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A violência contra as mulheres não é a única forma de violação dos direitos humanos de meninas e mulheres. Para exemplificarmos, no ano de 2014, 143 de 195 países garantiam a igualdade entre mulheres e homens em suas constituições, sendo que dos 143 países, 60 se recusam a dar às mulheres o direito a alterar ou conservar a sua nacionalidade, ou conferir a nacionalidade a um cônjuge que não tenha nascido no país. Isso impede que as mesmas exerçam de modo igualitário, democraticamente seus direitos: como votar, trabalhar, acessar a bens e serviços e benefícios, etc. Em relação ao mercado de trabalho, as mulheres ganham entre 10 e 30 por cento menos que os homens em 83 destes 143 países. Logo, a incidência da pobreza é maior, bem como é potencializada a possibilidade de mulheres ocuparem trabalhos com menor remuneração ou com menos segurança (ONU, 2014).

Entre estes 143 países, vinte e seis fazem diferenciações em leis de herança entre mulheres e homens, posicionando-as em locais vulneráveis, sem acesso aos direitos que lhe cabem e afastando-as do acesso a recursos e créditos. Ainda, do total de países, 77 deles penalizam as relações entre pessoas do mesmo sexo (ONU, 2014).

A ONU destaca que, no quesito educação, 60% das pessoas no mundo, adultas ou jovens que não possuem competências básicas de alfabetização são mulheres e que o planejamento familiar9 não está acessível para mais de 140 milhões de mulheres no mundo, ficando então com restrições quanto a possibilidade de escolha sobre quando engravidar, a quantidade de filhos que desejam ter, dentre outros fatores (ONU, 2014).

Quanto à participação das mulheres na política, a ONU (2014) destaca que no mundo todo, apenas 21,8% dos assentos nos parlamentos tem representatividade feminina. Logo, as decisões frequentemente tomadas além de não receberem contribuição das mulheres, podem inviabilizar um olhar sobre as decisões públicas, com enfoque no gênero.

Quanto à violência, a ONU (2014) aponta que uma em cada 3 mulheres já sofreu violência física ou sexual, principalmente por um parceiro sexual. A mutilação genital feminina provocou traumas emocionais e físicos em 133 milhões de meninas e mulheres, potencializando riscos à saúde sexual e reprodutiva, dentre outros problemas.

Estudo da OMS com dados de 10 países e mais de 24.000 mulheres sobre a relação com seus parceiros ou ex-parceiros identificou que a porcentagem de mulheres que sofreram violência física ou sexual, ou ambas, pelo (ex)companheiro, ao longo da sua vida, oscila entre 15 e 71%. O Estudo mostra que 15% das mulheres no Japão e 71% das mulheres na Etiópia relataram violência física e/ou sexual por parceiro íntimo em sua vida e, entre 0,3% e 11,5% das mulheres relataram violência sexual por alguém que não seja um parceiro desde a idade de 15 anos. Isso demonstra que a violência física e sexual está diretamente ligada à violência por parceiro íntimo ou ex-companheiro. Para estimar a violência física foram listados e questionados os seguintes motivos: agressão com tapa ou lançamento de objeto que possa causar ferimento; empurrão ou puxão de cabelo;

agressão com soco ou algo que poderia ferir; chute, espancamento ou ter sido arrastada; estrangulada ou queimadura; ameaçado com arma de fogo, faca ou outra arma. Para a violência sexual foram considerados 3 comportamentos: ter sido forçada a ter relações sexuais contra a sua vontade; ter relações sexuais por medo do que seu parceiro podia fazer; e, ser forçada a fazer algo sexual que de maneira degradante ou humilhante (GARCIA-MORENO et al., 2005).

