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Visão sobre a divisão da responsabilidade pela educação superior (público vs.

5 NARRATIVA DA DINÂMICA DO SUBSISTEMA DE EDUCAÇÃO

5.2 EVENTOS CONTEMPORÂNEOS E RELACIONADOS

5.3.4 Mapeamento dos sistemas de crenças

5.3.4.4 Visão sobre a divisão da responsabilidade pela educação superior (público vs.

constitucional de cada nível de governo: o ensino superior é responsabilidade da União, o ensino médio dos estados e o fundamental dos municípios. Desse modo, ―o Ministério da Educação não pode repassar diretamente dinheiro aos estados e municípios; isso só é feito através de programas: cria-se um Programa Mais Escolas, e o município que adere ao programa recebe os recursos‖. Simões frisa, ainda, que ―o orçamento da União para a educação básica, através de programas específicos, é maior do que o destinado à educação superior‖.

Especificamente sobre a educação superior, Simões apresentou o posicionamento dos atores da coalizão estatista:

Em relação à discussão ―público vs. Privado‖, o movimento estudantil não aceitou o Prouni por achar que se o valor da isenção fosse arrecadado poderia ser investido nas IFES – mas esse dinheiro estava sendo perdido. Se o Prouni acabasse hoje, para onde iriam os estudantes bolsistas? Esse grupo, assim como o movimento docente, entendeu o Prouni como privatização da educação superior. Aliás, o discurso dos docentes é difícil: foram contra o Prouni, ou seja, contra a compra de vagas no setor privado, mas também não quis o Reuni, em que haveria expansão via setor público. Na terceira audiência pública da Comissão de Especial criada para discutir o PL 3.582/2004, o Sr. Gabriel Rodrigues, representante da Abmes , apresentou uma crítica ao Programa afirmando que, na verdade, trata-se de concepção mais ampla em relação à educação superior: ―o esforço governamental deveria estar focado no ensino básico e no ensino médio. Essa é mais uma reflexão que eu sugeriria aos Srs. Deputados‖. Segundo ele, ―o sistema particular já oferece substancial percentual de bolsas, mais de 500 mil bolsas de 10%, de 15%, de 30%. A inclusão social é feita pelo sistema há muito tempo‖.

Outro equívoco apontado por Rodrigues ―é considerar a graduação universitária como panaceia para todos os males‖, uma vez que ―isso depende do projeto de vida de cada um. Nem todos encaram o ensino superior como alternativa para a vida produtiva. Nem todos

dependem imediatamente do ensino superior‖9. O discurso do representante da Abmes é contraditório com a justificativa dada pelo próprio setor privado ao Prouni: a necessidade de maior inclusão e as metas do PNE.

Em seguida, o representante da ABMES destacou que o setor privado de educação superior vem enfrentando um longo período de crise e afirma que ―não deve haver sanções para aqueles que não aderirem ao programa — toda a proposta inicial se baseava na premissa de que quem não aderisse seria desligado do Fies, ou coisa parecida‖.

Ainda nesta audiência pública, o deputado Irineu Colombo (PT/PR), relator do referido PL, iniciou sua fala trazendo a importância do diálogo e, em seguida, fez uma avaliação sobre o setor privado de educação superior. Para o deputado, esse setor complementa o Estado:

não pode ser nem discriminado, nem considerado imprescindível. Ele complementa. O setor privado não pode ser a principalidade. Lógico que se o interesse é público ele não pode ser a principalidade, mas ele é absolutamente imprescindível, na minha avaliação.

Ainda a respeito da complementariedade dos setores público e privado, o deputado Colombo destaca que ―em que pese a expansão, talvez um pouco exagerada para alguns do ensino privado no País, de absorver grande parte dessa massa. Mas do ponto de vista empresarial, ainda têm muito fôlego para sustentar as instituições‖.

Ricardo Lamego, ex-secretário executivo da Abruc, também tratou do posicionamento dos atores em relação às responsabilidades dos setores público e privado na educação superior. Sobre a coalizão estatista, ele afirmou que em relação à posição contrária ao programa, ―esse grupo não atuou muito: as associações de docente e os próprios alunos das IFES entenderam num primeiro momento que se iriam desviar recursos das IFES para as IES privadas, o que não é verdade‖.

