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Capítulo 1 – Origem e Panorama atual do Movimento Sindical Internacional

5. Da resistência local-global à contratação institucional global-local: a trajetória do sindicalismo internacional na MBB e Grupo Daimler

5.1 A resistência local-global dos anos 1980 e o estabelecimento da relação internacional

5.1.1 Visitas, trocas de experiências, solidariedade e resistência

Entre os meses de setembro a outubro de 1984 tem início o intercâmbio internacional154 a partir de um grupo de trabalhadores brasileiros que foram para a Alemanha. Era um grupo não só da MBB, mas também de representantes oriundos da General Motors e Volkswagen155. Na

152 Criada efetivamente ainda em 1984. A primeira montadora da região do ABC paulista a criar CF foi a Ford em 1981 e a

segunda a Volkswagen em 1982.

153 A principal causa da criação da CF na MBB foi a OLT.

154 No início do intercâmbio, um dos maiores obstáculos era a comunicação. Sem a existência da internet, a comunicação se

dava pelo correio, depois por carta via telex e telefone, o que era muito caro. Além disso, havia o problema do idioma que ao longo do intercâmbio foi amenizado a partir do momento em que trabalhadores alemães e brasileiros estudaram o idioma um do outro. Entre eles Tarcisio Secoli e Valter Sanches (ver Referências de Entrevistas). Sobre isso é interessante o depoimento de Tarcisio Secoli: “(...) Esse relacionamento na época, no começo, foi muito difícil e ele avançou na Mercedes porque nós tomamos a decisão de fazer. Nós quem?! Eu, o Sérgio Nobre, Sanches e aí fomos indo e incorporando mais pessoas, por exemplo, o Adi (Adi dos Santos foi coordenador da Comissão de Fábrica da MBB e atualmente é dirigente da CUT) etc. E assim fomos avançando no diálogo com os alemães.

oportunidade, Vicentinho156, Paraná157 e Palma158 representaram os trabalhadores brasileiros na MBB. Essa primeira visita foi intermediada pelo “Grupo de Trabalho Ecumênico em prol da Solidariedade Internacional” cujos integrantes eram membros da Pastoral Operária159 no

Brasil e da Igreja Luterana160 na Alemanha. No Brasil, os nomes da cúpula católica que impulsionaram a organização do intercâmbio foram Frei Beto e Dom Frei Cláudio Hummes, ambos com longa história de interesse e apoio ao movimento sindical e popular em geral, devido sua tradição dentro da vertente da Teologia da Libertação. Igualmente não só nessa visita, mas para a continuidade do intercâmbio, teve papel fundamental na organização e estímulo, o TIE.

Outra questão vital a se ressaltar em relação não só ao início do intercâmbio propriamente dito, mas ao próprio começo da articulação internacional dos trabalhadores, a partir da MBB, está na distinção de seu princípio oposicionista. Quer dizer, o advento de tal caminhada não se deu pelas vias institucionais junto ao IgMetall161, mas sim junto a um grupo que fazia oposição à direção oficial162. Nesse sentido, Valter Sanches nos mostra:

“(...) Temos duas dimensões da relação internacional. Havia pessoas com as quais construímos uma relação, por exemplo, a partir da Igreja Luterana, da Pastoral aqui no Brasil (...) e um outro grupo que era um pessoal das CFs na Alemanha mais a esquerda do movimento e que não estavam no comando. (...) ao longo desse processo de conhecimento pelas visitas, pelo intercâmbio por conta do AMI, abrimos uma porta com o institucional, com os que estavam no sindicato na posição de mando. (...) A partir da criação do CMTD é que se institucionalizou essa relação com o IG Metall. Isso se configurou aproximadamente a partir de 2004. Só que mantivemos dois graus de relacionamento. Até hoje nós mantemos contato permanente com o grupo de esquerda e com o institucional. (...)”.

156 Já qualificado em Referências de Entrevistas. 157 Já falecido.

158 Atualmente assessor na FEM/CUT (Federação Estadual dos Metalúrgicos de São Paulo) e CNM/CUT (Confederação

Nacional dos Metalúrgicos). Foi um dos entrevistados para a presente dissertação.

159 Entre os participantes da viagem de 1984 eram ligados à Pastoral Operária no Brasil: Encarnação, Evaristo e Vicentinho.

Antônio – um dos representantes dos trabalhadores na GM de São Caetano do Sul, também era ligado à Igreja Católica, mas pertencente a uma ala mais conservadora. Pela própria Pastoral Operária estavam: José Albino e Neide.

160 Trabalhadores na Mercedes Benz alemã, e que estavam envolvidos com o intercâmbio sindical internacional, também

eram membros de grupos progressistas da Igreja Luterana na Alemanha.

161 Para acessar o site, dirigir-se ao link http://www.igmetall.de.

162 Uma das partes mais consistentes desse grupo de oposição estava na fábrica da cidade alemã de Kassel, da Mercedes-

Benz. Lá faziam parte da CF local e se auto-intitulavam como “Alternartive Metaller”. Ver Sindicato dos Metalúrgicos do ABC (1997).

