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Vigilância em Saúde do Trabalhador – Visat – uma concepção para

CAPÍTULO 2 – CONCEITUANDO O OBJETO

2.2 Vigilância em Saúde do Trabalhador – Visat – uma concepção para

Partindo do pressuposto de que a Visat é a principal estratégia para a operacionalização da PNSTT é preciso avançar na compreensão sobre a amplitude desse campo, de modo a dar conta da dimensão do problema, desenhado na análise de morbimortalidade, e forma a contribuir com o que, de fato, pode se caracterizar como proteção da saúde dos trabalhadores.

Conceitualmente, a vigilância em saúde apresenta distintas formulações, mais amplas ou mais restritas. Essa variação resulta do entendimento que pode se encerrar na vigilância médica ou se estender ao que, contemporaneamente, identifica-se como vigilância em saúde pública, que inclui a perspectiva da promoção de saúde e preconiza uma atuação que antecede a instalação dos agravos, indo para além da tradicional identificação dos riscos, coleta, análise e disseminação da informação96.

A vigilância restrita a uma abordagem epidemiológica, voltada para a detecção de situações de risco, coleta de dados, análise e disseminação da informação não contempla a amplitude das ações de Visat que compreendem um processo dinâmico e permanente para intervenção organizada sobre os ambientes e processos de trabalho, modificando-os de forma a intervir sobre os fatores que se constituem em riscos à saúde dos trabalhadores96; 97.

Um conceito mais geral sobre vigilância em saúde a preconiza como informação e ação, definindo a vigilância como um conjunto de ações que se destina a controlar fatores determinantes e condicionantes de saúde em territórios delimitados, garantindo a integralidade da atenção aos indivíduos e à coletividade94.

A ampliação do espectro da vigilância passa a abranger no conjunto de suas responsabilidades a investigação para conhecimento e informação, somada ao desenvolvimento de medidas protetivas da saúde para o enfrentamento de problemas relacionados ao processo de adoecimento ou exposição das populações a situações de risco, assumindo o compromisso de elevar os níveis de saúde e consolidar o SUS em sua missão universalista de atenção integral98.

Nesse sentido, parte-se do entendimento de que a saúde do trabalhador constitui-se num campo da saúde coletiva e que a Visat é um dos componentes da vigilância em saúde

pública13; 72, tendo como objeto a proteção da saúde do trabalhador e estratégia de ação o agir investigativo e interventivo nos nexos entre processo de trabalho e saúde, com fins de reduzir a morbimortalidade da população trabalhadora94; 99.

No âmbito operacional, a Portaria no 3.120/1998 já determinava às secretarias de estado e municípios a incorporação de práticas de análise e intervenção sobre os processos e ambientes de trabalho como parte das ações de Visat8; 81, indicando o seu caráter proponente para mudança e regulação dos processos de trabalho, o que requer a identificação de instrumentos e tecnologias com capacidade de produzir impactos positivos quanto à proteção da saúde dos trabalhadores14. O processo de trabalho como foco central de intervenção da Visat, na sua relação com a saúde, é objeto de intervenção e negociação de controle e mudanças de base tecnológica e/ou organizacional para eliminar situações potencialmente negativas para a saúde100.

Nesse sentido, Pinheiro (2005) afirma que a vigilância em saúde do trabalhador diferencia-se da vigilância em saúde pela delimitação de seu objeto na ação de investigar e intervir nos processos de trabalho para estabelecer a relação entre estes e à saúde dos trabalhadores. A Visat, dessa forma, tem como objetivo a transformação do trabalho pelas ações de promoção de saúde, atuando em todos os seus componentes, modificando-os com vistas à proteção da saúde dos trabalhadores. Seu agir em torno desse objeto exige uma atuação integradora, não impondo limites à ação, mas instituindo uma abordagem desenvolvida por equipes multiprofissionais que contem com a participação dos trabalhadores, cujo saber deve ser valorizado, demandando uma obrigatoriedade de articulação na busca da resolução dos problemas de saúde e alcance dos seus objetivos9; 99.

Essa perspectiva ampliada de ação aponta a necessidade de se estabelecer conexões entre as instâncias executoras, constituindo-se numa prática de múltiplos parceiros96. Assim, as ações de Visat no âmbito do SUS não são mais responsabilidade exclusiva de grupos de técnicos especialistas em vigilância, mas estende-se para a rede de saúde, caracterizando-se como uma ação intersetorial, frente à sua dinâmica e necessidade de capilaridade para adentrar os territórios onde os problemas de saúde se consumam e dar concretude ao agir oportuno, essencial às ações de vigilância em saúde.

Ainda nesse contexto, as ações de vigilância estendem-se a outras áreas do conhecimento, cuja competência para intervir está fora do setor saúde, como as questões ambientais, de saneamento, habitacional, entre outras, que se constituem como fatores

condicionantes de saúde, portanto objeto de intervenção da vigilância em saúde, caracterizando-a como uma área de atuação intersetorial e multidisciplinar.