Utilizando de investigação qualitativa o estudo ainda sistematizou a violência psicológica, na relação do casal, sendo considerados para a entrevista os seguintes atos: ter sido insultada ou provocada para sentir-se mal, em relação a si mesma; ser humilhada na frente de outras pessoas; ser intimidada ou amedrontada; ser ameaçada de ferimento a si ou a outrem, com importância para a entrevistada. Em relação a essa violência, destaca-se que os dados oscilam entre 20% e 75% das mulheres e vivenciaram ao menos, um dos atos de violência psicológica (GARCIA- MORENO et al., 2005, p. 10).

Utilizando base de dados de 80 países, a OMS em parceria com a London School of Hygiene and Tropical Medicine and the Medical Research Council, verificou que, no geral 35% das mulheres do mundo têm experimentado violência física ou sexual, seja por companheiro/parceiro íntimo ou não. Em todo o mundo, quase um terço (30%) de todas as mulheres já sofreram violência física e/ou sexual por seus parceiros íntimos. No mundo o assassinato de mulheres por parceiros íntimos representa 38%. A maior quantidade de casos de assassinatos por parceiros registra-se no Sudeste Asiático, África e Mediterrâneo Oriental, após América, Europa e Pacífico Oeste. Quando aos parceiros/companheiros não íntimos, a África e América, ocupam as primeiras posições no estudo (WORLD HEALTH ORGANIZATION, 2013).

Num grupo com 83 países, com dados homogêneos fornecidos pela OMS, o Brasil ocupa a 5ª posição no ranking mundial de países com maior número de feminicídios. Esse número é 48 vezes maior do Reino Unido; 24 vezes mais que a Irlanda ou a Dinamarca; e, 16 vezes mais que o Japão ou a Escócia (WAISELFISZ, 2015).

O Mapa da Violência apresentado pelo sociólogo Julio Jacobo Waiselfisz (2015) mostra que entre 1980 e 2013, 106.093 brasileiras foram assassinadas. Entre 2003 e 2013, o número de vítimas fatais do sexo feminino saltou de 3.937 para 4.762: são 13 assassinatos por dia. O dado demonstra as características desses

assassinatos: 50,3% foram cometidos por familiares, e 33,2% dos casos, o crime foi praticado pelo parceiro ou ex.

Entre os anos de 2001 e 2011, estimou-se a ocorrência de mais de 50 mil feminicídios. Isso representa uma média de 5.664 mortes de mulheres por causas violentas a cada ano, 472 a cada mês, 15,52 a cada dia, ou seja, uma morte a cada 1mhora e 30minutos. Destes feminicídios, 29% ocorreram no domicílio e 31% em áreas públicas (IPEA, 2013).

Waiselfisz (2015) mostra o maior impacto da violência sobre as mulheres negras. Utilizando dados de 2003 e 2013 o autor demonstra que houve uma queda de 9,8% no total de femicídio de mulheres brancas e um aumento de 54,2% no número de feminicídio de mulheres negras.

Para Eva Alterman Blay (2003, p. 96), o feminicídio é parte da realidade e do imaginário brasileiro há séculos e, fazem parte da literatura de caráter jurídico, histórico, sociológico, revistas, notícias de jornal, além de dramaturgias, literaturas de cordel, etc. Ou seja, um problema que ainda deve ser ponderado e avaliado adequadamente, com tratativas e políticas públicas de combate e enfrentamento.

No ano de 2011, 12.087 casos de estupro foram registrados no Sistema de Informação de Agravos de „Notificação. Este número representa aproximadamente 23% do total registrado pela polícia em 2012, conforme dados do Anuário 2013 do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (CERQUEIRA; COELHO, 2014). Em apenas 9 meses, no ano de 2016, mais de mil mulheres foram vítimas de estupro na cidade de São Paulo. De acordo com a Central de Atendimento à Mulher, a cada 3 horas registrou-se uma denúncia de caso de estupro pelo “Ligue 180”, da SPM (BRASIL, 2015b).

