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Os nove meses da gravidez dão aos pais a possibilidade de se adaptarem física, relacionada com as fases da gravidez, e psicologicamente.

Sempre que este tempo se abrevia os pais sentem-se perdidos e incompletos.

A gravidez pode surgir como uma tempestade ou como uma mina de ansiedade, mas são estes sentimentos que vão fazer com que os pais adquiram energia necessária para o imenso trabalho de adaptação a um novo bebé (Brazelton, 1989).

Todas as grávidas acreditam na possibilidade de ter um filho imperfeito, uma aberração, e chegam mesmo a “ensaiar” como fariam se o filho nascesse “aleijado”. Como tal as futuras mães, no sentido de dominar os seus medos e as suas ansiedades, imaginam o seu bebé como um ser completamente perfeito e bastante desejado, para que também se sintam capazes de serem mães perfeitas. A futura mãe coloca-se, inconscientemente no lugar do seu filho e identifica-se com ele.

A movimentação fetal e a noção de que o bebé é uma realidade deixam a mãe com cada vez mais dúvidas. Apresenta alterações de humor que alternam entre a depressão e a exaltação que ocorrem de forma imprevisível. Começa também a ter uma preferência pelo sexo do bebé. É frequente nesta fase escolherem o nome, arranjarem a casa para acolher o bebé, escolherem as roupas, decorar o quarto... A mãe começa a reconhecer os movimentos do feto e a apoiar-se neles.

Uma mãe com filhos mais velhos irá comparar o comportamento do feto com o dos fetos anteriores. A mãe tem necessidade de personificar o feto para que o bebé que nascer não seja um estranho na altura do nascimento.

Canavarro (1999) defende que os humanos nascem dotados de um sistema de vinculação que lhes permite procurar a proximidade de uma figura que lhes forneça protecção e segurança a partir da qual possam explorar o meio.

Moulder (Canavarro, 2006) refere dois conceitos: papel de ligação, que diz respeito aos sentimentos que a mãe vai tendo em relação ao bebé, desde o inicio

da gravidez; investimento que diz respeito ao envolvimento activo durante a gravidez.

Com todas as alterações que acontecem no corpo da mulher, o envolvimento dos pais com o filho que irá nascer e a vinculação que se constrói, quanto mais longo é o período de gestação, ou mais idade tiver o bebé, maior é a ligação mãe-filho e consequentemente maior é o sofrimento pela sua morte (Bluglass citado por Canavarro, 2006).

“Muitos dos pais de bebés que nascem com problemas de saúde, que reduzem a sua esperança de vida para apenas algumas horas, semanas ou poucos meses, manifestam emoções de dor e tristeza pela perda iminente do seu filho” (Canavarro, 2006, p.260).

Independentemente da duração da vida de uma criança, de ter ou não problemas de saúde ou de ser fruto de uma gravidez planeada ou não planeada, as reacções de sofrimento e pesar pela sua morte são uma realidade (Ferreira et al. Citado por Canavarro, 2006).

3.1. Papéis da Família

Desde o nascimento que a criança inicia um processo de socialização, onde a família lhe transmite ideias, valores e conceitos fundamentais da sociedade, essencialmente por intermédio dos papéis parentais, embora a recepção por parte da criança seja feita após algumas filtragens por parte dos educadores (Dias, 2001).

As mudanças praticadas no decurso da história da humanidade implicaram uma problemática diferente nas funções tradicionais da família. Há vinte anos atrás, a mulher ficava em casa a cuidar dos seus filhos, enquanto o marido era o único que trabalhava. Hoje mais de 50% das mães com filhos com idade inferior a 18 anos trabalham, dividindo com o marido a responsabilidade de sustentar a casa.

Segundo Frade (1992) cada elemento duma família tem uma determinada função que é resultado das expectativas dos outros membros, e da necessidade

de execução de tarefas. O papel que cada um assume determina comportamentos, deveres, níveis de responsabilidade, poder e tipo de relação com os outros.

Quando uma criança é internada tem uma necessidade permanente e intensa de cuidados, acabando os pais por sacrificarem tempo para si próprios e para os outros filhos. O trabalho tem de ser reorganizado para se acomodar às necessidades da doença, as mães ficam sobrecarregadas e muitas vezes têm de abandonar o emprego ou ficar em casa para cuidar do filho. Os planos e projectos que foram estruturados e pensados pela família podem ser profundamente alterados.

Pinto (1992) refere que o desempenho das funções de cada elemento da família vai estabelecer as bases de um melhor ou pior nível de saúde do sistema familiar ou de apoio na doença de um dos membros. Como tal, a integridade do sistema familiar e o padrão das relações familiares possuem um valor terapêutico quando constituem um factor de protecção relativamente aos processos de doença dos seus membros, sendo essa uma das principais funções de uma família normal.

3.1.1. Mãe

Segundo Daniel Stern (Brunschwig, 2008) na nossa cultura ocidental, quando uma mulher se torna mãe existem quatro temas com as suas respectivas tarefas que o autor denomina de “constelação materna”. Esta constelação não é universal nem inata e é constituída por quatro temas.

