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Capítulo VI Análise da Voz das Crianças sobre o Brincar

13. Visão das Crianças sobre o Brincar no Mundo

O brincar é um fenómeno universal e o jogo é igualmente um fenómeno observável em todas as crianças do mundo (Ferland, 2006).

A brincadeira, ainda que universal, não se manifesta da mesma forma em todas as crianças do mundo. Os brinquedos, a maneira de brincar e o tempo dedicado à brincadeira

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podem divergir de um país para outro mas o brincar continua a ser um fenómeno que perdura e atravessa gerações (Ferland, 2006).

O artigo 31 da Convenção Internacional sobre os Direitos da Criança, refere que “Os Estados Partes reconhecem à criança o direito ao repouso e aos tempos livres, o direito a participar em jogos e actividades recreativas próprias da sua idade (…)”. Sendo o brincar um direito fundamental que está reconhecido pela convenção internacional dos direitos da criança, cabe à sociedade em que esta vive, permitir-lhe exercer esse direito.

O brincar é, e deve ser, direito de todas as crianças do mundo. Mas conforme foi demonstrado e continua a ser, existem crianças que têm menos oportunidades de exercer esse direito. Audrey Curtis (2006) refere que em algumas sociedades, as crianças pequenas, nomeadamente as meninas, têm menos oportunidades de brincar do que as crianças do mundo industrializado.

De acordo com Ferland (2006), a nossa sociedade valoriza pouco o brincar da criança, uma vez que este não visa nem o desempenho, nem uma aplicação eficaz do seu tempo. O autor vai mais longe quando refere que nas famílias actuais o brincar não tem necessariamente um lugar importante. No entanto, segundo Audrey Curtis (2006), por toda a Europa existe um forte compromisso com o brincar como parte do currículo da escola de educação infantil. A abordagem que cada país faz do brincar é determinada quer pela sua filosofia quer pela sua cultura e ambiente, daí que sejam visíveis diferenças na maneira de interpretar o brincar.

Na maioria das culturas, incluindo a nossa, de acordo com Audrey Curtis, a maioria dos pais tem dificuldade em aceitar que a criança enquanto brinca, está a aprender muitas habilidades e conceitos. O autor acrescenta que para muitos pais, senão a maioria, o brincar é visto “como algo que as crianças fazem para se manter ocupadas enquanto os adultos estão ocupados em outro lugar” (2006, p. 49).

De uma forma geral, as crianças não têm uma visão acerca do brincar no mundo, das oportunidades que as crianças em todo o mundo têm para exercer esse direito, das dificuldades, desigualdades e da pobreza que existe a nível mundial. Na voz das crianças, todas as crianças do mundo brincam e podem brincar. Sendo que para tal basta portarem-se bem, serem pequeninas, serem crianças e que os pais comprem os brinquedos. Ainda que não tenham brinquedos, podem inventar brincadeiras ou usufruírem de espaços comuns, como por exemplo, os parques infantis. Podemos reconhecer que para algumas crianças os materiais não são assim tão importantes pois acima disso está a imaginação e criatividade para determinar a brincadeira.

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“- Elas podem quando se portam bem - afirma JP: M3

- Podem porque são pequeninas e podem brincar - diz RC: F3

- …porque são crianças e as mães podem comprar brinquedos - refere MS: F4

- Porque são crianças e são pequeninas e precisam de brincar para se divertirem - acrescenta AP: F4

- Todas as crianças do mundo podem brincar porque são pequenas e os pais dão-lhes os brinquedos - revela LM: F5

- …podem porque se não tiverem brinquedos podem ir brincar no parque porque ele é de todos os meninos - justifica DV: M6

- Sim, até os pobres (…) se não tiverem brinquedos até podem fazer bolos com areia. Eu também faço quando não tenho brinquedos - acrescenta MC: F6

- …algumas têm brinquedos e algumas quando não têm brinquedos podem brincar com os seus irmãos ou com outras coisas a fingir e brincam sempre. Eu brinco com coisas a fingir e invento coisas para brincar” - remata CR: F6

Algumas crianças, mas poucas, reconhecem que nem todas as crianças do mundo podem exercer o direito do brincar pela situação económica dos pais e, por conseguinte, pelo facto de trabalharem para ajudar a família. Assim, encontramos crianças com uma visão real acerca da sociedade e com uma visão acerca das desigualdades da mesma, quando afirmam que “Há crianças que não podem brincar porque os pais não têm dinheiro e outros têm para comprar”, refere MR: F4, “Algumas, os pais não têm dinheiro para comprar brinquedos e até têm fome”, acrescenta BS: F5, “Uns não têm dinheiro para comprar nada, nem livros, nem jogos. Há meninos pobrezinhos e que ajudam os pais a trabalhar”, remata DM: M5.

Na voz de algumas crianças, o brincar, por sua vez, está nas mãos dos pais e só os pais são os responsáveis pelo facto das crianças não poderem brincar, “porque às vezes as mães não deixam e mandam fazer outras coisas. Às vezes a minha mãe manda e eu não posso brincar, também já estou grande”, diz RS: M5, “Às vezes não podem porque não podem sujar a roupa mas depois se não brincarem elas ficam tristes”, remata IS: F5.

Também os profissionais que trabalham com as crianças podem ter a mesma influência no brincar da criança, e são responsáveis, directa ou indirectamente, pelo facto das crianças não brincarem. Na voz das crianças, algumas “ não podem brincar porque têm trabalhos de casa e outros não têm. Pró ano, nós temos trabalhos de casa porque vamos prá primária e depois a

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professora não deixa”, diz MS: F6, “Quando as crianças batem na escola depois não brincam e vão de castigo”, acrescenta LS: F3, “As crianças podem brincar mas quando têm de fazer trabalhos não. Na escola fazemos trabalhos e não brincamos sempre para aprender a sermos grandes”, remata MA: F6.

Em suma, podemos reconhecer que as opiniões das crianças sobre o brincar no mundo, não divergem muito, e a maioria das crianças partilham a ideia de que todas as crianças do mundo podem brincar. Nas respostas das crianças podemos reconhecer que falam e expõem aquilo que são vivências delas e com as quais deparam no seu quotidiano, são vivências do “mundo delas”, um mundo pequenino que se encontra em construção. No entanto, encontramos na voz de algumas crianças que o brincar não é uma actividade à qual todos têm acesso e que existem factores externos que determinam ou condicionam o exercício desta actividade lúdica que é importante no desenvolvimento da criança, que é um direito da mesma e que por vezes é negligenciado pela sociedade que valoriza outras questões, nomeadamente o desempenho.

14. Actividades eleitas pelas Crianças para se sentirem felizes em cada