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CAPÍTULO II: AS FEDERAÇÕES DESPORTIVAS

2. Visão legislativa

As federações, pelas atribuições e direitos consagrados pelo estado português, assumem um papel de destaque no sistema desportivo (Correia, 2000). Mas, só nos anos quarenta o Estado Português interioriza na sua política a necessidade de acompanhar e dirigir a evolução deste fenómeno social, o

desporto e, nas palavras de Meirim (1993), posiciona as federações desportivas no topo da orgânica desportiva.

Como já referido anteriormente, os legisladores, só depois de trinta anos a referir a problemática do desporto e actividade física, é que, no texto constitucional de 1976, que consagra a liberdade de associação como um direito fundamental de todos os cidadãos, expõem claramente a sua posição sobre a temática. Mas, a lei foi mais longe e na sua revisão em 1982, o n.º 2 do artigo 79.º da CRP é alterado, afirmando que o Estado deve promover, estimular orientar e apoiar a prática e a difusão da cultura física e do desporto, em colaboração com as escolas e as associações e colectividades desportivas. Aqui podemos já encontrar o reconhecimento explícito da importância do sector federado no desenvolvimento do desporto.

Contudo Meirim (1994) refere a pouca segurança jurídica do estado com as organizações desportivas devido à falta de clareza das suas relações.

Até à publicação da Lei de Bases do Sistema Desportivo (LBSD), Lei n.º 1/90 de 13 de Janeiro, esta relação manteve-se um pouco instável e confusa, mas pode-se dizer que a partir daqui se inicia um novo ciclo, não só porque reforça os princípios constitucionais mas também consegue, em alguns momentos, esclarecer os direitos e deveres dos diferentes órgãos. Desde então muitas Leis, Decretos-Lei e Portarias foram aprovadas para reger o desporto nacional. Este esclarecimento torna-se ainda mais claro com a recente Lei de Bases do Desporto (LBD), Lei n.º 30/2004, de 21 de Julho, que revoga a anterior e onde desde logo se destacam dois aspectos importantes para a relação do Estado e das federações desportivas.

Num primeiro momento, no seu Artigo 1.º, n.º 1, constata-se o interesse público pela relevância do fenómeno desportivo como um factor cultural indispensável na formação plena da pessoa humana e no desenvolvimento da sociedade. E, num segundo momento, a referência no Artigo 1.º, n.º 3, a uma coordenação aberta e uma colaboração prioritária e necessária entre a organização pública do desporto, incluindo aqui claramente as federações desportivas, e os corpos sociais intermédios públicos e privados que compõem o sistema desportivo. A reforçar esta ideia temos ainda os Artigos 8.º, 10.º e 11.º subordinados à

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epígrafe “Princípio da coordenação”, “Princípio da participação” e “Princípio da intervenção pública”, respectivamente.

A referência explícita às federações desportivas dá-se no Artigo 12.º que tem como epígrafe “Princípio da autonomia e relevância do movimento associativo” e que no seu n.º 1 reconhece, além dos clubes e associações, as federações como tendo um papel essencial no enquadramento da actividade desportiva e na definição da política desportiva. No n.º 2 do mesmo artigo podemos ainda ler: “É reconhecida a autonomia das organizações desportivas e o seu direito à auto-organização através das estruturas associativas adequadas, assumindo- se as federações desportivas como o elemento chave de uma forma organizativa que garanta a coesão desportiva e a democracia participativa.” Nunca antes foram enumeradas tantas vezes estas organizações desportivas como agora, a LBSD só o fez indirectamente no seu Artigo 1.º e depois directamente no Artigo 21.º e 22.º. Mas, a LBD continua as suas referências. Deste modo podemos constatar o quão importantes são as federações desportivas para o desenvolvimento do sistema desportivo nacional. O legislador teve essa sensibilidade.

Para efeitos do sistema desportivo nacional, no que diz respeito às federações desportivas, a LBD no seu Artigo 20.º entende por federação desportiva a pessoa colectiva de direito privado que, englobando praticantes, clubes, sociedades desportivas ou agrupamento de clubes e de sociedades desportivas, se constitua sob a forma de associação sem fins lucrativos, e se proponha a prosseguir os seguintes objectivos gerais:

• Promover, regulamentar e dirigir, a nível nacional, a prática de uma modalidade desportiva ou conjunto de modalidades afins ou combinadas; • Representar perante a administração pública os interesses dos seus

filiados;

• Representar a sua modalidade desportiva, ou conjunto de modalidades afins ou combinadas, junto das organizações congéneres estrangeiras ou internacionais;

• Promover a defesa da ética desportiva;

• Apoiar, com meios humanos e financeiros, as práticas desportivas não profissionais;

• Fomentar o desenvolvimento do desporto de alta competição na respectiva modalidade;

• Organizar a preparação desportiva e a participação competitiva das selecções nacionais;

• Assegurar o processo de formação dos recursos humanos no desporto e dos recursos humanos relacionados com o desporto.

