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CAPÍTULO 2 – PASCAL NO BRASIL: CETICISMO E ESPIRITUALISMO

2.2 Victor Cousin, intérprete de Pascal

Em 1842, Victor Cousin redigiu um famoso relatório à Academia Francesa sobre a necessidade de uma nova edição dos Pensamentos de Pascal.162 O relatório foi publicado originalmente no Journal des Savants. Em 1849 saiu a edição final do texto, revista, corrigida e acrescida de estudos independentes sobre Pascal. Pareciam-lhe incompletas e inautênticas as versões anteriores do texto pascaliano, sobretudo as edições clássicas de Port- Royal (1669, 1670 e 1671) e de Bossut (1779).163 O estudo de Cousin empreendeu o cotejamento das edições clássicas com os manuscritos originais.

As três primeiras impressões da edição princeps são idênticas. A quarta reimpressão, de 1678, apresenta novos fragmentos, e a quinta, de 1687, traz o polêmico opúsculo “Vida de Blaise Pascal” assinado por sua irmã, Gilberte Périer. As edições do livro foram publicadas em meio à controvérsia, entre o rigorismo cristão dos jansenistas e a liberalidade dos jesuítas, sobre a orientação da Igreja em face da reforma. O livro de Jansênio – Augustinus (1640) – estava no Índice dos Livros Proibidos, e os intelectuais de Port-Royal, Nicole e Arnauld, ainda sofriam perseguições por causa de suas posições religiosas. É verdade que esses dois intelectuais simpatizavam com o método cartesiano, que superava, em certo sentido, as posições céticas dos libertinos e do jansenismo rigoroso. Esses editores tentaram reequilibrar a balança dialética estabelecida por Pascal, a qual pendia mais para os pirrônicos do que para os dogmáticos, por exemplo, enxertando trechos críticos aos céticos onde havia desequilíbrio desfavorável para os dogmáticos. Antony McKenna argumenta que interessava a Arnauld e Nicole mitigar o anticartesianismo de Pascal.164 É possível ir além e dizer que esses editores se preocupavam também com a influência do ceticismo de

162 COUSIN, Victor. Des Pensées de Pascal: rapport à l1Académie française sur la nécessité d1une nouvelle édition de cet ouvrage. Paris: Librairie Philosophique de Ladrange, 1843. Disponível em

<http://gallica.bnf.fr/ark:/12148/bpt6k37212t>. Acesso em 15 jan. 2015.

163 Sobre a história das diversas edições dos Pensamentos, consultamos LOUANDRE, Charles. “Les éditions

des Pensées” (Édition Variorum), Paris: Charpentier, 1854, p. 1-20. Para os objetivos do presente estudo, darei preferência às interpretações mais contemporâneas à época de Machado de Assis, pois se trata de vislumbrar como Pascal poderia ser lido no Brasil.

164 MCKENNA, Antony. De Pascal à Voltaire: le rôle de Pensées de Pascal dans l'histoire des idées entre 1670

Montaigne.165 Em todo o caso, o medo de sofrer novas sanções, o zelo pela “paz da Igreja” – expressão de Saint-Beuve –, e uma resposta enfática contra o libertinismo podem ser arroladas entre os motivos da inexatidão literária da edição de Port-Royal.166 É preciso salientar que a “paz da Igreja” é apenas o motivo aparente. Isso porque, embora a apologética das Pensées não polemizasse diretamente contra jesuítas e molinistas, os argumentos céticos utilizados por Pascal para atacar os libertinos e promover a apologia do cristianismo não pareciam, aos olhos dos editores jansenistas, ser suficientemente desvinculados do que é próprio ao libertinismo: a adoção do ceticismo como propedêutica à religiosidade e uma avaliação da moral cristã na medida do que é possível à natureza humana.

A aposta a favor da existência de Deus, por exemplo, valia pela força do argumento, cujo convencimento pressupunha o sentir a gravidade do problema e a incerteza da situação precária do homem. A conclusão escandalosa do argumento de Pascal, habilmente excluída pelos editores de Port-Royal, recomendava arrefecermos nossas paixões em vez de buscarmos convencimento racional da existência de Deus: dizia para iniciarmos o caminho fazendo de conta crer, tomando água benta, mandando rezar missas(!). Assim, naturalmente, isto é, conforme nossa natureza bestializada, chegaríamos à crença verdadeira.167 Embora a edição de Bossut reconstituísse o texto com maior autenticidade, registrando até mesmo as menções contrárias à orientação oficial da Igreja Católica, ela incorria em falsas suposições, por exemplo, ao misturar, inadvertidamente, passagens em que Pascal exprime o propósito dos Pensamentos aos amigos e parentes com aquilo que seria o conteúdo mesmo do livro. Segundo Cousin, o texto publicado de Pascal

que até então está possuído de uma admiração religiosa, não é nada mais que uma infidelidade [aos originais manuscritos] ininterrupta. Com

