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PARTE II – APRESENTAÇÃO DOS PROJETOS DESENVOLVIDOS DURANTE O ESTÁGIO NA FARMÁCIA HIGIÉNICA

2. O PAPEL DA VITAMINA D NA SAÚDE HUMANA 1 Enquadramento Teórico

2.1.5. Vitamina D e Funções Extra-Ósseas

2.1.5.1.Vitamina D e Doenças Inflamatórias da Pele

A vitD regula inúmeros processos fisiológicos cutâneos e parece desempenhar um importante papel na terapêutica de determinadas doenças inflamatórias da pele, como a psoríase e a dermatite atópica (DA). A psoríase é uma patologia inflamatória crónica da pele, não contagiosa e que se caracteriza pelo aparecimento de áreas da pele avermelhadas e espessas, com uma zona esbranquiçada. Vários estudos referiram uma carência de vitD em indivíduos com psoríase, comparativamente a indivíduos sem a doença, o que sugere que esta assume um papel essencial na patologia. No entanto, na interpretação dos resultados é preciso ter em atenção que as concentrações séricas de calcitriol estão dependentes de inúmeros fatores. Os sintomas também parecem ser melhorados recorrendo ao tratamento com esta vitamina, o que é comprovado por ensaios clínicos que mostraram que os indivíduos com psoríase e que receberam 35000 UI de vitamina D3, durante seis meses, obtiveram uma melhoria considerável do índice de gravidade e extensão da psoríase (PASI), com um aumento dos níveis séricos de calcidiol. Outros estudos também demostraram que os análogos da vitD como maxacalcitol, calcipotriol e tacalcitol são seguros e eficazes na terapêutica. As diferentes formas utilizadas no tratamento desta patologia (fototerapia com radiação UVB de banda estreita, calcipotriol em monoterapia e fototerapia com UVB de banda estreita em combinação com calcipotriol) foram comparadas num ensaio clínico, quanto à sua eficácia e segurança, tendo a combinação revelado uma maior eficácia na redução do PASI. Por outro lado, a vitD ou os seus análogos, em combinação com corticosteroides também parecem exercer um efeito benéfico no tratamento da psoríase, uma vez que esta vitamina é capaz de neutralizar a atrofia ao nível da pele provocada pelos esteroides, através da restauração da barreira da epiderme, e por sua vez os

30 corticosteroides parecem diminuir a irritação cutânea causada pelos análogos da vitD. Desta forma, a vitD revela-se vantajosa na redução dos sintomas da psoríase, pois é capaz de modular ou inibir a inflamação bem como restaurar a função epidérmica. Relativamente à DA, é uma doença inflamatória crónica cutânea que se inicia normalmente na infância, e é provocada por interações entre fatores ambientais, genéticos e imunológicos. A influência dos níveis de vitD na gravidade e predomínio da doença tem sido alvo de muita investigação, a qual tem revelado resultados contraditórios. Esta patologia apresenta uma maior prevalência na comunidade que vive em altas latitudes, com menor exposição à radiação UV, e consequentemente menor síntese de vitD. Para além disso, a população com concentrações séricas baixas de vitD tem uma probabilidade aumentada de desenvolver DA. O SCORAD (Scoring Atopic Dermatitis), score da gravidade da DA de um indivíduo, permite acompanhar o progresso da patologia e mostrou uma relação inversa com os níveis séricos de vitD em indivíduos com DA, tendo-se observado que a toma de suplementos de vitD melhorava significativamente a gravidade da patologia. Esta vitamina também exerce um papel fundamental ao nível da resposta alérgica pois é capaz de inibi-la, suprimindo a síntese de imunoglobulina E. Além deste efeito, a toma de suplementos de vitD também é benéfica para as lesões que se observam nesta doença pois verifica-se uma melhoria das mesmas, sendo capaz de restabelecer os defeitos da barreira epidérmica.63,64 Por outro lado,nestes indivíduos a colonização e

infeção cutânea por Staphylococcus aureus é mais frequente e pode contribuir para o agravamento da patologia, devido à produção de exotoxinas pela bactéria. Um estudo clínico realizado recentemente demonstrou uma diminuição na colonização cutânea por Staphylococcus aureus e uma melhoria dos sintomas em indivíduos com DA, que tomaram suplemento de vitD durante um mês.64,65

Até aos dias de hoje, a suplementação com vitD em indivíduos com DA e psoríase revelou-se benéfica, no entanto mais estudos são necessários para investigar melhor a relação entre a vitD e as doenças inflamatórias da pele, bem como para avaliar a eficácia e a segurança da terapêutica com esta vitamina.64

2.1.5.2.Vitamina D e o Cancro

Nos últimos anos, foram realizados inúmeros estudos que demonstraram uma associação inversa entre níveis séricos baixos de vitD e o risco aumentado de desenvolvimento de diversos tipos de cancro. A forma ativa da vitD liga-se ao seu recetor VDR, presente nas células malignas e benignas, e estimula a transcrição de genes e a tradução em proteínas podendo exercer efeitos anticancerígenos por diversos mecanismos. Esta é capaz de controlar o ciclo celular tendo-se verificado que para concentrações séricas baixas de vitD, ocorre um aumento anormal do número de células epiteliais, levando a defeitos genéticos e a uma maior possibilidade de ocorrer mutações, conduzindo à formação de células cancerígenas. Ocasionalmente, estes defeitos genéticos podem acelerar o desenvolvimento do processo cancerígeno caso afetem em primeiro lugar os genes supressores de tumor, como por exemplo o gene p53. O calcitriol pode também exercer a sua ação anticancerígena impedindo o crescimento das células malignas por estimulação da paragem do ciclo