No ano de 2014, 223.796 mulheres foram vítimas de diversos tipos de violência. Destas, 147.691 (66%) foram mulheres que precisaram de atenção médica devido a violências domésticas, sexuais e/ou outras (WAISELFISZ, 2015).

De janeiro a outubro de 2015, a Central de Atendimento à Mulher – Ligue 180, realizou 63.090 atendimentos relatando violência. Nos 10 anos de existência deste serviço (2005-2015), foram relatados 552.748 casos de violência; os dados mostram que 38,72% das mulheres em situação de violência sofrem agressões diariamente; para 33,86%, delas a agressão é semanal (BRASIL, 2015b). De acordo com Brasil (2017) a Central de Atendimento à Mulher, mais conhecida como Ligue 180, realizou, 1.133.345 atendimentos a mulheres em todo o País. O número foi

51% superior ao registrado no ano de 2015, quando 749.024 mulheres foram atendidas pela central. Desde 2005, quando foi criada a Central de Atendimento à Mulher – Ligue 180 já registrou 5.965.485 atendimentos.

Ante a impunidade que permeia o crime de violação dos direitos humanos das mulheres com a prática das violências ora descritas, muitas vezes invisíveis diante da sociedade, é essencial que existam leis e políticas públicas para o enfrentamento deste fenômeno, articulado com debates, punições, prevenção e criminalização dos atos que envolvem a dimensão exposta, de modo a operar ações que promovam a igualdade de gênero presente Brasil e no mundo. Como afirmam Teles e Melo (2002, p. 18), a intersecção entre os estudos de gênero e a violência contra as mulheres, além de trazer elementos da dominação masculina mostram que a desigualdade entre mulheres e homens não é natural, o que pode promover relações democráticas entre os sexos.

Os conceitos de violência contra as mulheres sob a luz dos estudos de gênero e, como fenômeno complexo dentro de nossa sociedade, o compreendemos com situação a ser tratada pelo Estado, por meio de intervenções denominadas políticas públicas, item que abordaremos no próximo capítulo.

3 POLÍTICAS PÚBLICAS PARA ENFRENTAMENTO DA VIOLÊNCIA CONTRA AS MULHERES

O objetivo deste capítulo é apresentar conceitos de políticas públicas, enquanto área do conhecimento e locus de atuação do Estado brasileiro na resolução de problemas e demandas a ele apresentados, ciclos de políticas públicas, e políticas públicas para mulheres com ênfase no enfrentamento da violência impetrada contra elas.

Ao consolidar o país como uma República Federativa, a Constituição da República Federativa do Brasil (CRFB) de 1988 institui o Estado Democrático de Direito ao definir a estrutura administrativa do Estado. Confia unidade política e econômica à diversidade de centros de poder dos entes federados, regidos por um conjunto de regras que garantem à sociedade civil o exercício da cidadania.

As políticas públicas estão consolidadas a partir de parâmetro geral: as leis, para evitar que ações públicas sejam realizadas de modo obscuro. Legislar sobre as políticas públicas permite que planos, programas e projetos, ganhem efetividade em nossa sociedade. As leis, decretos, normas, regulamentos consolidam a transparência do direito e os anseios da sociedade em solucionar um problema público.

Entre as políticas públicas para mulheres, estão aquelas voltadas ao enfrentamento da violência contra as mulheres que são representadas por ações para garantir igualdade de gênero entre mulheres e homens. No contexto brasileiro, foi lançado em 2013 o PMVSV, que definiu a implementação da CMB como uma das ações que devem ser desenvolvidas para sua efetivação. Também, neste capítulo, iremos realizar uma contextualização sobre o Programa, apresentando suas diretrizes e estrutura.

Neste capítulo cumprimos dois de nossos objetivos específicos, quais sejam: resgatar e registramos o processo histórico das políticas públicas para enfrentamento da violência contra as mulheres no Brasil até o lançamento do Programa Mulher: Viver Sem Violência, e o outro que é descrever o referido Programa.