165 Sobre o enxerto e a combinação de passagens na obra de Pascal, os quais podiam mascarar a influência de

Montaigne, ver MAIA NETO, José Raimundo. “As principais forças dos pirrônicos (La 131) e sua apropriação por Huet”. Kriterion. Belo Horizonte. v. 47, n.114, dez. 2006.

166 SAINT-BEUVE. “Pensées, fragmens et lettres de Blaise Pascal”. Revue des deux mondes, Juillet 1844

(Première quinzaine), p. 107-115. Disponível em

<http://www.revuedesdeuxmondes.fr/archive/article.php?code=69274>. Acesso em 19 jan. 2015.

167 O texto excluído do manuscrito original é o seguinte: “C’est en faisant tout comme s’ils croyaient, en prenant

de l’eau bénite, en faisant dire des messes, etc. Naturellement même cela vous fera croire et vous abêtira” (La 418 Br 233).

efeito, o texto possui todas as infidelidades possíveis de se conceber: omissões, suposições, alterações.168

Entre essas duas edições, a obra fora reimpressa diversas vezes, servindo de amparo para a disputa religiosa e filosófica da época quanto à possível conciliação entre a perspectiva cristã e a pirrônica. Ora enfatizavam-se os fragmentos profundamente cristãos, como as edições do bispo de Montpellier (também autor do Catecismo jansenista adotado pelos oratorianos em Portugal e no Brasil) e do padre Desmolets, ora deles se esquecia propositalmente, adaptando os Pensamentos ao gosto profano do ceticismo filosófico, como preferiam os enciclopedistas Condorcet e Voltaire.

Seja como for, os Pensamentos de Pascal estavam no centro dos debates filosóficos do século XVII. De acordo com Maia Neto, Pascal se engajou nas grandes polêmicas de sua época:

A primeira polêmica ocorreu no domínio da filosofia natural: o embate entre a “nova ciência” e a “velha ciência” peripatética então vigente nas escolas. A segunda polêmica foi teológica [...]: os debates sobre a graça e a liberdade travados entre reformadores, jesuítas e jansenistas. A terceira grande polêmica foi travada no campo da apologética: a reação da ortodoxia cristã ao crescimento de movimentos heterodoxos, tais como a libertinagem e o deísmo.169

Os novos pirrônicos do início do século XVII, na esteira de Montaigne e Charron, haviam mobilizado um arsenal comum de argumentos céticos contra os mesmos alvos. A disputa religiosa entre os líderes protestantes configurou, de acordo com Richard Popkin, o contexto da retomada dos argumentos céticos sobre os critérios de fé e de verdade, o que, posteriormente, se alastrou sobre o conhecimento natural, “levando à crise pyrrhonienne do início do século XVII”.170 Por um lado, os católicos afirmavam que a consciência individual, pretensamente assentada sobre a liberdade e o discernimento, não poderia ser arrogada como padrão de verdade, na medida em que essa consciência

168 “Ce texte, jusqu’ici en possession d’une admiration religieuse, n’est rien moins qu’une infidélité continuelle.

En effet, toutes les infidélités qu’il possible de concevoir s’y rencontrent, omissions, suppositions, alterations” (COUSIN, Victor. Des Pensées de Pascal, II). Contra a tese da originalidade da investigação de Cousin, ver DEMOREST, Jean-Jacques. “Victor Cousin et le MS. des Pensées de Pascal”. Modern

Language Notes, v. 66, No. 4 (Apr., 1951), p. 255-259.

169 MAIA NETO, José Raimundo. “Pascal e as grandes questões do seu tempo”. Cadernos de História da Filosofia da Ciência, Série 3, v. 5, n.1-2, p. 205-220, jan.dez. 1995, p. 206.

expressava apenas uma convicção subjetiva, cuja pretensão racionalista escapava aos limites religiosos. Por outro lado, os reformistas atacavam a falta de evidência histórica para justificar a autoridade da Igreja, quanto mais uma instituição que se encontrava tomada por assuntos e polêmicas de política mundana.