Ao tratar de uma abordagem direcionada a uma população determinada, também incorpora nesse conceito a noção de território preconizado pelo SUS. Nesse sentido, aponta-se para o mapeamento das situações de risco ou estratégia de intervenção segundo uma associação espacial. O sistema de saúde pública brasileiro preconiza a organização da atenção à saúde segundo uma lógica territorial, portanto, em princípio, o desenvolvimento das ações de vigilância, projetadas no tempo e espaço, fortalece e é fortalecido na forma como o sistema de saúde se organiza, tendo a atenção primária como eixo estruturante e a abordagem das populações adscritas.

Essa forma de organização possibilita uma aproximação das populações e consequentemente da abordagem do processo saúde/doença, preconizando uma apropriação do conhecimento e antecipação de tendências que devem ser consideradas para o direcionamento de medidas protetivas9. Essa dimensão espacial e temporal é intrínseca às ações de Visat e guardam relação com o compromisso da proteção à saúde, impondo um caráter processual às ações, que devem ser contínuas e sistemáticas, como citado na norma legal. No entanto, garantir o aprofundamento e abrangências adequados a cada caso investigado é tarefa que pode dar racionalidade e visibilidade às intervenções que, em princípio, têm um caráter ilimitado100.

Dar concretude às ações de Visat significa viabilizar sua factibilidade no âmbito do setor público que tem recursos limitados, acima da sua capacidade de acolher e dar respostas efetivas às demandas. Esse cenário desafia as ações de Visat a fomentar a capacidade dos governos de planejar, formular, programar políticas e cumprir funções estabelecidas, transformando a organização do trabalho também dentro do próprio SUS para efetivar uma abordagem com prioridade para ações de promoção de saúde e prevenção dos agravos, incorporando no seu cotidiano um movimento contra-hegemônico para consolidar relações intersetorias e uma dinâmica de gestão participativa.

Retomamos um componente fundamental da gestão participativa, inerente à Visat, cujo aprofundamento na prática carece de estratégias que valorizem no diálogo com outros campos de saberes, o conhecimento prático. Para a Visat, esse componente não deve se limitar a uma contribuição pontual para determinar a eleição de prioridades de atuação, mas, acima de tudo, fundamentar no saber operário o conhecimento sobre a relação saúde-trabalho, que está vinculado à dimensão subjetivo-existencial associada à vivência imediata nas situações

de trabalho e dinamizadas pelo grupo e pelo contexto social101. Essa vivência se ampara num conceito de doença distinto do biológico e do conceito ampliado de doença que rege a gestão e ação no SUS, portanto sua dimensão também deve ser considerada e compreendida para uma atuação intersetorial e multidisciplinar.

A participação dos trabalhadores representa também uma força política de interesse do campo da saúde do trabalhador, estratégica na superação de entraves na relação intra e interinstitucional por estar num patamar externo da rede de saúde e desvinculado de modelos tradicionais de atenção à saúde, constituindo-se numa força de enfrentamento de micropoderes corporativos e descontextualizados do compromisso precípuo de proteção à saúde dos trabalhadores. Dessa forma, a participação dos trabalhadores se constitui num componente transversal para conformar a organização das ações em rede100.

Dada a sua característica processual e caráter permanente de intervenção nos ambientes no trabalho não se pode considerar a Visat como algo concluído, mas como um conjunto de práticas que se organizam heterogeneamente de acordo com o contexto em que se dá sua ação, considerando as realidades locais e o nível de inserção institucional e da participação dos trabalhadores.

A Visat, já consolidada do SUS e com um aparato legal que lhe dá o status de uma política de Estado, tem como desafio avançar na efetivação de seus pressupostos, superando entraves impostos ao próprio SUS. A complexidade prática e metodológica para o desenvolvimento das ações está relacionada à diversidade dos ambientes de trabalho e à diversidade de interesses sociais, econômicos e políticos, muitas vezes incompatíveis com os interesses das políticas públicas de saúde em prol da proteção da saúde dos trabalhadores.

Em síntese, para uma concepção de Visat que dê conta da demarcação do objeto desta tese, podemos entendê-la conforme alguns pontos:

1. A Visat como uma política de Estado, amparada no arcabouço jurídico que lhes dá suporte legal para o enfrentamento de conflitos de interesse entre o capital e o trabalho, buscando, para a saúde do trabalhador, um status de prioridade para a gestão e investimento em saúde;

2. A Visat como uma ação intra e intersetorial, pelo fato de intervir nos ambientes e processos de trabalho e nos fatores condicionantes do processo saúde-doenças acolhendo a diversidade dessas áreas de atuação que implica numa articulação entre os setores no campo da saúde e se amplia às outras áreas do conhecimento como trabalho, produção, previdência e ambiente entre outras;

3. A Visat como uma ação incorporada à rotina de trabalho da rede de atenção à saúde, em todos os níveis de complexidade, respeitadas às suas competências e organização espacial, garantindo a integralidade da atenção;

4. A Visat como um componente ético das relações sociais, posto que se caracteriza como pano de fundo para institucionalização de saberes e práticas, inclusive do saber operário, que permitam maior efetivação da saúde como um direito coletivo de cidadania e como um direito humano fundamentado no respeito à dignidade, a partir da incorporação de práticas efetivas de transformação dos processos de trabalho.