• Nenhum resultado encontrado

3.3 FUNDAMENTOS DA AUTONOMIA DA VONTADE

3.3.1 Visão geral

A respeito dos fundamentos sobre os quais estão alicerçados a teoria da autonomia da vontade, Jacob Dolinger trouxe o seguinte posicionamento:

(...)O fundamento para a liberdade, o direito das partes escolherem a lei aplicável emana do princípio de direito internacional privado, que consagra a autonomia da vontade, uma vez exercida a escolha por meio de disposição contratual, esta como expressão material da vontade, terá sua validade decidida pela lei escolhida pelas partes.100

Assim, são dois planos distintos: o princípio internacional autoriza a escolha da lei, do direito, e o direito escolhido é que será hábil para julgar a validade da cláusula que escolheu.

Para Dolinger, a autonomia da vontade é, em verdade, princípio informador do sistema jurídico internacional, classificado por Dolinger como verdadeiro princípio de natureza positiva101.

Destarte, visualiza-se que o princípio da autonomia da vontade tem por substrato a liberdade, de modo que a prerrogativa que as partes têm em escolher o direito aplicável aos contratos emana do princípio do direito internacional privado, que consagrou a autonomia da vontade. Parte-se da premissa de que uma vez exercida a escolha por meio de disposição contratual, esta, como expressão material da vontade, terá sua validade decidida pela lei eleita pelos contratantes.

Dentre as ideias justificadoras do princípio destaca-se a neutralidade, a previsibilidade, a segurança jurídica e a conveniência. Em primeiro lugar, a neutralidade que subjaz a ideia de escolha de lei, sobretudo quando a opção recai sobre ordenamento jurídico estranho aos domicílios ou mesmo aos estabelecimentos de ambas as partes contratantes. Sobre a ideia de neutralidade, ressalte-se que:

Como princípio da ação política, a neutralidade engloba duas ideias intimamente relacionadas, a neutralidade entre as concepções do bem e a

100 DOLINGER, Jacob. op. cit. 2007, p. 281 101 DOLINGER, Jacob. op. cit. 2007. p. 61-62

neutralidade entre os indivíduos. A adesão ao princípio da neutralidade envolve essencialmente a tentativa de ajudar ou prejudicar as partes envolvidas em igual grau. E ao invocar a neutralidade no contexto da análise da atitude liberal em relação à liberdade de contrato representam um desvio para preocupação com uma política neutra.102

Além da neutralidade, argumenta-se que a escolha de lei permitiria as partes previsibilidade, no sentido de que os contratantes ficariam seguras em relação ao regime jurídico a que suas obrigações estariam submetidas, bem diferente do que acontece com situações apenas regidas pelas regras de conexão, permitindo a necessária segurança juídica no âmbito contratual. A respeito da segurança jurídica, veja-se a explicação de Stefan Leible, segundo o qual:

Mas a favor da liberdade de escolha da lei também fala o ganho de segurança que isso implica. A autonomia do indivíduo e o princípio da igualdade exigem que o cidadão possa se adaptar ao direito também no que pertine ao comércio transfronteiriço. Para esse fim, a conexão da obrigação contratual através da vontade das partes, torna previsível a legislação aplicável. Ao escolher o direito, as partes obtêm um certo conhecimento sobre a lei atual, ou seja, a lei aplicável. Somente a partir desta base, eles podem fornecer o que é necessário para seus negócios e adaptar a sua conduta legalmente desejada aos pressupostos da ordem jurídica escolhida. Uma conexão puramente objetiva pode não dar-lhes esse conhecimento necessário para a sua performance com a segurança necessária.103

102KIMEL, Dori. Neutrality, autonomy, and freedom of contract. Oxford Journal of Legal Studies, n. 3, v. 21, pp. 473-494, 2001.p. 477

Tradução livre do original: “As a principle of political action, neutrality embraces two closely related ideas,: neutrality between conceptions of the good, and neutrality between individuals. Adherence to the principle of neutrality essentially entails striving to help or hinder the parties concerned in an equal degree. And in invoking neutrality in the context of examining the liberal attitude to the freedon of contract represent a deviation from a policy of neutral concern.”

103 LEIBLE, Stefan. La importanca de la autonomía conflictual para el futuro del derecho de los contratos internacionales. Cuadernos de Derecho Transnacional. n.1, v. 3, pp. 214-233, 2011. p. 218

Tradução livre do original: “Pero a favor de la libertad de elección de derecho habla también la ganancia en seguridad jurídica que ésta comporta. La autonomía del individuo y el principio de igualdad requieren que el ciudadano pueda adaptarse al derecho también en el tráfico transfronterizo. Para ello sirve la conexión del contrato obligacional mediante la voluntad de las partes, que hace previsible el ordenamiento aplicable. Mediante la elección del derecho las partes obtienen un conocimiento seguro acerca del derecho vigente, es decir, el derecho aplicable. Sólo a partir de esta base pueden disponer lo necesario para sus negocios y adaptar su conducta jurídicamente querida a los presupuestos del ordenamiento jurídico elegido. Una conexión puramente objetiva puede no transmitirles este conocimiento necesario para su actuación com la necesaria seguridad.”

Ainda sobre as ideias justificadoras, destaca-se a conveniência para as partes, uma vez que presume-se que as partes sabem melhor o que convém ao contrato, à sua celebração, à execução e também às possíveis soluções acerca de conflitos que eventualmente venha a surgir daquele negócio jurídico.

No que concerne aos principais alicerces da autonomia da vontade nos contratos internacionais de comércio, merecem destaque o dépeçage, a cláusula de solução de controvérsias, a cláusula de hardship, a cláusula de eleição de foro e a cláusula compromissória, sobre a qual se fará breve análise nos pontos que se seguem.