Crescimento da vida – questiona-se se a mãe tem a capacidade para assegurar o desenvolvimento e saúde do filho para o manter vivo;

Relação primária – diz respeito ao compromisso emocional da mãe. Será que a mãe poderá amar o seu filho?

Matriz de suporte – embora a sociedade atribua à mãe uma enorme corrente de responsabilidades, esta tem necessidade de procurar um enredo de suporte.

Reorganização identitária – a mãe vê-se “obrigada” a transformar e a sua identidade, passa de mulher a progenitora, de mulher com carreira para chefe de família.

A mãe traz a vida para o mundo, e quando se vê incapaz de a manter a mulher tende a estender essa incapacidade à sua feminilidade, vendo-a como estragada, inadequada e insatisfatória. Com essa percepção de insucesso, reconhece-se, além da vergonha e da angústia, um desejo de morrer, como se morte significasse a união à criança falecida.

3.1.2 – Pai

Apesar do papel de pai ter sido esquecido nos estudos mais antigos, sabe- se actualmente que o pai desempenha um papel cada vez mais importante no desenvolvimento e na manutenção da capacidade materna, assim como exerce uma influência directa no desenvolvimento do filho, realçada pela vinculação com a criança desde a infância (Brazelton e Cramer, 1989).

A presença do pai é tão importante como a da mãe na construção da personalidade da criança, e quando a mãe está temporariamente sem capacidades físicas para tratar da criança é ele que tem de assumir o seu lugar.

O seu papel é indispensável para a construção da identidade sexual da criança, pega no bebé de forma mais robusta, tem uma entoação mais grave, outro tipo de gestos diferentes dos da mãe (Brunschwig, 2008). Normalmente apresenta-se também como sendo mais exigente, com maior tendência para corrigir os erros num ponto de vista cognitivo.

Quando ocorre o falecimento de um filho, também o pai se sente angustiado e incapacitado porque o seu papel de chefe de família não foi cumprido.

3.1.3 – Irmãos

A família começa com um filho e depois, conforme a condição física e social poderá aumentar para dois, três ou mais filhos. Mas o que é certo é que algumas crianças aceitam melhor a vinda de um irmão/irmã do que outras. Podem sempre surgir ciúmes, inveja e sentimentos de revolta em relação ao novo elemento da família porque sentem que a atenção dos pais mudou de rumo, o filho mais velho sente-se “despromovido” (Brunschwig, 2008).

Segundo Brunschwig, existem múltiplas manifestações que caracterizam o sentimento destruidor do ciúme: sono perturbado, irritabilidade, depressão, dificuldades escolares, por vezes pode até surgir um retrocesso no desenvolvimento da criança.

Gibbons (Wong, 1999) refere que quando morre um irmão, a reacção do outro dependerá de muitos factores: a circunstância da morte, o relacionamento que tinha com o irmão, as reacções dos pais e dos padrões da comunicação familiar.

A criança em luto tem imensa dificuldade em saber lidar com a tristeza e desconforto das pessoas que a abordam sobre o sucedido. Chega a ter medo de brincar e de rir porque acredita que a família e os amigos pensam que é insensível à morte do irmão.

A criança ao conhecer o diagnóstico do irmão pode expressar uma preocupação em relação à sua própria saúde, reconhecendo a morte e inclusivamente apresentar sintomas idênticos aos do irmão que morreu.

Se os pais e restante família deturparem ou fantasiarem a morte do irmão, a criança quando for adolescente, ou adulto e compreender a “artimanha”, vai distanciar-se de quem o ludibriou. Futuramente trará consequências no desenvolvimento da personalidade da criança e na capacidade de se relacionar (Rebelo, 2007).

3.1.4 – Avós

A existência dos avós é muito importante para a socialização da criança como também para a sua vida afectiva. São eles que ligam a criança à sua descendência, uma vez que conheceram os pais quando estes eram pequenos.

Os avós estabelecem o elo de ligação entre o passado e o presente e ajudam a preparar os netos para o futuro. São mais tolerantes e serenos com os netos do que o que foram com os filhos.

Segundo Brunschwig (2008) quando os avós moram perto dos netos e têm uma relação bastante afectuosa são inseridos na sua vida como forma de benefício. Consoante a sua disponibilidade, levam os netos à escola, à natação, ao cinema, ao jardim zoológico e por vezes acabam por passar mais tempo com eles do que os próprios pais.

Os avós são menos stressados do que os pais e têm mais tempo para ouvir, explicar e mostrar as curiosidades dos netos.

Quando morre um neto pode surgir a dificuldade em se saber lidar e comunicar com a família em luto e os seus membros. As exigências de relacionamento são diferentes e se não houver um esforço logo desde inicio para a adaptação às mesmas, a família acaba por se separar (Rebelo, 2007).

3.2. A perda de um Filho

A morte de um filho constitui sempre uma perda aflitiva, talvez seja, mesmo a experiência mais dolorosa de uma vida.

