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2. PARTICIPAÇÃO POLÍTICA

3.1. Visibilidade política no ciberespaço

As condições nas quais se desenvolvem a teoria e a prática política se transformam com a globalização que, segundo Ianni (1999, p. 11), estimula a construção de relações, processos e estruturas de dominação política e apropriação econômica de abrangência planetária. Com isso, as formas de sociabilidade e os jogos das forças sociais se modificam em um contexto complexo de sociedade civil global em formação. Nas observações do autor a respeito do panorama da globalização político-econômica e sociocultural, tecnologias informáticas, eletrônicas e cibernéticas são desenvolvidas para intensificar as articulações, as tensões, as fragmentações e as mudanças nos âmbitos político-econômico e sociocultural. Surge uma nova configuração histórico-social de vida, trabalho e cultura que passa a integrar indivíduos e coletividades, povos e nacionalidades, com alteração dos quadros sociais e mentais de referência de uns e outros (IANNI, 1999, p. 11).

Um dos aspectos que passam por essas transformações são as formas de participação social e de interação e relacionamento entre os atores sociais, especialmente no que concerne às práticas de se fazer política e garantir maior visibilidade no jogo político. O entendimento

de Weber (2006, p. 130) acerca da visibilidade remete à “identidade de uma instituição e o testemunhal de um sujeito sobre a imagem construída”. Na visão da autora, visibilidade

caminha junto com credibilidade. Esta é fundamental para a prevalência do poder na política e é conquistada no espaço público midiático. Em campanhas eleitorais, existem complexas construções de visibilidades que almejam a credibilidade. A harmonização e a conjugação de todos os elementos imagéticos e tecnológicos acabam por exigir, nas observações de Weber

(2006, p. 118), “novas posturas humanas e criam novas sociabilidades e impactos”. Nesse

viés de análise:

a política exige, cada vez mais, novas linguagens e configurações que sejam incluídas no processo de midiatização (adoção e fatos em todos os espaços) e de espetacularização (a midiatização acrescida de mobilizações sociais), mesmo que os seus processos de mediação e relações exclusivos da política sejam mantidos (WEBER, 2006, p. 119).

No quesito visibilidade, antes mesmo do surgimento da mídia impressa, Thompson (2008, p. 21) destacou que eram raras as aparições de líderes da política para a sociedade.

54 Nessa época, eles podiam ser vistos em grandes eventos e datas comemorativas importantes, quando surgiam para um público maior de pessoas. Na época medieval, quanto mais poderoso era o líder político mais essa aparição era tida como rara.

A oratória desses líderes era feita de modo informal para um grande número de pessoas e seu êxito dependia exclusivamente de um discurso inflamado, com projeção de voz firme, vibrante e que suas palavras pudessem comover a quem os assistia. Sodré (2006, p. 74) foi um dos autores que discutiu sobre a retórica, citando como exemplo a postura e a oratória de Adolf Hitler, cujas estratégias discursivas eram de ordem estética e provenientes de antigos artifícios do discurso.

O tom de neutralidade e sobriedade que um político imprimia quando subia ao palco como se fosse um pregador foi perdendo terreno quando foram emergindo meios de comunicação e informação. Com a disponibilidade da imprensa, os políticos passaram a utilizá-la como instrumento de divulgação de ações de seu mandato, no caso publicação de decretos e propagação de sua imagem pública para regiões distantes. Thompson (2008, p. 31) ressalta que, por meio dos recursos de áudio e vídeo, como o rádio e a televisão, a imparcialidade retórica deu lugar a uma certa proximidade, a uma intimidade mediada pela mídia entre o político e os eleitores. A projeção inatingível da época medieval cedeu lugar a um político das massas. Ou seja, a mídia transformou a ação e a interação dos indivíduos. As formas de visualidade se diversificaram. O conteúdo passou a ser transmitido praticamente em tempo real.

