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CAPITULO I – AS TRANSFORMAÇÕES TECNOLÓGICAS NA SOCIEDADE

2.2. Virtualização

Começar a escrever sobre um tema é um processo que requer elaboração de idéias e pesquisa de fontes. Nesse instante imagino os caminhos que pretendo seguir para escrever sobre a virtualização. Porém não me prendo apenas ao conteúdo, penso também na formatação do texto. Que tipo de letra vou usar nas epígrafes? Quais fotos preciso digitalizar e onde irei inserí-las? São tantas idéias que já consigo imaginar o trabalho concluído. Poderia dizer que virtualmente a dissertação já está pronta. Contudo preciso escrevê-la, ou seja, atualizá-la.

“A Idéia não dispõe de qualquer atualidade. Ela é virtualidade pura” (Deleuze, 1988, p. 439)

O termo virtualização ou virtualidade tornou-se mais utilizado após o desenvolvimento dos computadores e das redes digitais. A virtualização, entretanto, é predecessora das tecnologias, pois trata-se de tudo aquilo que possui existência potencial ou que possivelmente poderá acontecer, isso é, factível. Etimologicamente, ‘virtual’ deriva do latim ‘vir’ (que significa homem em um sentido idealizado), de onde derivou o termo ‘virtus’ (força, masculinidade, potência, virtude). Segundo o Dicionário de Tecnologia (2003) ‘virtual’, no inglês da Idade Média, referia-se à qualidade de alguém “possuidor de certas virtudes físicas” (p. 921).

Pela via do senso comum, associa-se o virtual a tudo que é falso, imaginário, ilusório ou não material. Lévy (1996) considera que o virtual possui apenas uma afinidade com estas categorias, não se opondo ao real, pois trata-se apenas de “um modo de ser fecundo e poderoso, que põe em jogo processos de criação, abre futuros, perfura poços de sentidos sob a platitude da presença física imediata” (p. 12). Para Lévy, a digitalização e o ciberespaço ampliam as possibilidades de virtualização, mas sua amplitude vai além das redes digitais, pois a memória, a imaginação, os sonhos e os desejos são também outras formas de virtualidade.

Casteslls (1999) acredita que a realidade, na forma como ela se apresenta, sempre foi virtual, uma vez que ela quase sempre é percebida por meio de símbolos, de representações. Neste sentido, a virtualização faz parte da criação da humanidade, presente na história de vida de cada ser humano, em todos seus aspectos - sociais, econômicos, políticos, culturais e educacionais. Por este motivo, Bonilla (2002) percebe a importância de os educadores compreenderem “a relação virtual e real, haja visto a educação estar comprometida com o movimento de heterogênese do humano, com os processos de produção de conhecimento, imaginação e aprendizagem, os quais estão intimamente relacionados a processos de virtualização” (p. 177).

Outros autores também estabelecem relação entre o virtual e o real. Weissberg (1993) acredita que “virtual e real são duas faces de uma mesma questão. O virtual não substitui o real, ele ajuda a lhe dar sentido” (p. 121). Dentin (1993) analisa o virtual “para além de real” (p. 135), considerando-o parte integrante e estrutural do real. Deleuze (1988), Serres (2003) e Lévy (1996) têm se dedicado aos estudos sobre virtualidade. Este último autor, na obra O que é virtual, propõe uma análise do termo considerando os aspectos filosófico, antropológico e sócio-político. A análise feita por Lévy (1996) utiliza as categorias possível/real como complementares do virtual/atual.

O possível é algo já constituído com todas as suas características, mas em que falta ainda a materialidade, a existência. Para Deleuze (1988, p. 339), “o possível opõe-se ao real; o processo do possível é, pois, uma ‘realização’”. O virtual é um real sem materialidade, mas que também existe. Possível e virtual são latentes, “anunciam antes um futuro do que oferecem uma presença” (Lévy, 1996, p. 137). Para Bonilla (2002, p. 178), “como uma possibilidade está associada a uma potencialidade, o possível está imbricado no virtual”.

Todavia o real e o atual são patentes e manifestos, eles estão presentes. Desta forma, o virtual não é imaginário nem oposto ao real, ele é uma parte do real e opõe-se ao atual. Segundo Lévy (1999), “o virtual é uma fonte indefinida de atualizações” (p. 48). As quatro categorias: possível, real, virtual e atual formam quatro pólos dialéticos. Para Lévy, possível/real estão no pólo das substâncias e virtual/atual estão no pólo dos acontecimentos.

Na relação virtual/atual surgem dois processos distintos e característicos da espécie humana: a virtualização, que é a passagem do atual para o virtual, compreendendo o remontar de uma solução problematizadora, e a atualização, que é a passagem do virtual para o atual, compreendendo uma solução exigida num complexo problemático.