No sistema desportivo existem federações desportivas com características diferentes, neste sentido o legislador teve a preocupação de as classificar para melhor entendimento. É no Artigo 21.º, n.º 1, da referida Lei, que se lê que as federações desportivas podem ser classificadas em federações unidesportivas e federações multidesportivas. Este artigo vai mais longe ao especificar no seu n.º 2 que são federações unidesportivas as que englobam pessoas ou entidades dedicadas à prática da mesma modalidade desportiva, incluindo as suas várias disciplinas ou um conjunto de modalidades afins ou conjunto de modalidades combinadas. E, por outro lado, as federações multidesportivas, no n.º 3, as que se dedicam ao desenvolvimento da prática cumulativa de diversas modalidades desportivas, por áreas específicas de organização social.

Estas, por sua vez, têm competência para o exercício, dentro do respectivo âmbito, de poderes regulamentares, disciplinares e outros de natureza política caso lhes seja concedido o estatuto de utilidade pública desportiva como esclarece a este respeito o Artigo 22.º, n.º 1, da mesma lei.

No seu n.º 2 refere que as condições de atribuição, bem como os processos de suspensão e cancelamento do estatuto de utilidade pública desportiva e a organização interna das federações será regulada por diploma próprio, no Decreto-Lei n.º 144/93, de 26 de Abril, que estabelece o Regime Jurídico das Federações Desportivas (RJFD), e, para além das matérias exigidas pela Lei e pelo RJFD, os estatutos destas devem especificar e regular o seguinte, segundo o n.º1 do Artigo 23.º:

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• Localização deve ser em território nacional; • Obrigatoriedade de contabilidade organizada;

• Devem ter interdição de filiação dos seus membros numa outra federação desportiva da mesma modalidade;

• Limitação de mandatos para os membros titulares dos órgãos estatutários; • Incompatibilidade e impedimentos com a função de órgão federativo; • Igualdade de acesso de homens e mulheres aos órgãos estatutários. Para que não restem dúvidas nesta temática, o n.º2 do mesmo artigo acrescenta que os regulamentos e respectivas matérias que as federações desportivas dotadas de utilidade pública desportiva devem elaborar está previsto no RJFD.

As federações que se enquadram no Artigo 22.º referido anteriormente beneficiam de apoios de várias naturezas. De subsídios, comparticipações ou empréstimos públicos, entre outros sejam eles de natureza técnica, materiais ou humanos, tema referido nos Artigos 65.º e 66.º, subordinados à epígrafe “Apoio financeiro ao associativismo desportivo” e “contractos–programa de desenvolvimento desportivo”, respectivamente. Estes referem a forma e as condições para que se processe esse apoio.

O Estado delega poderes de natureza pública às federações desde que estas respeitem, na sua organização e funcionamento, as regras definidas na Lei de Bases do Desporto, podendo considerar-se direitos e deveres. Nos direitos encontramos o reconhecimento de títulos, gozo dos privilégios e apoios previstos na lei, nos deveres consideram-se as normas referentes à orgânica e funcionamento das respectivas federações.

O Estado impõe a fiscalização do papel público desempenhado pelas federações que, nos termos da Lei, é realizada mediante inspecções, inquéritos e sindicâncias no que respeita ao exercício de poderes públicos e à utilização de dinheiros públicos (artigo 10.º do RJFD dotadas do Estatuto de Utilidade Pública Desportiva).

Aqui são definidas as regras de organização e de funcionamento das federações para a elaboração das competições oficiais, como a liberdade de

acesso e a igualdade dos participantes. A elaboração dos estatutos e regulamentos e ainda, para os órgãos federativos e seus titulares, impõe a existência de um órgão unipessoal, o Presidente, com poderes reforçados no que respeita à anterior estrutura orgânica.

Em suma, temos que as federações desportivas têm o seu enquadramento definido na LBD e o seu regime jurídico traçado no Decreto-Lei n.º 144/93, de 26 de Abril. De ambos os diplomas resulta uma intervenção pública sobre a sua organização e funcionamento que ultrapassa a previsão de uma mera colaboração com os poderes públicos no desenvolvimento do sistema desportivo nacional.

“Habilitadas a desempenhar funções públicas, as federações desportivas são dotadas de poderes públicos e sujeitas a esquemas organizativos, impondo-lhes a lei a conformação a regras bem definidas de constituição, organização e funcionamento, como contrapartida da concessão do estatuto de utilidade pública desportiva” (Pessanha, 2001).

O estatuto de utilidade pública desportiva é um ponto fundamental pois é nele que se situa a análise da necessária compatibilidade de um estatuto de autonomia com a ingerência do Estado nos assuntos desportivos.

Neste contexto verifica-se que foi criado um espaço próprio e distinto do resto da sociedade em que as federações desportivas são as únicas pessoas colectivas que podem ser titulares da utilidade pública desportiva.