O discurso longo e aberto foi transferido e moldado pelas mídias eletrônicas. Agora passa a ser curto e fragmentado. Entretanto, a visibilidade que era restrita a poucos na era medieval, agora é estendida para milhares de pessoas que passam a visualizar as expressões, gestos, o tom da fala e outras referências simbólicas permitidas pelo contexto midiático. Segundo Thompson (2008, p. 24), “o desenvolvimento das mídias comunicacionais fez nascer assim um novo tipo de visibilidade desespacializada que possibilitou uma forma íntima de apresentação pessoal, livre das amarras da co-presença”. A forma como um político em campanha eleitoral se dirige ao público da televisão, por exemplo, é quase de amizade. É

como se fosse “um de nós”, nas palavras de Thompson.

Agora, com a internet e as mídias sociais, essa proximidade se torna ainda maior com a possibilidade de conversar com representantes políticos, de trocar mensagens, de uma interação mediada com eles, além da oportunidade de cobrar postura política, monitorar e reivindicar ações sociais. Ao mesmo tempo, por essa forma de interação mediada pelo

55 computador, esses líderes passam a ter um termômetro do que os cidadãos esperam deles.

A visibilidade vigente passa pela comunicação, que impõe suas linguagens à política. Na obra Transformações da política na era da comunicação de massa, Gomes (2004) elenca seis propriedades que modificaram a atividade política em sociedades democráticas face à lógica da comunicação atual. A primeira concerne à enunciação comunicativa, com o predomínio da imagem sobre o discurso verbal com um texto direto e curto, em detrimento do discurso longo, complexo e sofisticado. A segunda, relacionada à primeira, se refere à discussão de conceitos, formulação de ideias e exposição e disputa de programas como constitutivo de tarefa árdua para uma comunicação direcionada a um público de massa com pouca cultura política, interessado em produtos de entretenimento. Nesse aspecto, a política também se transforma e passa a ter como foco a conquista das preferências do público. A terceira, o debate entre públicos privados cederia lugar ao debate efetivado internamente nos meios de comunicação e irradiado pelos formadores de opinião, o que geraria uma opinião de caráter profissional destinada à audiência.

Outro ponto acenado por Gomes (2004, p. 27) é a “perda de autenticidade geral da política”, do discurso espontâneo. Todo o comportamento de um político é monitorado,

estudado, orientado segundo regras da produção profissional da comunicação. Nessa análise das mudanças da comunicação de massa na política e da visibilidade destacam-se ainda as crises dos partidos e da classe política atual, que estão perdendo sua relevância para a mídia como representantes da vontade dos cidadãos. Antes, cabia aos partidos políticos gerenciar manifestações sociais, cultivar capacidades uns dos outros, líderes e seguidores, e atuar na organização, conquista e manutenção do poder.

Com o surgimento da mídia eletrônica, a queda das indústrias e o crescimento do setor de serviços, o contexto social se transformou. Os partidos políticos se enfraqueceram. A partir de então, a conquista do voto hoje e a busca pelo apoio tem de ser almejada a todo instante, principalmente em campanha eleitoral.

Por último, como a política se baseia nas linguagens da comunicação, os públicos ou espectadores de massa ficariam sujeitos a uma gama de produtos midiáticos políticos para escolha, o que representaria, de certa forma, uma passividade por parte da audiência que seria

vista como “um conjunto determinável de interesses e necessidades que os produtos políticos se destinam a satisfazer” (GOMES, 2004, p. 28).

Entretanto, os públicos de mídias eletrônicas não ficam passivos diante dos produtos midiáticos e as respostas são fornecidas sobre esses conteúdos. Nessa perspectiva de análise,

56 por parte dos eleitores há mudanças, e porque não dizer uma evolução, de alguma forma, nas práticas comunicacionais. Antes, como mostrou Thompson (2008, p. 22), a aparição pública de um líder político era raríssima. Com o surgimento do jornal, os indivíduos passaram a ler sobre um político e a vê-lo em notícias e fotografias do impresso. Depois apareceu o rádio, disseminando a voz de um político para pessoas de diferentes localidades. Mais tarde surgiu a televisão, e com ela os indivíduos passaram a acompanhar entrevistas e debates com os candidatos e políticos por meio de som e imagem com transmissão em tempo real.

