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1 INTRODUÇÃO

2.4 R ESPONSABILIDADE S OCIAL E MPRESARIAL

2.4.2 Visão contemporânea da RSE

Embora as definições de RSE variem de acordo com o contexto histórico e social em que são formuladas, e sobretudo em função dos interesses e da posição ocupada no espaço social pelo grupo que as formula - o qual tende a ressaltar determinados aspectos e princípios em detrimento de outros - existe um razoável entendimento, ou “consenso mínimo”, hoje em dia, quanto ao fato de que uma empresa socialmente responsável deve demonstrar três características básicas: a) reconhecer o impacto que causam suas atividades sobre a sociedade na qual está inserida; b) gerenciar os impactos econômicos, sociais e ambientais de suas operações, tanto a nível local como global; c) realizar esses propósitos através do diálogo permanente com suas partes interessadas, às vezes através de parcerias com outros grupos e organizações (KREITLON, 2004).

Não obstante, o programa de pesquisa da RSE desenvolve-se com base na suposição de que, em sua natureza, existe uma relação intrínseca com a ética25. Tal proposição básica pode ser encontrada nas entrelinhas de várias definições conceituais da RSE, na atualidade. Daft (1999) afirma que RSE é uma forma de gestão que busca tomar decisões e executar ações éticas. Cherques (2003, p. 33) afirma que a “responsabilidade é o que nos faz sujeitos e objetos da ética, do direito, das ideologias e, se quisermos, da fé. É o que nos torna passíveis de sanção, de castigo, reprovação e culpa”. Segundo este autor, responder socialmente é cumprir com o compromisso mútuo entre o agente e a sociedade, é cumprir com a obrigação mútua. Como parte integrante da ética, a responsabilidade social tem por objeto as ações que possam, a qualquer título, vir a causar danos ou ofensas a outros. A ética, por seu lado, transcende a questão da responsabilidade. Abarca questões tais como a

25 Entretanto, apesar da maneira de operar da maior parte das empresas que praticam a chamada RSE, nas quais, embora vejamos os efeitos sensíveis, suas causas ainda são desconhecidas, e não percebemos os meios e modos pelos quais são produzidos. Fala-se em “probabilidade” de uma relação causal com a ética porque talvez essa suposta ligação escape à verificação direta dos sentidos, sendo impossível ter-se conhecimento propriamente dito acerca do que escapa à verificação direta dos sentidos, já que a certeza é essencial a tudo o que mereça ser chamado conhecimento (LOCKE, 1979).

solidariedade, os compromissos, a transparência, a fraude etc. Enfim, ser socialmente responsável é cuidar para que o output da empresa não repercuta negativamente sobre os seres humanos, incluindo as pessoas que ali trabalham. Isso compreende cada ser humano e a humanidade como um todo (CHERQUES, 2003). Na visão deste mesmo autor, porém, deve ser feito um reparo.

Cobra-se das empresas, a título de responsabilidade, ações como melhoramentos físicos, financiamento de projetos de interesse social e, até, caridade. Isso não tem nada que ver com responsabilidade. A responsabilidade moral das empresas esgota- se na prevenção dos males que possam causar e na reparação daqueles que vieram a causar, sem ter a intenção de fazê-lo (CHERQUES, 2003, p. 35).

Divergindo dessa opinião, há autores que têm se pronunciado de forma mais progressista (ASHLEY, 2003; NETO e FROES, 2002; ETHOS; GRAYSON e RODGES). Ashley (2003, p. 6-7), por exemplo, assinala que a RSE pode ser concebida como o comprometimento que uma empresa deve ter para com a sociedade, demonstrado isso através de atitudes que a influenciem beneficamente e de forma abrangente, atuando de forma proativa e coerente conforme seu papel na sociedade e segundo a sua prestação de contas para com ela. A organização, nesse sentido, “assume obrigações de caráter moral, além das estabelecidas em lei, mesmo que não diretamente vinculadas a suas atividades, mas que possam contribuir para o desenvolvimento sustentável dos povos”. Assim, conclui a autora, “numa visão expandida, responsabilidade social é toda e qualquer ação que possa contribuir para a melhoria da qualidade de vida da sociedade”.

