidade de distinguir não de maneira ascendente, cronológica, a relação entre imaginar e entender leva a crer que a conquista do pensamento abstrato, do tipo intelectual, não representa no seu pensamento a superação do saber imaginativo, fundado sobre a ficção, mas, antes, que esteja propriamente na realização que se estabelece entre imaginar e entender a chave da racionalidade. (SANNA, 2018, p. 286).

Antagônico ao pensamento de Aristóteles e Hume, Vico defendia a concepção de que não é necessária a existência de algum instrumento para imaginá-lo, uma vez que a imaginação consiste na representação de um artefato, ou até mesmo de uma história. Por que relacionar a história ao conceito de imaginação? À medida que o sujeito vivencia a trama de uma história,

58 Giambattista Vico nasceu em Nápoles em 23 de junho de 1688, falecendo em sua terra natal no ano de 1744,

em 23 de janeiro. Vico foi filósofo, jurista italiano, historiador, retórico e político. Um iluminista reconhecido a partir do século XIX fora de Nápoles, pois em seu período, não defendia de modo incisivo a teoria iluminista, pois desconsiderava que a razão era pura, e que defendia o argumento de que havia um Ser Superior na condução do ambiente externo. Vico possuía uma mente poética, e defendia esta como faculdade intelectual do ser humano. Por viver em um século onde a razão era sobrevalorizada, foi ignorado pelos demais filósofos e pela sociedade a qual pertencia. Texto inspirado na biografia de Vico. (GIAMBATTISTA VICO, 2018).

59 Para Vico, a imaginação e razão eram importantes para o indivíduo compreender o conhecimento histórico.

criando representações em sua respectiva mente, há experiências promovidas pelas emoções como repulsa, tristeza, afeto, empatia e ternura, o que reforça o posicionamento de Vico.

A razão e a imaginação são categorias importantes para entender a si, ao outro, e para avançar os estágios geracionais em que a sociedade vive.

Se para Vico a natureza humana é mutável, as ações humanas dependem da vontade de cada ser, portanto, não são semelhantes. Acrescenta-se que a história não pode ser marcada pela predestinação divina dos fatos ou acaso, como propunha e filosofia helenista.

O argumento de Vico é simples e efetivo: o que se constata na história é a heterogeneidade das ações humanas (a ordem civil) em relação ao ideal da razão (a ordem natural). A simplicidade explicativa de Vico vai além, ele afirma que os primeiros homens da gentilidade foram as crianças do gênero humano, como tais, eram incapazes de entender a reta razão, porque possuíam os sentidos vigorosos e a imaginação muito viva [...]. (GUIDO, 2018, p. 146).

Ao elucidarem essa lógica, os racionalistas ignoram a evolução humana em seus diversos aspectos: sociais, econômicos, culturais e suas linguagens. A linguagem, para Vico, é considerada importante, porque por meio da evolução dela, evidencia-se a transformação do cérebro e da natureza humana, provando, dessa forma, que a imaginação também pertence ao campo cognitivo.

O intelecto, exemplifica Vico, é igualmente uma faculdade (todas animi facultates de ascendência estoica) na medida em que torna verdadeiro o que compreendemos por intermédio dele. Portanto, a fantasia é também ela uma capacidade, porque produz uma representação do seu objeto e põe assim em movimento um juízo, que é da alma. O conceito de “faculdade” não flui aqui, como para Descartes, em direção ao seu sentido moderno de “função”, mas se vincula mais proximamente da prontidão e da rapidez do pensamento que traduz em ato uma virtude. A fantasia, gênero particularíssimo de faculdade, é uma componente do patrimônio recebido pelo homem como um dote: “dos dotes espirituais [dirá Vico nas Instituições] alguns são inatos, como o engenho, a fantasia, a memória, outros são adquiridos [...]. Os primeiros constituem um aperfeiçoamento do intelecto humano”, os segundos (justiça, temperança, fortaleza, prudência) um aperfeiçoamento da vontade humana. (SANNA, 2018, p. 298).

Na condução desse pensamento, a imaginação compõe o intelecto humano, não obstante, aquela é fruto de uma linguagem que pode ser expressa de diversas formas: narrativas, pinturas, canções. A linguagem traduz a evolução, transformação de um povo, por ser uma atividade histórica que marca a sua existência no presente, no passado e no futuro. Sendo assim, a linguagem humana é fruto da história, da capacidade humana, guiada por uma providência divina. Posto que a existência do mundo exterior é oriunda de DEUS, a compreensão holística do mundo não tem a sua gênese nos homens, e sim, na divindade.

O conhecimento do homem em relação ao mundo é limitante e perpassa pelas etapas de observações, descrições, classificações, reflexões e registros (DINIZ, 1998). Tais ações estariam restritas a um espaço e ao tempo.

Dessa forma, não se pode explicar a historicidade da atividade humana como causa e efeito, como propunham alguns filósofos. É preciso compreender que toda atividade humana tem um propósito, o qual pode estar conectado às atividades econômicas, desejos e necessidades.

