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Vida intelectual: presença da mulher nas letras catarinenses.

No documento Dicionário de escritoras catarinenses (páginas 76-84)

3.1 Presença da mulher em Santa Catarina

3.1.2 Vida intelectual: presença da mulher nas letras catarinenses.

De acordo com Muzart (1988a), a mulher desterrense foi incentivada ao mundo das letras e de outras profissões, prova disso é a sua intensa participação nos jornais do século XIX. Em suas pesquisas por esses periódicos, Muzart afirma que “a desterrense teve acesso ao estudo e à cultura.” O jornal Crespúsculo, por exemplo, dirigido por Sabbas Costa apoiava abertamente a escrita de mulheres e as incentivava a participar, a escrever e a ler. Assim, não é raro encontrarmos crônicas e poesias dispersas assinadas por mulheres nesses jornais. E aqui se destacam nomes como Ibrantina de Oliveira, Júlia da Costa, Rosa Valente, Delminda Silveira e Ubaldina de Oliveira.

Contudo, apesar dessa participação relevante nos jornais, somente no século XX é que a mulher consegue dirigir o primeiro suplemento literário. Intitulado Penna, agulha e colher, com o subtítulo Jornal de donas e donzelas; o jornal era dirigido por Zenir Alcéa e trazia conteúdos de cunho católico, receitas de cozinha, poemas, etc, ou seja, temas voltados para as mulheres e escritos por elas mesmas, que assinavam somente o primeiro nome, sem sobrenome ou sob a forma de pseudônimo. (MUZART, 2003).

A essa época destacam-se nomes como o de Edésia Aducci, na dramaturgia, cujas personagens exercem profissões bem diversificadas: professoras, médicas, escritoras, donas de comércio, etc. Nascida no século XIX, em data não precisada, escreveu para o jornal Penna, agulha e colher, adaptou e traduziu peças do alemão e do espanhol as quais reuniu mais tarde em livro intitulado Teatro colegial feminino (Florianópolis, edição d’O brasileiro, 1930/1931, 1951).

Patrícia Chittoni Ramos e Marco Antônio Toledo Neder. Intr. por Míriam Lifschitz Moreira Leite. Co-edição Edunisc, 1999. 328 p.).

Ainda sob a égide do Romantismo, surge em 1858 o primeiro romance de autoria feminina: D. Narcisa de Villar, de Ana Luísa de Azevedo e Castro (1823-1869), escrito aos 16 anos de idade. O romance, assinado com o pseudônimo de Indígena do Ipiranga, foi editado no Rio de Janeiro pela Tipografia de F. de Paula Brito, em 1859 e reeditado em 1990, pela Editora Mulheres, de Florianópolis, organizado por Zahidé L. Muzart com apoio de Fábio Bruggemann, dono da Editora Semprelo. Antes de ser editado em livro, foi publicado no jornal A Marmota, do Rio de Janeiro, em capítulos, de 13 de abril a 6 de julho de 1858. O romance, considerado indianista, tem no enredo uma história simples: uma moça de família nobre se apaixona por um índio. Os irmãos da moça não consentem o namoro e passam a perseguir o casal, que foge para a Ilha do Mel, no Paraná. Nesse lugar, após um conflito, o casal é morto em uma gruta pelos perseguidores, mas não sem antes saber que o índio era filho do irmão de Narcisa. Por trás dessa história, a autora ressalta temáticas muito interessantes: a falta de liberdade da mulher, o casamento arranjado, a crítica ao governo português pelo fato de distribuir terras a pessoas que não possuíam a menor vocação para cuidar delas, o preconceito com as camadas menos privilegiadas da população e, particularmente, com o índio.

Os ideais românticos também são encontrados na poesia religiosa de Delminda Silveira (1855-1932), ocupante da Cadeira número 10 da Academia Catarinense de Letras. Seus poemas foram publicados em três livros: Lises e martírios (1908); Cancioneiro (1914) e Passos dolorosos (1932). Nos dizeres de Lauro Junkes (1979, p.53), “Muito intimista, sentimental, às vezes melancólica, e de grande sensibilidade, cantou a natureza da sua terra natal, os apelos da alma religiosa e os anseios de amor e compreensão.”

