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Nestes processos de comunicação ubíqua entre dispositivos e aparatos tecnológicos móveis, indivíduo, corpo e redes estão em constante hibridização. Este espaço, considerado por muitos como o fim das relações interpessoais, do contato humano, dos deslocamentos territoriais e de uma democracia questionável – muitas vezes excludente –, acabou por estreitar os laços das mídias, criando (e potencializando) lugares e a desterritorialização do mundo. No entanto, o que se percebe atualmente é uma reconfiguração do espaço público e privado. O ciberespaço estreita os laços entre indivíduos e informações, entre corpo e dados. A visibilidade é reforçada nas Redes Sociais na Internet (RSIs), nos dispositivos móveis e aparatos tecnológicos. Dessa forma, o corpo biológico e todos os seus dados e informações estão agora visíveis nestas conexões. Assim, ocorre uma mudança estrutural da Internet, podendo cada indivíduo manifestar-se de fato, sem as mediações de antes.

No entanto, antes de qualquer processo midiático, a visibilidade dava-se em contextos territorializantes, e, portanto, dentro de processos comunicacionais em que indivíduos e instituições trocavam informações no local dos acontecimentos. Com o desenvolvimento das mídias e de seus métodos, uma nova esfera de vigilância e visibilidade é instaurada. A visibilidade, como de fato acontece com toda tecnologia de sua época, proporciona regimes de luz (Focault,1986). Então, há a publicização das práticas de discursos sociais. Esta vigilância nas conexões digitais ocorre para monitorar, de forma sistemática e a distância, ações, informações e dados dos indivíduos no contexto do ciberespaço. Assim, torna-se possível o conhecimento sobre suas condutas, escolhas e possíveis intervenções que irão ser realizadas nestes espaços. “Os sistemas de informação e comunicação da cibercultura se tornam tecnologias de vigilância potenciais” (Bruno, 2008, p. 170). As identidades produzidas através de sistemas de conexões com máquinas estão imbricadas com os perfis. Sendo assim, estas “encontram nos perfis sua forma- padrão, que implicam procedimentos específicos de individualização” (Bruno, 2008, p. 176). Este perfil, nas redes, é uma forma de conduta e de visibilidade de ações futuras; são, portanto, “simulações de identidades” (Bruno, 2006). Assim, o indivíduo vai traçando seus caminhos nas redes de conexão, sua identidade, então, vai ficando à mostra.

Estes processos de vigilância, monitoramento, arquivamento e publicização são expostos em diferentes vias. Sendo assim, o processo de individualização obtém maior visibilidade.

Podemos chamá-lo de individualização transversal ou combinatória, em que são mais vigiados, arquivados e classificados os indivíduos mais conectados às redes informacionais; e, especialmente, os que nelas são mais visíveis, participativos ou inseridos nos circuitos de consumo e civilidade. Estes serão mais classificados em bancos de dados e mais acessados por perfis de saúde, segurança, consumo, entretenimento, etc. (BRUNO, 2008, p. 178).

Ou seja, estes sistemas de vigilância dos perfis e suas identidades nas redes visam obter escolhas, ordenar, encaminhar e projetar ações, cenários, produtos, interesses e interações.

As identidades projetadas pelos perfis não visam tanto as consciências que sustentam a ação; elas dão um passo à frente e visam diretamente a própria ação. A „recompensa‟ e a „punição‟ que tais identidades trazem consigo são menos da ordem do ser do que da ordem do acesso. Quanto maior a adequação ao perfil, maior é o acesso a circuitos de consumo e civilidade e mais perfis são gerados (BRUNO, 2008, p. 179).

Os espaços de fluxos infocomunicacionais nas redes híbridas potencializam o isolamento e a sobrecarga cognitiva, bem como deixam visíveis rastros, trajetórias, dados e informações, não apenas os que estão expostos nos perfis, mas do próprio corpo. Conectados no ciberespaço, os corpos dissolvem-se, hibridizados na cibercultura neste contexto em que a visibilidade torna-se ampla. Máquinas, indivíduos, tecnologias e dispositivos criam conexões sociais e interações sem precedentes. Como Foucault (1986) afirma, tais articulações de poder são advindas do século XVIII.

O controle da sociedade sobre os indivíduos não se opera simplesmente pela consciência ou pela ideologia, mas começa no corpo, com o corpo. Foi no biológico, no somático, no corporal que, antes de tudo, investiu a sociedade capitalista. O corpo é uma realidade biopolítica. A medicina é uma estratégia biopolítica (Foucault, 1986, p. 80).

Desta forma, o poder relativo às conquistas “[...] emerge inevitavelmente a reivindicação de seu próprio corpo contra o poder” (Foucault, 1986, p. 146). Sustentado pelas práticas cotidianas nas redes de conexão, o corpo, com diversos aparatos e dispositivos tecnológicos, configura e possibilita a construção, a busca pelo prazer, sob uma vontade de superação de si e do corpo. Este cuidado de si, na Antiguidade, era premissa para o acesso à vida política, permitindo, assim, a vida pública, e, consequentemente, o agir na coletividade, desta forma, servindo como base para a “conduta social e pessoal e para a arte da vida” (Foucault, 1990, p. 50).

El si no es el vestir, ni los instrumentos, ni lãs posesiones. Há de encontrarse en el principio que usa esos instrumentos, um principío que no es del cuerpo sino del alma. Uno há de preocuparse por el alma: ésta es la principal actividad em el cuidado de si. El cuidado de si es el cuidado de la

actividad y no el cuidado del alma como sustancia (Foucault, 1990, p. 59).