O fato relevante é que católicos e protestantes acusavam uns aos outros de defender o seu cristianismo a partir de pressupostos céticos. A “máquina de guerra” se indispunha contra todos os critérios ou regras de fé defensáveis: a tradição da Igreja, os dogmas, as Escrituras, a persuasão interior e as faculdades do raciocínio. De mais, o manuseio da máquina trazia o efeito peculiar de “envolver o alvo e o atirador em uma catástrofe comum”.171 A atitude fideísta, a assunção da ignorância e a adoção de uma moral

provisória desobrigada de exigências sobrenaturais serviram para prevenir essa catástrofe. Se não pudessem ter a certeza da Graça, que ao menos se preparassem para recebê-la. Contudo, perdidas as evidências e as justificativas racionais para esse tipo especial de crença, restavam a questão da sinceridade da fé e a questão de saber se a atitude fideísta era mais compatível com o cristianismo ou com a libertinagem.172 Maia Neto propõe uma solução a essa situação paradoxal a partir da posição de Pascal:

[Pascal] estabelece uma nova relação entre ceticismo e a religião cristã justamente em contraposição a Montaigne, Charron e La Mothe Le Vayer. Pascal cristianiza o ceticismo destes autores e dos céticos antigos. Assim, a denominação “ceticismo ou pirronismo cristão” é infeliz para designar os fideístas céticos na medida em que faz supor que estes modificam significativamente o ceticismo antigo a partir de uma perspectiva cristã, o que só acontece, ao meu ver, nos casos de Pascal e Kierkegaard. Montaigne e os demais são céticos e cristãos, não apresentando uma versão do ceticismo caracteristicamente cristã, muito embora se possa detectar influências cristãs na formulação do ceticismo destes autores.173

Os relatos dos viajantes e missionários sobre os costumes dos povos do novo mundo trouxeram ainda indícios de outros modos de expressão religiosa que não coincidiam com o padrão da moral cristã. Mesmo a prática do canibalismo – expressão que horrorizava os europeus – fora relativizada por Montaigne numa comparação desfavorável às práticas de

171 POPKIN. História do ceticismo de Erasmo a Spinoza, p. 140. 172 POPKIN. História do ceticismo de Erasmo a Spinoza, p. 153ss.

tortura realizadas na própria Europa “civilizada”. Mais incisivamente, a tese rousseauniana do bom selvagem apontava a possibilidade de desvincular a boa moral das prescrições de qualquer doutrina religiosa. Assim, pensavam os libertinos, o desenvolvimento ético passava ao largo de religiões particulares, pois elas restringiam as expressões autênticas e espontâneas do homem em favor da superstição, do sectarismo e da carolice.174

Ao contrário dos libertinos, que desacreditavam da superioridade da moral cristã, os jansenistas verificavam que as Escrituras descreviam a condição de todo homem, suas necessidades insatisfeitas, a esperança e a perdição, tornando necessária, portanto, uma doutrina. A queda e a redenção, a instauração da dupla natureza humana, são as alegorias que bem representariam o homem inteiramente. Essa espécie de “prova pela doutrina” (La 149, 482 Br 430, 289) é obtida quando percebemos a parcialidade das teorias concorrentes e contrárias entre si, seja no âmbito religioso, entre calvinistas e molinistas, seja no ambiente propriamente filosófico, entre estoicos e céticos.

A questão desse século foi saber se a verdade revelada, historicamente localizada, poderia servir como prova para o espírito demonstrativo do geômetra ou para o espírito metafísico do teísta. Seguiram-se uma questão teórica e outra prática. Questionava- se, por um lado, se o argumento jansenista era suficiente para comprovar os dogmas metafísicos da própria doutrina cristã, por exemplo, se os eventos da queda e do pecado original eram compatíveis com os atributos sublimes de Deus. Por outro lado, questionava- se se os comandos de uma religião organizada em torno de aspectos místicos, por exemplo, os milagres, as profecias e os mistérios, eram suficientes para ditar a moral quietista de preparação da alma para a união graciosa em Deus, exigência tão mais complicada para essa moral fora de tempo e lugar, desajustada aos compromissos terrenos e mercantis, de competição e burla.