Outra escritora de participação expressiva na literatura de Santa Catarina do século XIX é Júlia da Costa (1844-1911), a qual colaborou ativamente, divulgando poesias e prosas lírico-sentimentais em jornais de Santa Catarina e do Paraná. Júlia da Costa publicou dois livros: Flores dispersas, 1ª série (Desterro, Tip. Desterrense, 1867); Flores dispersas, 2ª série (Desterro, Tip. de J.A. Livramento, 1868). Segundo a crítica Zahidé Muzart:

Lendo Júlia da Costa, poemas e cartas, meditando sobre sua vida na pequenina São Francisco do Sul, conclui-se que a mediocridade do meio deve ter abafado um espírito ansioso por maior liberdade, maiores realizações e ambições. Encontra-se na

sua poesia uma tentativa de liberação dos modelos e de rejeição dos valores impostos. E ela mesma era muito consciente da própria condição de mulher a escrever em um ambiente acanhado e sem ter tido todas as condições de desenvolvimento que seu espírito teria ansiado. [...] Há um motivo quase constante em seus poemas, o das sombras, que pode ser interpretado de muitas maneiras: ora é o amado perdido, ora é a morte à espreita ou outras tristezas da vida. Os temas da poesia de Júlia da Costa são sempre os da ausência e da perda, da dor de viver, da angústia ou do desejo da morte, da falta de esperança e da solidão. Na procura do cantante, do singelo, do cotidiano, foi dela a mais interessante poesia em Santa Catarina, no século XIX. Poesia que se lê até hoje com prazer. (MUZART, 2000, p. 406)

Dentre as escritoras do século XIX, aqui não poderia deixar de ser lembrado o nome da desterrense Maria Carolina Corcoroca de Sousa (1856-1910) que, apesar de não ter publicado livro, critério desta pesquisa, decidiu-se incluí-la por se tratar de escritora do século XIX, época muito mais difícil para a edição de livros. A poeta publicou sua obra sob o pseudônimo de Semíramis no jornal Sul-Americano. Seus poemas apresentavam tendências do Romantismo, mas, em alguns deles já se percebia a influência do Parnasianismo.

Pode-se ver que Maria Carolina refletiu sobre a questão dos direitos da mulher, a educação, a relação entre o sexo e o direito a escrever e publicar, porque tais preocupações, com certa frequência, transparecem nos poemas encontrados. (MUZART, 2000, p. 769).

Com o Realismo/Parnasianismo surgem novos nomes nas letras catarinenses, dentre eles o de Castorina Lobo de S. Thiago (1884-1974). Além de poesias esparsas nos principais jornais e revistas de Florianópolis, Joinville e São Francisco do Sul, publicou os livros de poesia: Rimas de Outono (Florianópolis: Imprensa Oficial, 1955); Clarinadas (Florianópolis, 1959) e Aquarela da Ilha de Santa Catarina (Florianópolis, 1962). Em 1958 foi convidada a ingressar na Academia

Catarinense de Letras, Cadeira número 10, como sucessora de Delminda Silveira. A poesia de Castorina Lobo de S. Thiago “pode ser considerada ainda ligada ao Parnasianismo, no seu culto à forma fechada do soneto, geralmente decassílabo e perfeitamente rimado, abordando a temática descritiva de quadros da natureza ou da alegoria humana.” (JUNKES, 1979, p.145).

Merece destaque, também, a poeta, cronista e dramaturga Donatila Teixeira Borba (1898-1987). Detentora de várias premiações, colaborou em diversos jornais do país e teve vida intensa no teatro, encenando peças em várias cidades de Santa Catarina. Publicou três obras entre crônicas e poesias: Áureas Sertanejas (1943), Luz e Sonho (1971) e Coração (1979).

Da vida intelectual catarinense, ressaltam-se também outras escritoras nascidas no século XIX, como Rachel Liberato Meyer (1895- 1959); Ibrantina Cardona (1868-1956); escritoras pertencentes ao regionalismo alemão, Tereza Stutzer (1841-1916), Gertrud Gross- Hering (1879 – 1968) e Emma Deeke (1885-1950), todas assíduas colaboradoras de jornais e revistas em Santa Catarina, em outras cidades do país e, algumas das últimas com publicações na Alemanha.