A valorização da habilidade humana em criar, compreender e alterar a existência imersa num período histórico é eminente, ou seja, o homem possui as competências necessárias, mediante um conhecimento ativo, para recriar a realidade à qual está inserido. Essa assertiva fundamenta-se no pensamento de que:

[...] o mundo natural era uma criação divina, por isso, somente conhecido por essa divindade, o mundo humano podia ser conhecido pelo homem já que ele é o seu criador. Ao estabelecer uma demarcação entre natureza (esfera do divino) e história (esfera do homem), Vico estava dessacralizando a história. Afastando a intervenção direta de Deus no curso da história [...]. (DINIZ, 1998, p. 13).

Sem a presença da imaginação na faculdade intelectual, não é possível exercitar a mente para criar uma nova realidade, um novo sentido para a existência humana. A imaginação, por se reduzir a um termo fantasioso, desconexo da vivência social, foi ignorada como um campo mental durante séculos para os filósofos e pedagogos, pois anulavam e/ou desconheciam que, para a imaginação ocorrer, há demanda de um exercício cerebral intenso e amplo (SCHLEGEL, 2013), o que provoca uma acentuada energia mental60. Por isso, a imaginação pertence apenas ao ser humano.

A capacidade do cérebro em progredir e adaptar-se às necessidades climáticas, espaços e acontecimentos demanda uma plasticidade cerebral, denotada pela capacidade de alteração do cérebro, adquirida por novas experiências. Desse modo, exclui, a tese de que durante séculos foi evidenciado pela ciência e filosofia que o cérebro é imutável.

Em consonância com o pensamento de Vico, a neurociência, considerada como uma ciência nova, uma vez que foi propagada a partir do século XIX, enuncia a imaginação como

60 Diversas regiões do cérebro são ativadas quando o ser humano inicia o processo de imaginação. A imaginação

enquanto atividade cerebral instigou durante muito tempo os neurocientistas, levando mapear as áreas do cérebro responsáveis pelo exercício da imaginação. Sabe-se que o córtex occipital, córtex parietal posterior o preceneus posterior e o córtex pré-frontal dorsolateral. Tal explicação como uma atividade cerebral, elimina a ideia de que tanto homens quanto animais possuem imaginação, pois o campo cognitivo é presente apenas no cérebro humano (ENCONTRADAS..., 2013).

uma ação cerebral, pois elimina a automatização do pensamento, produzindo novas sinapses61 e, por conseguinte, amplas oportunidades para a reestruturação cerebral, refletindo no campo intelectual.

E por que a imaginação tem sido desconsiderada no campo educacional?

A educação enquanto um projeto é definida em vista a uma demanda cultural, social e econômica. A sistematização da educação organiza-se mediante os conhecimentos produzidos e acumulados durante a trajetória das primeiras civilizações. Para elas, o conhecimento é produzido por uma atividade intelectual e não mediante a imaginação.

Mediante o surgimento da pólis, a busca do sentido da existência e essência humana torna-se necessária para definir como a epistheme educacional poderia ser projetada. Essa projeção é necessária para a libertação da consciência humana e justiça social.

Nos primórdios da cultura grega clássica, a educação ofertada à juventude masculina era promovida por instrutores: “o paidotribes (mestre), o khitaristes (música), o gramatistes (gramática).” (CAMBI, 1999, p. 83). A virtude, moral e a prudência eram elementos importantes para a constituição do ser.

A formação humana está relacionada com o ensino e preocupa-se com as aptidões externas a serem desenvolvidas com o cultivo da essência interior, coadunante com o objetivo maior da pólis: justiça social e emancipação da consciência humana.

O saber deve ter, em sua essência, a articulação do conhecer mediante as práticas. A educação, o saber não era empobrecido cultural e intelectualmente; a vivência da arte62 perpassava pelos poros dos cidadãos gregos.

É paradoxal pensar a arte como um fundamento importante para a constituição do ser, uma vez que a Philo Sophia é amante do saber. Este, nos primórdios da civilização, não esteve restrito ao ler, contar e calcular.

Ainda que o pensar racional fosse enaltecido pelos filósofos, não se pode ignorar que o desenvolvimento da percepção, observação e imaginação, promovidas pelo teatro nas grandes arenas, ou nas Acrópoles, na época da cultura grega, foi um propulsor importante para debater, refletir e discutir sobre os novos costumes, ideais e práticas sociais imersos na cidade.

61 Estudos científicos apresentam que a plasticidade neuronal é mais expressiva durante a infância, pois onde as

janelas do cérebro estão mais abertas para as oportunidades em obter vivências.

62 Arte, advém do termo latim ars, está ligada a atividade humana utilizada para expressar sentimentos,

Assim, discutir as relações entre teatro e poder, analisar a função cívica do teatro, nas suas vertentes política, religiosa e pedagógica, não significa negar a existência de uma intenção lúdica. É o momento de lembrar que, para além da fruição estética, já por si uma fonte de prazer, os dramaturgos, como opina Havelock, se preocupavam em combinar o divertimento com a educação. Por seu lado, a intenção educativa implicava certamente uma reflexão sobre os problemas concretos da pólis. (OLIVEIRA, 1993, p. 72-73).

Embora a retórica filosófica exposta na gênese deste capítulo reverenciasse o saber enquanto campo intelectual, a própria cultura grega, enaltecedora das trovas, poesias, canções e teatros, demonstra que, para a constituição da formação do ser, não há como segregar o pensar e o sentir, o refletir e o imaginar, o classificar e o observar.

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