A relação com o grupo oposicionista na Alemanha, conforme o depoimento de Valter Sanches, continua até os dias de hoje, mesmo porque, a partir de determinado momento, parte do grupo oposicionista se incorporou às estruturas do sindicato alemão. Entenderam que assim poderiam discutir e colocar algumas de suas ideias em prática, o que não seria possível mantendo-se totalmente longe do arcabouço situacional. Tarcisio Secoli nos esclarece sobre esse ponto:

“(...) Nos anos 1990, nossos companheiros da Alemanha, dirigentes que faziam oposição ao IG Metall, por meio de vários grupos externos, acabaram, com os seus grupos, indo para dentro do sindicato, acabaram mudando a estratégica da oposição externa para passar a fazer parte da direção do IG Metall. Vamos para dentro e debater de fato por dentro do sindicato. Isso nos anos 1990. Quando conversei, em uma das últimas vezes, no início dos anos 2000 com os dirigentes sindicais do IG Metall, me disseram que havia muitas coisas de fato, defendidas pela outrora oposição, que passaram a ser acatadas. A antiga oposição passou a ser vista como realmente útil ao movimento sindical, pois ajudavam a entender o processo. (...)”.

Retomando, a primeira visita de 1984 significou o início efetivo da organização internacional dos trabalhadores na MBB. Os operários brasileiros163 que daqui foram para a Alemanha, lá participaram de atividades no IG Metall, na DGB164, além de terem visitado as plantas de

Mannheim e Sttutgart da Mercedes-Benz. Permaneceram no país por 18 dias inicialmente hospedados em um colégio localizado em uma cidade próxima a Frankfurt. Nesse colégio, junto com trabalhadores alemães oriundos da Mercedes-Benz, conhecerem as respectivas realidades e estruturas sindicais. Depois foram hospedados em Stuttgart por uma família de não-metalúrgicos, mas vinculada aos grupos luteranos locais. Durante o dia as atividades passaram a serem destinadas a visitas às fábricas da Mercedes-Benz, já no período da noite os brasileiros eram convidados a darem seus depoimentos a diversos grupos de movimentos sociais na Alemanha, com o objetivo de divulgarem a cultura e o sindicalismo brasileiros, bem como a situação do trabalhador no Brasil. A viagem ainda estendeu-se para outros países europeus por mais 16 dias, dando continuidade ao conhecimento de movimentos sindicais da Itália, França, Espanha e Portugal.

163 Da planta de SBC.

164 O site da DGB pode ser acessado por meio do link www.dgb.de. Seu atual presidente, desde 2002, é Michael Sommer,

A experiência era não só nova para os trabalhadores, mas também para a própria empresa na Alemanha, fato deixado claro pelas dificuldades colocadas por parte da direção da Mercedes- Benz durante as visitas às plantas da Alemanha:

“(...) Eles (empresa) não nos deixavam conversar muito com o trabalhador no pé-de- máquina. Cada vez que íamos conversar com um trabalhador vinha alguém e nos puxava fora (...) Eles (empresa) ainda não tinham o hábito do diálogo...165

Um dos objetivos da representação brasileira era o reconhecimento da Comissão de Fábrica na MBB por parte da direção da empresa166. Sendo assim, repito: o primeiro suporte

internacional com consequências práticas recebidas pelos trabalhadores brasileiros na MBB foi o apoio político dado, pelas representações sindicais da Alemanha, à consolidação da CF em SBC167, além da própria pressão política sentida pela direção da empresa no Brasil. Ficariam em situação desconfortável caso não concordassem com algo que a própria empresa já havia negociado, há muito tempo, nas plantas-sede do grupo. Vicentinho, Paraná e Palma observaram que nas fábricas da Mercedes-Benz da Alemanha, os trabalhadores já gozavam de um forte sistema de representação em todas as fábricas da montadora. Todas as fábricas contavam não só com suas respectivas CFs, mas também com a necessária estrutura para o desenvolvimento de seu trabalho: escritório, local para reunião, espaço para assembleia etc. Exatamente no mesmo período da visita na Alemanha, fez-se greve de três dias168 na MBB, sendo que uma das principais reivindicações era “coincidentemente” a luta pelo reconhecimento da CF. O apoio e exemplo dos trabalhadores alemães serviu enquanto contribuição política internacional para a afirmação da CF na MBB ainda no ano de 1984169, mesmo não tendo sido, por óbvio, sua única causa e nem a principal, segundo já comentei. Em contrapartida, os trabalhadores alemães buscavam contatos internacionais para o fortalecimento da luta geral dos trabalhadores. Foi essa uma clara forma de resistência dos

165 Este depoimento faz parte da entrevista concedida por Palma a mim.

166 O representante sindical dos trabalhadores na MBB, Palma, foi um dos que participou do primeiro intercâmbio em 1984

(ver nota 142) e que também depois passou a coordenar no Brasil o grupo responsável pela fundação da CF na MBB. Não integrou a primeira CF na MBB, pois dela não podiam participar aqueles que exerciam, na empresa, cargos de chefia – o que era justamente o seu caso. Em outras palavras, o próprio Palma, ao coordenar o grupo que pensou e criou a CF, foi também responsável pelo veto que o excluiu.

167 Mesmo não tendo sido decisivo, o apoio internacional existiu.

168 Greve ocorrida no final de outubro de 1984. Alguns dias depois, quando Vicentinho, Paraná e Palma estavam de volta no

Brasil, o acordo da criação da CF na planta da Mercedes-Benz em SBC já estava assinado. Com o fechamento desse acordo, criou-se um conselho de trabalhadores que se responsabilizou pela elaboração de estatuto da futura CF, preparação de eleições e outros encaminhamentos necessários.

169 Importante sublinhar que, o contato internacional, existia, pelo menos, desde o ressurgimento do movimento sindical

brasileiro em 1978. No entanto, para a MBB, o primeiro efeito concreto em termos de organização dos trabalhadores foi o apoio ou suporte recebido para a criação da CF.

trabalhadores da localidade da empresa em SBC ao iniciarem a união global contra- hegemônica junto aos trabalhadores de outras localidades (plantas) da MB na Alemanha.