Já no século XX, surge, em Santa Catarina, a Sociedade Catarinense de Letras (1921) que, mais tarde, viria a se tornar a Academia Catarinense de Letras (1924). Os idealizadores eram Altino Flores, Othon Gama d’Eça e, sobretudo, José Boiteux. Esse grupo fundou a revista Terra, que pretendia fazer uma avaliação da literatura dos catarinenses, levando algumas soluções as quais não chegaram a se concretizar na prática. Isso porque os escritores repudiavam as ideias modernistas negando, assim, a inovação, e continuavam a usar os preceitos estéticos do Realismo/Parnasianismo. Raras foram as exceções e, dentre elas, cita-se a catarinense Maura de Senna Pereira (1904 - 1992), eleita como membro da Academia Catarinense de Letras em 1930, onde ocupa a Cadeira número 38. Dedicada à poesia e ao jornalismo, a obra de Maura foi analisada e muito elogiada por vários críticos, como Olegário Mariano, Carlos Drummond de Andrade, Walmir Ayala, Álvaro Moreira e Tristão de Athayde. Nereu Côrrea (O Estado, 22 de outubro de 1976) a classificou como “uma das mais altas vozes da poesia feminina em nosso.”

Na década de 1940, segundo Sachet (1985, p.91), surgem três gerações de intelectuais em Santa Catarina: os “antigos”, os quais defendiam o fim do romance com Eça de Queirós e da poesia com

Olavo Bilac; os “atuais", voltados para o magistério e para as atividades profissionais e os “novos”, a chamada Geração de 45.

Entre os “antigos”, a figura feminina que se destaca é a de Antonieta de Barros (1901-1952). Professora, escritora, jornalista e política, foi a única mulher da época a trabalhar com crônicas. Seu livro, Farrapo de ideias, escrito em 1937 e publicado com o pseudônimo de “Maria da Ilha”, é uma reunião de suas crônicas publicadas no jornal República, de Florianópolis. Antonieta foi a primeira deputada negra do Brasil.

A Semana de Arte Moderna, ocorrida em 1922, em São Paulo, chega a Santa Catarina somente em 1946, com o chamado “Grupo Sul”, liderado por Salim Miguel e Aníbal Nunes Pires.

Com o advento do Grupo Sul, a partir de 1946, as mudanças há tanto desejadas, tematizadas e questionadas no plano da teoria somente, efetivam-se, operando alterações significativas e quantitativas nas letras do estado. (PEREIRA, 1986, p.32).

O Grupo Sul foi além do processo literário, abrangendo o teatro, as artes plásticas e o cinema. A princípio, suas ideias e obras eram lançadas no jornal Cicuta, com uma tiragem de apenas quatro números e, depois, fortaleceu-se com a revista Sul, revista de grande circulação nacional e internacional. Segundo Pereira (1986, p.32), “O Grupo Sul não se preocupou em escrever a história da literatura catarinense. Preocupou-se em fazer a História.” O destaque feminino dessa geração dos “novos” é Eglê Malheiros (1928), poeta, ensaísta, cronista, ficcionista, atriz de teatro, professora, autora de livros infantis e integrante do Grupo Sul, que escreveu, junto a Salim Miguel, o primeiro longa metragem rodado em Santa Catarina, O preço da ilusão; mais tarde, escreve o roteiro e adaptação de dois filmes: A cartomante (Machado de Assis) e Fogo morto (José Lins do Rego).

A chamada “Geração de 45” em todo o país possui um caráter bem diferente da Geração de 22: institui a volta ao soneto; determina o fim do poema-piada; e procura expressar emoção a partir de um intimismo lírico. Em Santa Catarina, segundo Sachet (1985, p.105), não houve essa consciência de Geração de 45, o que aconteceu por aqui foi “a presença de duas gerações pós-modernistas cronologicamente distanciadas no tempo e no espaço.” Assim, em um primeiro momento,

destacam-se entre as escritoras os nomes de Maura de Senna Pereira e Lucy Assumpção (1917).