Ricardo Martins, consultor legislativo da Câmara, lembrou que ―essa discussão [sobre a reponsabilidade dos setores público e privado] permanece, mas foi vocalizada no momento da aprovação do Prouni apenas por uma minoria parlamentar na Câmara, integrante, à época, do PT‖.

9

De fato, em 2011, já no mandato da Presidente Dilma Rouseff, o governo federal criou o Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego (PRONATEC), com o objetivo de ampliar a oferta de cursos de educação profissional e tecnológica. A propósito, muitas IES privadas tem aberto escolas ou cursos técnicos para também se beneficiarem deste programa.

Para João Bachur, em relação à responsabilidade sobre o que é público e privado na educação superior, é preciso tomar a CF/88 como referencial. Ele completa:

se alguém discorda da existência do setor privado, tem que se enfrentar uma discussão que não é muito produtiva. No tocante às suas características, a ES brasileira desde os seus primórdios é privada e religiosa. As IES privadas cumprem o papel de chegar onde as IES públicas não tem como chegar, dada a demanda reprimida por ES no Brasil. Eu acho equivocada questionar "porque a União não financia a ES privada?" - a União tem a responsabilidade da regulação do setor, no que o Ministério da Educação vem trabalhando fortemente10.

Marcelo Ottoni destacou a posição do PT afirmando que ―houve no partido resistências ao programa. Esse foi um dos principais motivos do abandono do projeto de lei pela medida provisória‖. Essa resistência, inclusive, fez com que ―alguns parlamentares da oposição ironizaram a flexibilidade do governo Lula em relação ao tradicional compromisso do partido, inscrito no caput do art. 213 da CF, em favor da aplicação de recursos públicos nas escolas públicas‖.

O quadro abaixo resume a estrutura de crenças, conflitos entre as coalizões e os recursos utilizados em relação à divisão da responsabilidade pela educação superior (público vs. privado).

Quadro 09: Crenças do núcleo político em relação à divisão da responsabilidade dos setores público e privado na educação superior.

Divisão da responsabilidade pela educação superior (público vs. privado) Estrutura de crenças Coalizão

Estatista A responsabilidade pela educação é prioritariamente do governo e não do setor privado; O governo não pode abrir mão de sua responsabilidade comprando vagas do setor privado;

Relação de complementariedade entre IES públicas e privadas.

Coalizão

Privatista O governo deve focar no ensino fundamental e médio: deixar a educação superior para a livre iniciativa como foi política do governo Fernando Henrique Cardoso?

O setor privado já promove a inclusão e já concede bolsas - temor de uma possível desvantagem de mudança no regime jurídico;

Relação de complementariedade entre IES públicas e privadas.

Conflitos entre as Como o setor privado já era historicamente forte no país, não houve uma

10 Desde a LDB/1996, e a criação do Exame Nacional de Cursos

– Provão, o Ministério da Educação vem desde o antigo Provão, exame aplicado de 1996 a 2003, buscando aprimorar seus instrumentos de regulação, com iniciativas como a criação do Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior (SINAES) composto por um eixo formado por: avaliação das instituições, dos cursos e do desempenho dos estudantes.

coalizões discussão direta sobre a divisão da responsabilidade entre público e privado — as críticas da coalizão estatista eram mais ligadas ao sucateamento das IFES.

Recursos utilizados Coalizão

Estatista Produção de pesquisas acadêmicas e artigos de opinião. Coalizão

Privatista

Produção de pesquisas acadêmicas e artigos de opinião. Atuação em conjunto no Congresso junto aos parlamentares e no Ministério da Educação.

Fonte: o autor.

A questão da responsabilidade da educação superior, entre público e privado, não foi um dos temas centrais na discussão do Prouni, uma vez que as duas coalizões compreendem a importância da coexistência de instituições públicas e privadas. A questão da responsabilidade encontra, portanto, um impacto maior em relação ao financiamento da educação superior, objeto da próxima seção.