Logo, o corpo inserido na cibercultura atua em sistemas de vigilância que se especializam e distribuem-se nos fluxos informacionais. O isolamento e a sobrecarga cognitiva atuam como sistemas de poder.

O corpo humano entra numa maquinaria de poder que o esquadrinha, o desarticula e o recompõe. Uma „anatomia política‟, que é também igualmente uma „mecânica do poder‟, está nascendo; ela define como se pode ter domínio sobre o corpo dos outros, não simplesmente para que façam o que se quer, mas para que operem como se quer, com as técnicas, segundo a rapidez e a eficácia que se determina. A disciplina fabrica assim corpos submissos e corpos exercitados, corpos „dóceis‟. A disciplina aumenta as forças do corpo (em termos econômicos de utilidade) e diminui essas mesmas forças (em termos políticos de obediência). Em uma palavra: ela dissocia o poder do corpo; faz dele por um lado uma „aptidão‟, uma „capacidade‟ que ela procura aumentar; e inverte por outro lado a energia, a potência que poderia resultar disso, e faz dela uma relação de sujeição estrita. [...] digamos que a coerção disciplinar estabelece no corpo o elo coercitivo entre uma aptidão aumentada e uma dominação acentuada (Foucault, 1987, p. 133 – 134).

A sistematização desses processos da visibilidade do corpo híbrido permite uma ampla vigilância dos fluxos informacionais entre dispositivos e aparatos tecnológicos no ciberespaço. Desta forma, o exercício do poder está entre estes processos. Assim, na rede, esse exercício do ver e ser visto expõe a “máquina de ver”, permite a visibilidade e a vigilância numa relação de registros. A vigilância e o monitoramento das mídias locativas invadem o campo da privacidade, do corpo, dos indivíduos, inserindo-se assim nas esferas públicas do ciberespaço, onde cada vez mais os sistemas de personalização distorcem as realidades, criando assim “filtros invisíveis” (Pariser, 2012) que monitoram e vigiam tais dados nas redes. Diante de tal perspectiva, são geradas novas formas de conduzir as percepções. As compreensões de como estes fluxos infocomunicacionais entre corpo, indivíduo e suas informações relativas ao bem-estar físico serão estabelecidas pelos processos de vigilância nesta cultura da participação.

Logo, o que se percebe atualmente é a reconfiguração do espaço público e privado; visto que, à medida que as instituições antigas cediam espaços para novas possibilidades, esses termos mudaram também sua configuração na sociedade.

Estas relações, então, configuram-se estreitamente com as relações de poder que legitimam as sociedades. Como observa Thompson (1998), estes domínios privados e públicos distinguem-se pelas organizações econômicas que visam a fins lucrativos, bem como as relações pessoais e familiares. Já o domínio público, neste contexto das sociedades ocidentais contemporâneas, pertence ao Estado, da mesma forma que “as organizações estatais e paraestatais (incluindo as organizações de bem-estar social)” (Thompson, 1998, p. 112). Também, obviamente que, neste sentido contemporâneo, são distintas do sentido de “público” quanto ao acesso aberto aos indivíduos. Já o sentido privado, restrito a determinado grupo ou comunidade.

Público neste sentido é o que é visível ou observável, o que é realizado na frente de espectadores, o que está aberto para que todos ou muitos vejam ou ouçam. Privado é, ao contrário, o que se esconde da vista dos outros, o que é dito ou feito em privacidade ou segredo ou entre um círculo restrito de pessoas (THOMPSON, 1998, p. 112).

Ou seja, estes espaços na ubiquidade comunicacional, estão inter- relacionados. Thompson analisa esta dicotomia na perspectiva publicitária, em que a privacidade estaria em jogo, assim como “[...] visibilidade versus invisibilidade. Um ato público é um ato visível, realizado abertamente para que qualquer um possa ver; um ato privado é invisível, realizado secretamente atrás de portas fechadas” (Thompson, 1998, p.112). Diante desta contextualização e das possibilidades da cibercultura e da onipresença nas redes com dispositivos e aparatos tecnológicos híbridos, é possível tomar como parâmetro as inerências trazidas pelas redes de conexão ubíquas na Internet, as quais já não estão sob controle de uma instituição, mas de indivíduos que emitem, processam e produzem conteúdos que, até então, eram privados das suas vidas cotidianas (como dados e informações de saúde), repassados a instituições e indivíduos da saúde pública. Agora, estes fluxos informacionais estão disponíveis e visíveis em uma ordem global pública, com acesso aberto. Estes espaços de fluxos com conexões híbridas vão redimensionar corpo e informação. As redes estabelecidas possibilitam esta compreensão e maior visibilidade do corpo na cibercultura com a midiatização da saúde. Em um espaço onde tudo está imbricado, as possibilidades de interações nestas vigilâncias também

tornam-se amplas. Esse processo, então, faz reaparecer as dimensões locais, os espaços e lugares dessas dinâmicas, antes restritas a uma determinada comunidade, ou informações que ficavam restritas às vias privadas.

6 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

Com o intuito de descrever e observar as redes de conexão constituídas através das interações nas comunidades online da Nike+ FuelBand, bem como analisar os processos comunicacionais estabelecidos na Rede Social na Internet (Facebook), será utilizada a abordagem netnográfica – consideram-se, nesta pesquisa, as duas abordagens teóricas da netnografia, tanto a Internet enquanto cultura, quanto como artefato cultural –, adotando a perspectiva do interacionismo simbólico e observação participante como aporte metodológico.