A resposta a essas questões variava de acordo com o recorte do texto pascaliano, da deformação efetuada pelo círculo de Port-Royal até os ataques de Voltaire, nas Cartas Filosóficas (1734), especificamente a carta XXV – “Sobre os pensamentos de Pascal”. Aliás, Voltaire ainda escreveria dois apêndices à carta. O primeiro foi publicado a partir da edição

de 1742 e o segundo, em 1777, motivado pela publicação dos Pensamentos em edição preparada por Condorcet. Em carta ao Sr. De Formont, Voltaire afirma seu projeto crítico: Aconselhar-me-ia o senhor a acrescentar pequenas reflexões extraídas dos Pensamentos de Pascal? Há muito eu quero combater esse gigante. Não há guerreiro bem armado que não possa ter alguma fissura em sua armadura; e confesso que se eu puder, apesar de minha fraqueza, desferir alguns golpes em quem venceu tantos espíritos, e livrá-los do jugo por ele imposto, ousaria dizer com Lucrécio:

Uma vez esmagada por nossos pés a superstição a vitória nos conduz aos céus.

De resto, agirei com precaução, e criticarei apenas as passagens pouco vinculadas a nossa santa religião, pois não se pode rasgar a pele de Pascal sem fazer sangrar o cristianismo.175

Voltaire emenda cada fragmento com um comentário crítico. De acordo com o iluminista francês, as contradições humanas não alcançam o patamar metafísico pretendido por Pascal, senão que exibem o modo regular pelo qual todo animal humano se relaciona com o mundo. Encarar e reconhecer tais contradições são ações insuficientes para descobrirmo-nos miseráveis. A diversão e a ocupação fútil, entre outras coisas, são apenas os procedimentos que tomamos para agradar ao próximo e não padecermos demasiadamente. Excluídos os mistérios cristãos e a tentativa de interpretar literalmente as Escrituras, o universo natural do homem se resumiria ao que ele pudesse compreender racionalmente. Ao crivo da razão historiográfica, a Bíblia deixava de ser o critério de fé e modelo de virtude para se tornar uma coleção de imagens fantásticas, cuja interpretação pelas instituições religiosas visaria apenas aos controles social e político.

Pascal representava o “gigante” do século XVII, o inimigo preferencial do libertino iluminista e dos deístas, em quem cada golpe desferido tomava proporções igualmente gigantescas. As censuras de Voltaire eram contra o fanatismo intelectual de

175 VOLTAIRE. Lettre à Monsieur de Formont (1 jun. 1733). “Me conseilleriez-vous d’y ajouter quelques

petites réflexions détachées sur les Pensées de Pascal? Il y a déjà longtemps que j’ai envie de combattre ce géant. Il n’y a guerrier si bien armé qu’on ne puisse percer au défaut de la cuirasse ; et je vous avoue que si, malgré ma faiblesse, je pouvais porter quelques coups à ce vainqueur de tant d’esprits, et secouer le joug dont il les a affublés, j’oserais presque dire avec Lucrèce: / Quare superstilio pedibus subjecta vicissira

Obteritur, nos exsequat Victoria cœlo. / Au reste, je m’y prendrai avec précaution, et je ne critiquerai que

les endroits qui ne seront point tellement liés avec notre sainte religion, qu’on ne puisse déchirer la peau de Pascal sans faire saigner le christianisme”. Disponível na Wikisource em: <https://goo.gl/RW6xzg>. Acesso em: 10 abr. 2015. A citação a Lucrécio está em Liv. I, V. 19.

qualquer tipo. Pascal bancava o “sublime misantropo”, um “doente”, que preferia contemplar um Deus quase indiferente a agir no mundo para reverter sua situação precária. Para Voltaire, a questão se resolvia no âmbito moral e terreno: a possibilidade da salvação, os milagres e a religião revelada eram dogmas que levavam à intolerância, à submissão e, no extremo, até ao quietismo, afastando o homem da moral propriamente religiosa, aquela que enlaçaria todos os seres ao redor de leis racionalmente estabelecidas. Como procedimento retórico, Voltaire faz uma leitura parcial de Pascal, exagerando na tinta negra do pessimismo, esquecendo-se que o outro lado da tela, o homem pascaliano que se reconciliou, possui cores vibrantes.

De acordo com Saint-Beuve, nenhum clérigo francês defendeu Pascal das críticas de Voltaire. A defesa “vigorosa e imparcial” veio de um protestante, David Renaud Boullier (1699-1759).176 Contra a proposta de uma “religião razoável”, Boullier reafirma, artigo por artigo, que a antropologia cristã de Pascal era uma representação factual e explicativa da natureza humana. Veremos na seção 4.2 que a aproximação entre o jansenismo e o protestantismo se desenrolará, no Brasil, no contexto das discussões regalistas, nas quais Machado de Assis acusará, publicamente, o eminente católico, Monsenhor Pinto de Campos, de cometer impiedades.