Nessa linha, mais progressista, vejamos algumas formulações bastante utilizadas pelos pesquisadores da RSE atualmente:

Responsabilidade social é uma forma de conduzir os negócios da empresa de tal maneira que a torna parceira e co-responsável pelo desenvolvimento social. A empresa socialmente responsável é aquela que possui a capacidade de ouvir os interesses das diferentes partes (acionistas, funcionários, prestadores de serviço, fornecedores, consumidores, comunidade, governo e meio-ambiente) e consegue incorporá-los no planejamento de suas atividades, buscando atender às demandas de todos e não apenas dos acionistas ou proprietários. (ETHOS26)

Analisando o conceito acima, vemos claramente a prevalência de uma configuração contratual que se aproxima da abordagem teórica de “Mercado e Sociedade”,

26 Site do Instituto Ethos de Empresas e Responsabilidade Social. Seção: Perguntas freqüentes. Disponível em

especialmente, quando explicita a idéia de parceria e co-responsabilidade com o desenvolvimento social. Entretanto, ao examinar o trecho que assinala a incorporação dos interesses das partes envolvidas no planejamento das atividades da empresa, podemos ficar em dúvida, pois não manifesta a disposição de negociação, dando margem a uma interpretação próxima à visão da abordagem “Gestão das Questões Sociais”. Neste conceito, não fica claro como se dará o contrato social, nem tão pouco o papel da ética nesse processo. Não obstante, em seguida, o próprio Instituto Ethos vai esclarecer que:

A ética é a base da responsabilidade social e se expressa através dos princípios e valores adotados pela organização. Não há responsabilidade social sem ética nos negócios. Não adianta uma empresa, por um lado, pagar mal seus funcionários, corromper a área de compras de seus clientes, pagar propinas a fiscais do governo e, por outro, desenvolver programas junto a entidades sociais da comunidade. Essa postura não condiz com uma empresa que quer trilhar um caminho de Responsabilidade Social. É importante seguir uma linha de coerência entre ação e discurso. (ETHOS27)

Vimos na definição acima, que não é possível haver uma RSE sem ética nos negócios. Identificamos aqui, talvez um viés normativo de orientação deontológica. O que vai ser confirmado em outra conceituação de ética nos negócios. Assim, vejamos a definição desse conceito a partir de uma autora especializada:

Ética nos negócios é o estudo da forma pela qual normas morais pessoais se aplicam às atividades e aos objetivos da empresa comercial. Não se trata de um padrão moral separado, mas do estudo de como o contexto dos negócios cria seus problemas próprios e exclusivos à pessoa moral que atua como um gerente desse sistema. (...) (...) sem dúvida, existem certas escolhas a serem feitas com relação aos meios e aos fins empresariais, as quais têm um ingrediente essencialmente moral.

(NASH, 2001, pp. 6-7)

Convém examinarmos as idéias envolvidas neste conceito. Quando a autora fala de normas morais pessoais, fica claro uma ética normativa deontológica, e quando fala das escolhas com “relação aos meios e aos fins empresariais”, está fazendo uma alusão à ética da responsabilidade. Após essa conexão entre os conceitos de RSE e de ética nos negócios, é lógico deduzir uma ligação intrínseca entre eles.

Ainda segundo o Instituto Ethos, o seu objetivo é:

27 Ibid

[...] assegurar o desempenho ético correto e o desempeno ambiental adequado da empresa, melhorar a qualidade de vida dos seus funcionários e dependentes, usar o poder e a relação da empresa com seus fornecedores e concorrentes para mobilizá- los a ser socialmente responsáveis (por exemplo, não comprar de nenhum fornecedor que usa trabalho infantil), implementar normas de respeito ao consumidor e mobilizá-lo para atos de solidariedade, utilizar todos os espaços de comunicação para transmitir valores e informações de interesse da comunidade, etc. (GRAJEW apud, NETO e FROES, 2002).