Com a extinção do Grupo Sul, entra em cena um novo movimento literário denominado Litoral, na década de 1950. Tal grupo mostrava-se mais moderado, sem agredir os conservadores, mas mantendo os ideais modernistas. Nesse grupo, que foi extinto em 1964, não foi registrada a presença de nenhuma escritora catarinense.

De acordo com Sachet (1985), somente após o fim do Grupo Sul foi que a literatura em Santa Catarina se equiparou pela primeira vez à do resto do país. Isso porque os governantes do estado, que eram escritores, poetas e artistas, passaram a incentivar a cultura e a literatura desde os anos 1960. Surgem, então, movimentos como a Catequese Poética, liderada por Lindolf Bell, e o Varal Literário, por Alcides Buss.

A literatura da década de 1970 até a atualidade demonstra uma intensa variedade de tendências temático-formalistas em todos os gêneros. Assim, destacam-se escritoras como Urda Alice Klueger, Lausimar Laus, Apolônia Gastaldi e Edla Van Steen no conto e no romance; Zoraida Guimarães, Vera da Costa Vianna, Eulália Maria Radtke, Beatriz Niemeyer, Rosemary Fabrin, Inês Mafra, Chandal Meireles Nasser, Mila Ramos, Miriam Portela, Liane dos Santos, Edith Kormann, Nini, Ruth Laus, Sylvia Amélia, Leatrice Moelmann na poesia (e algumas no conto); Anamaria Kovács e Amaline Issa no conto; Annair Weirich na crônica; Maria de Lourdes Krieger, Eloí Bocheco, Cristina Marques, Cristina Klein, Rosana Bond, Else Sant’anna Brum e Stela Naspolini na literatura infantil.

Após essa breve abordagem sobre a escrita feminina na poesia e na ficção catarinense, percebe-se, de uma forma geral, que a literatura escrita por mulheres em Santa Catarina ainda precisa ser muito explorada. Nosso propósito aqui é o de mostrar que elas registraram presença na história da literatura de Santa Catarina, tendo suas obras reconhecidas pela crítica em geral, mas que ainda há muito a ser descoberto nesse universo de escritoras. Contudo, a fim de que esse número se torne expressivo, necessário se faz conhecê-las para que só assim a crítica possa emitir juízo de valor sobre suas obras. Eis o papel deste dicionário: mostrar que existe, em Santa Catarina, muitas mulheres que escrevem, mas que precisam se tornar visíveis.

CAPÍTULO IV 4 METODOLOGIA

A busca pelo conhecimento, movida pela curiosidade, leva o homem a pesquisar. Uma pesquisa é o conjunto de procedimentos sistemáticos que tem como foco a geração de novos conhecimentos ou a reflexão/refutação sobre conhecimentos já existentes. Tais procedimentos são realizados com base no raciocínio lógico que visam encontrar soluções para problemas sugeridos, a partir da utilização de métodos científicos.

Este trabalho caracteriza-se por apresentar uma pesquisa qualitativa do tipo exploratória, e pesquisa de campo com vistas à análise e coleta de dados.

Na pesquisa qualitativa, a realidade é construída a partir do próprio estudo, e o pesquisador possui a função de observar, analisar e interpretar significações do sujeito do estudo, ou seja, ele faz parte do processo de pesquisa a partir de suas observações, percepções e conhecimentos sobre o tema pesquisado. (CANZONIERI, 2010)

A fim de cumprir os objetivos estabelecidos, esta pesquisa é classificada como sendo do tipo exploratória, uma vez que procura fazer um estudo e compreender um fenômeno ainda pouco conhecido, como é o caso da escrita de mulheres em Santa Catarina. Para isso, foi realizada uma pesquisa bibliográfica envolvendo temas como gênero, cultura feminista, canonização literária, produção de dicionários e a História da Literatura Catarinense.

De posse de todo um referencial teórico, partiu-se para a coleta de dados, com o propósito de registrar a presença das vozes das escritoras de ficção em Santa Catarina a fim de dar início à elaboração de um dicionário.

No documento Dicionário de escritoras catarinenses (páginas 76-84)