A geração romântica e espiritualista de Chateaubriand e Maine de Biran provavelmente consultou a edição marcadamente mística de Renouard (1803).177 Contrário aos argumentos deístas de Voltaire178, o Gênie du christianisme ou beautés de la religion chrétienne, de Chateaubriand, descreveu e consagrou a superioridade da estética e do pensamento cristãos sobre as civilizações pagãs antigas e modernas. A música, as artes plásticas e a arquitetura – a saudosa página dos sinos! –, a matemática, a física e a astronomia, até a filosofia elevam-se ao firmamento quando imbuídos do espírito cristão. Pascal é visto por Chateaubriand como o gênio modelo ou a “suite dos moralistas”, sobretudo

176 BOULLIER, David R. “Sur la critique des Pensées de Pascal par M. Voltaire”. Lettres critiques sur les Lettres Philosophiques de Mr. De Voltaire. Impr. de Fertel: Saint-Omer, 1753. p. 99-2015. Disponível em:

<http://gallica.bnf.fr/ark:/12148/bpt6k952864>. Acesso em 24 abr. 2015.

177 DESMOREST. “Victor Cousin et le MS. des "Pensées" de Pascal”, p. 257. Desmorest sustenta que Cousin

não foi o primeiro a descobrir Pascal nos manuscritos originais. Ele teria escondido propositalmente esse fato para aumentar o prestígio de sua filosofia.

178 CHATEAUBRIAND. O gênio do cristianismo, v. 1, p. 198-200. A opinião de Chateaubriand é de que

nos capítulos sobre o homem e quando ele percebe a grandeza do homem com Deus. Outros como La Bruyère e La Rochefoucauld o imitam, sem igual sucesso, no estilo e na descrição dos caracteres e dos costumes.179 A geração romântica enxergava em Pascal o espírito forte do cristianismo e do progresso, senhor das belas artes e da ciência, com todas as vantagens, ademais, de um devoto incondicional:

Houve um homem que aos doze anos com rectas e curvas criou as matemáticas; aos dezesseis fez o mais luminoso tratado dos cónicos que se viu desde a antiguidade; aos dezenove reduziu a máquina uma ciência [sic] que existe toda o intelecto. Aos vinte e três demonstrou os fenómenos do peso do ar, e destruiu um dos grandes erros da antiga física; este homem, na idade em que os outros começam apenas a nascer, acabando de percorrer o círculo das ciências humanas, conheceu o seu nada, e voltou para a religião as suas ideias [...] e lançou ao papel pensamentos que têm um tanto de divino como de humano: este génio assombroso chamava-se Blaise Pascal.180

Chateaubriand pretendia reabilitar o Pascal cristão das malhas de comentários como os de Voltaire, que dava à luz um Pascal sofista: “no que viria a parar esse grande homem, se não fosse cristão?”181. Coube a Cousin, porém, escarafunchar a mitologia em

torno do jansenista e investigar a origem e a fonte das diferentes versões do texto pascaliano. Ele se dirigiu até a abadia beneditina de Saint-Germain des Prés, em Paris, onde estava depositado o manuscrito autêntico transmitido por herança ao sobrinho de Pascal, o Abade Périer. Esse manuscrito fora transferido, durante a revolução francesa, para a Biblioteca Imperial (hoje Biblioteca Nacional), onde, para a surpresa de Cousin, encontravam-se duas cópias diferentes dos manuscritos e grande quantidade de material e pertences dos membros

179 CHATEAUBRIAND, Francois-Auguste. Génie du Christianisme, ou Beaute's de la religion chrétienne.

Paris: Chez Migneret, imprimeur, 1802, 5 v. Disponível em: <http://catalog.hathitrust.org/Record/008682081>. Acesso: 24 abr. 2015. Para a discussão sobre Pascal e os moralistas, ver Genie, v. 3, liv. II, cap. V e VI : « La Bruyère, qui imite volontiers Pascal... ». Os “seis capítulos acerca do homem” referem-se, na edição de Port-Royal, aos artigos XXI a XXVI. Para uma avaliação positiva sobre a antropologia pascaliana, ver Génie, v. 1, liv. III, cap. III: « Constituition primitive de l’homme ». Chateaubriand elogia a composição caracterológica cristã, da qual Pascal foi o mestre: « Le christianisme est une religion pour ainsi dire double: s’il s’occupe de la nature de l’être intellectuel, il. s’occupe aussi de notre propre nature: il fait marcher de front les mystères de la Divinité et les mystères du cœur humain: en dévoilant le véritable Dieu, il dévoile le véritable homme. Une telle religion doit être plus favorable à la peinture des caractères, qu’un culte qui n’entre point dans le secret des passions » (Génie, v.