Para melhor compreensão destes dois processos, podemos representá-los conforme a figura a seguir:

Figura I: Processos do conhecimento

VIRTUAL ATUAL

ATUALIZAÇÃO

VIRTUALIZAÇÃO

Se a atualização é uma resposta a uma dada problematização, e a virtualização significa o retorno a uma nova problemática, podemos perceber que esse movimento dialético faz parte do próprio processo de aprendizagem do ser humano ao longo da sua existência. Nesta perspectiva, é impossível desvincular o par virtual/atual da instância do sentido e do simbólico31.

As tecnologias da informação e da comunicação potencializam o virtual ao possibilitar que algo seja deslocalizado e desmaterializado. Com as TIC, as informações passaram a ser digitalizadas, ou seja, traduzidas em bits (com valores 0 e 1), podendo desta forma ser acessadas em vários locais simultaneamente (sincronização) e ser atualizadas por cada um dos sujeitos que acessarem a rede em espaços e tempos diferenciados (interconexão). A velocidade com que estas informações circulam na rede foi amplamente acelerada se compararmos com as trocas de informação realizadas por meio do envio de correspondências por correio. Percebe-se, então, que as tecnologias digitais redimensionam as categorias de espaço e de tempo, onde estas não representam mais o calendário ou o relógio como nas antigas gerações, mas se misturam e se intercruzam. O virtual não está presente apenas em um determinado lugar, mas ele se manifesta em diferentes momentos e locais, tornando-se assim desterritorializado.

O fato de algo não pertencer a um determinado lugar não significa que não exista. Por exemplo, nas comunidades virtuais, seus membros estão espalhados em locais distintos do planeta e utilizam a rede como forma de comunicação para discutir assuntos de interesses comuns. Desta maneira, a comunidade está virtualmente presente na rede e atualiza-se em qualquer lugar onde seus membros estejam conectados.

Os novos espaços e tempos possibilitados pelas TIC são responsáveis também, segundo Tapscott (1997), por uma nova forma de economia, “a economia da Era da inteligência em Rede” (p. 8), onde os mercados eletrônicos utilizam a convergência entre a informática, a comunicação e os conteúdos. Para este autor, com as tecnologias convergentes surge a indústria da multimídia interativa, que já é responsável por cerca de 10% do PIB americano. Na nova empresa digital, a concorrência não é mais localizada, agora ela vem de todos os cantos, criando uma concorrência global. Nesse sentido,

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Talvez pudéssemos comparar esses processos a outras teorias de desenvolvimento cognitivo, como por exemplo, aos estudos realizados por Vygotsky, para quem o conhecimento se constrói a partir da interação sujeito-objeto de conhecimento. Porém isso nos desviaria do objetivo geral desta pesquisa que está relacionado à interatividade nos ambientes virtuais da Internet. Por isso a nossa preocupação no momento restringe-se a compreender como ocorre essa virtualidade.

“quando a informação se torna digital e interligada em rede, não há mais limites e nenhum negócio é seguro” Tapscott (1997, p. 13).

As empresas que estão na Internet podem ser chamadas também de empresas virtuais. Isso reforça o argumento de que o virtual existe e não se opõe ao real; apenas o complementa. Por este motivo, Lévy (1996) diz que possível, real, virtual e atual são apenas modos de ser diferentes, mas que se complementam e se interconectam.

Neste sentido, o desenvolvimento de uma nova tecnologia também não ‘joga fora’ ou substitui uma tecnologia já existente. Elas convivem em espaços e tempos diferentes. Assim, a fotografia não substituiu a pintura nem tampouco o videocassete e agora também o DVD fizeram o cinema desaparecer. Da mesma forma, embora o computador aglutine diversas mídias e a Internet seja um território sem fronteiras, continuará existindo o jornal impresso, o rádio, a televisão, o telefone, o que significa que haverá pessoas que terão preferência por usar todas as mídias em um só equipamento e também haverá aquelas que irão preferir ter equipamentos distintos, por escolha própria ou por falta de condições financeiras para acessar às TIC.

Atualmente, toda informação, som, imagem ou vídeo podem ser digitalizados e transmitidos pela Internet. Uma vez digitalizada a informação, ela poderá ser modificada, indexada, decomposta, recomposta e disponibilizada em qualquer hipertexto. Por meio da Internet, muitos jornais impressos estão atualizando as notícias em tempo real. Além disso, as tevês convencionais também utilizam a rede para divulgar seus programas e noticiários. A virtualização da informação nos hipertextos possibilita que cada sujeito possa atualizá-la constantemente.

A criação de uma tevê da internet como a AllTV tem potencializado os processos de virtualização/atualização onde cada internauta que interage no chat da emissora, em princípio, tem a possibilidade de ser também co-autor dos programas transmitidos32. A partir das interações no ambiente virtual da AllTV, novos hipertextos estão sendo criados nas comunidades virtuais formadas pelos internautas.

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O grau e a qualidade dessa co-autoria, além das demais potencialidades interativas da AllTV, serão discutidos no Capítulo 3.