O que se vê hoje, com a internet e as mídias sociais – e que foi bem enfatizado por Thompson – é que essas tecnologias digitais amplificaram a “importância das novas formas de visibilidade criadas pela mídia e, ao mesmo tempo, tornou-as mais complexas” (2008, p. 23). O campo político abraçou essa nova forma de visualidade, a web e seus dispositivos, e incorporou-a no âmbito de suas estratégias de potencialização na divulgação de ações e na propaganda política. Os eleitores a abraçaram para se manter informados dos assuntos políticos e como forma de interação com a classe política. Uma enquete feita pelo The Pew

Research Center for People and the Press, em março de 2005, demonstrou que em 2004

houve um aumento significativo do uso da internet na política. A maioria dos entrevistados afirmou usar a rede para obter informações, já que a televisão e os jornais, na opinião dos eleitores, não conseguiam cumprir esse papel (MATOS, 2010, p.57).

As práticas de divulgação política e campanha eleitoral do off-line para o online significam uma readequação da propaganda nos moldes, nas estruturas e linguagens digitais. No que concerne à comunicação, as redes sociais da internet podem possibilitar outra forma de relacionamento dos candidatos com seus eleitores, diferente daquela realizada no mundo físico, ou seja, sem o contato face-a-face e o controle das referências simbólicas que permeiam o contexto de uma aparição pública.

As ruas reais ou off-line, que eram espaços privilegiados de realização da política, onde a presença física era essencial, se deslocam para um outro tipo de espaço, o virtual. Isso não significa que as atividades políticas deixaram de ser realizadas no espaço urbano. Numa corrida eleitoral, os candidatos realizam bandeiraços, showmícios, carreatas. Suas figuras se tornam mais visíveis nesse período e são projetadas também em meio a assuntos polêmicos, escândalos e atitudes. Em período eleitoral, mesmo com a utilização de todo o aparato tecnológico comunicacional disponível para propaganda política, candidatos abraçam ainda a estratégia do corpo a corpo com o eleitor na conquista de votos. É uma das formas de se criar um vínculo. Essas estratégias tradicionais continuam, mas grande parte das ações é construída

57 pela rede midiática. Nas considerações de Rubim (2002, p. 16), no jogo político de disputa

eleitoral, a mídia é vista como “palco privilegiado”. Além disso, salienta que a campanha

propagada na tela tem um grande impacto se comparada à efetivada nas ruas.

Mesmo com a possibilidade da conversação à distância, como a realização de conferências online, entre outros recursos para a comunicação, os próprios líderes políticos mundiais, num exemplo dado por Wolton (2007, p. 196), mantêm a prática do agendamento de reuniões presenciais, no qual têm de se deslocar e se embrenhar em viagens, às vezes, cansativas, para estarem juntos. Mas também não abrem mão, em determinados momentos, de fazer uso da internet para fins políticos e tornarem suas ações e imagens visíveis publicamente.

A visibilidade está ancorada ainda na informação, com divulgação de entrevistas, programas de debates e notícias de campanha. Weber (2006, p. 121) afirma que, de todas as formas possíveis de um candidato se tornar visível, a propaganda seria a que possibilitaria ter o controle maior dessa visibilidade. Porque, no que diz respeito ao conteúdo produzido por

assessores e jornalistas, esse controle chega a ser “difuso”, já que depende da edição realizada

por esses profissionais e dos interesses midiáticos. A percepção que se tem é que “a busca da visibilidade percorre diferentes caminhos com diferentes linguagens, em que a credibilidade vai sendo proposta no espaço público de visibilidade controlada da propaganda e na notícia,

espaço de visibilidade conquistada” (WEBER, 2006, p. 128).

Uma comunicação bem planejada, aliada à prática do convencimento e da confiança, e a aproximação das propostas e postura do candidato às esperanças que os eleitores cultivam em seus imaginários fazem parte do universo complexo de comunicação empreendido pela política. Os assessores buscam aplicar essas estratégias em sites de mídias sociais de acordo com as características e o potencial comunicativo desenvolvido por esses meios.