Quando ocorre a morte de um filho, o luto observado é bastante complexo e é muito frequente o desenvolvimento de manifestações anormais. É uma sensação mais dolorosa do que a morte de um adulto.

Os filhos representam para os pais tanto o melhor como o pior que pensam sobre si mesmos.

A criança nasce num mundo de sonhos e expectativas, onde lhe são transmitidas heranças diversas como a genética, os costumes e valores.

Segundo Rebelo (2007), a vida não nos proporciona muitas experiências directamente relacionadas com o luto pela morte de uma criança e por isso não estamos preparados quando nos deparamos com essa situação.

Rebelo (2007) fala-nos ainda da sua própria experiência de vida dizendo que

“sentimos uma culpa esmagadora por tudo o que não fizemos, por todo o abandono a que assumimos ter votado o nosso filho” (Rebelo (2007, p.124).

Após a morte de um filho os pais sentem-se incompletos, sempre à procura de um sinal que os faça aceitar melhor a realidade e o choro é a única arma para tentar aliviar a dor.

A morte de um filho provoca um luto profundo porque os pais se identificam muito com os filhos e vêem-nos como a sua continuação e o seu futuro. Além disso, como os pais são os primeiros e principais responsáveis pelo crescimento e protecção do seu filho, quando este morre, sentem que falharam na sua tarefa e obrigação e isto fá-los experimentar uma grande culpa.

O luto em relação a um filho é muito mais prolongado do que em relação a um adulto e sentimentos como tristeza, culpa, ansiedade e medo podem acompanhá-los durante toda a vida. Rebelo (2007) refere que estes sentimentos vão-se atenuando ao longo do tempo mas nunca chegam a desvanecer por completo.

O comportamento dos pais após a morte de um filho e durante todo o processo de luto é bastante contraditório e distinto. A relação do casal pode-se desmoronar uma vez que a dor é tão grande que não suportam a companhia um do outro, ou por outro lado pode unir muito mais o casal. É frequente verificar-se, após a morte de um filho, uma quebra de comunicação entre os pais. Um deles, em vez de conseguir escutar o outro, exige que este reprima os seus sentimentos, uma vez que não se sente compreendido

A perda da criança traz ao de cima todos os problemas e divergências tornando-as desconformes. O próprio processo de luto implica que a agressividade seja dirigida a alguém e neste caso é quem se encontra mais perto e quem a pessoa ama uma vez que foi sempre um apoio e aconchego nos

momentos mais adversos. Surgem as acusações mútuas e a deterioração sentimental e sexual do casal acabando por deixar de ter significado a vida a dois. Grande parte dos casais que perdem filhos acaba por se divorciar (Rebelo, 2007).

A intensidade com que os pais vivem luto varia de acordo com a relação que cada um mantinha com o seu filho, as aspirações e expectativas sonhadas para ele. A intensidade emotiva do luto de um dos pais poderá parecer desproporcionada em relação à do outro.

Rebelo (2007) diz-nos ainda que também pode acontecer o inverso, a morte da criança pode unir ainda mais os pais tornando-os cúmplices na dor que sentem. O carinho e a solidariedade entre o casal aumenta. “Buscam na

intimidade uma compensação física para a perda afectiva” (Rebelo, 2007, p.130).

Muitos pais chegam a sentir-se culpados por tentarem preencher o vazio que os consome através da prática sexual. “A necessidade de carinho é imensa

após a perda de uma criança e a energia de amor e de ternura transmitida no acto sexual contribui para apaziguar a alma das dores sofridas” (Rebelo, 2007, p.131).

Quando os pais da criança são divorciados, o processo de luto é bastante complexo. Segundo Rebelo (2007) logo após a morte do filho os pais têm tendência para se unirem, para se manterem juntos. Pode inclusivamente ocorrer um reencontro entre os dois no sentido de compensarem os afectos perdidos com a morte da criança. Por outro lado a aproximação de pais divorciados após a perda da criança pode gerar momentos conflituosos com agressões e culpa dirigida.

Os pais em luto podem reagir de formas por vezes contraditórias em relação aos filhos vivos. A situação traumática pode levar os pais a negligenciarem os filhos. O desgaste físico e emocional impede-os de ajudarem seja quem for. Após o restabelecimento dos pais, estes tornam-se bastante cuidadosos e vigilantes, por vezes sufocantes em relação a todos os comportamentos dos filhos, pois a ideia de se perspectivarem confrontados com uma segunda perda é bastante doloroso.

Outra situação que poderá acontecer é os pais tentarem substituir a criança que morreu. “Este comportamento de negação da perda pode revelar-se doentio

para os pais e monstruoso para os filhos” (Rebelo, 2007, p.134). Têm tendência

para vestir, pentear e falar com o filho vivo como se fosse a criança perdida. Rebelo (2007) refere que ainda mais doentio é quando os pais decidem ter outro filho e dão-lhe o mesmo nome do filho que morreu. Nesta situação o processo de luto é anormal porque os pais agem como se nada tivesse acontecido.