31 celular na fase G0/G1, e simultaneamente também promove a diferenciação celular dando origem a células menos invasivas e malignas. Ao nível da apoptose, também desempenha um papel fundamental estimulando a morte de inúmeras células cancerígenas, por inibição da expressão de proteínas antiapoptóticas e promoção da expressão de proteínas pró-apoptóticas. A maioria dos indivíduos com cancro morre devido à invasão e metástase de inúmeras células malignas, nas quais a vitD parece desempenhar uma função essencial através do bloqueio da angiogénese, da redução da expressão da proteína da matriz extracelular, a tenascina-C, a qual estimula o desenvolvimento, invasão e angiogénese, entre outros. Atualmente, sugere-se que o calcitriol apresenta efeitos anti- inflamatórios o que poderá ser relevante na terapêutica do cancro, uma vez que esta patologia apresenta inúmeros fatores de risco incluindo a inflamação cónica. Assim, a forma ativa da vitD é capaz de regular a expressão de determinados genes que levam ao bloqueio da síntese de citocinas pró-inflamatórias, à estimulação da expressão de inúmeras enzimas, que estão envolvidas na defesa antioxidante e à inibição da ativação do fator de transcrição NF-kB (Nuclear Factor kappa B), o qual controla a expressão de genes que estão envolvidos na multiplicação celular e na resposta inflamatória. A vitD também parece exercer uma ação anticancerígena através do bloqueio da angiogénese tumoral, que está dependente de vários fatores pró-angiogénicos, como o VEGF (Vascular Endothelial Growth Factor). Hoje em dia, sabe-se que concentrações altas de calcitriol são necessárias para que esta exerça o seu papel anticancerígeno, no entanto existe um efeito adverso associado ao uso de concentrações séricas elevadas, a hipercalcemia. De forma a contornar este problema, vários análogos sintéticos têm sido desenvolvidos, alguns dos quais apresentam uma maior potência no seu efeito antiproliferativo e uma menor capacidade de provocar elevados níveis de cálcio no sangue, como é o caso do inecalcitol. Independentemente do elevado número de estudos que já foram feitos e devido a muitos resultados contraditórios, torna-se fundamental continuar a investigar a função desta vitamina ao nível do cancro de forma a clarificar os mecanismos moleculares da atividade antineoplásica.65-67

2.1.5.3.Vitamina D e o Sistema Imunológico

Ao nível da imunidade inata, o calcitriol tem um potencial enorme pois aumenta a capacidade de defesa dos macrófagos, promovendo a sua diferenciação, capacidade fagocítica e a produção de peptídeos antimicrobianos (catelicidinas), os quais poderão causar a morte bacteriana. Por outro lado, nas células dendríticas tem um efeito de tolerância porque diminui as citocinas pro-inflamatórias e aumenta as citocinas anti-inflamatórias. Relativamente à imunidade adaptativa, é um potente inibidor da proliferação de linfócitos T, promove a ativação dos linfócitos B e o aumento das células T reguladoras, importantes na defesa do organismo. A suplementação com vitD parece exercer um efeito positivo na diminuição de infeções respiratórias agudas, pois existem estudos que demonstraram que em indivíduos asmáticos suplementados, ocorreu uma redução das exacerbações de asma causadas por infeções do trato respiratório superior.68,69Para além disso, esta relação entre a vitD e um menor número de infeções respiratórias virais parece ser particularmente relevante face

32 à pandemia que se vive atualmente. Segundo o diretor da Clínica Universitária de Reumatologia de Coimbra, esta vitamina apresenta uma enorme influência na proteção do nosso organismo contra inúmeras infeções, as quais incluem algumas formas de Coronavírus.70

2.1.5.4. Vitamina D e o Coração

A vitD é capaz de atuar ao nível do sistema cardiovascular onde o seu recetor é também expresso, existindo uma associação entre a sua carência e uma maior incidência de doenças cardiovasculares. No entanto, ainda não existe evidência científica que comprove que a suplementação com vitD reduz o risco de doenças cardiovasculares, não devendo ser prescrita quando o único objetivo a atingir é a sua prevenção.71,72

2.1.5.5. Vitamina D e o Músculo

Atualmente existem muitos atletas que tomam diariamente suplementos que contêm vitD, apesar do seu papel na melhoria da performance desportiva ainda não estar bem explicado. Ao nível do tecido muscular estão presentes os recetores para esta vitamina, e portanto ela atua aumentando a síntese de proteínas musculares, o trofismo e a eficiência da contratilidade e diminui a miostatina, o que limita o crescimento do tecido muscular. A vitD é também capaz de ativar a expressão de genes que estimulam a proliferação e a diferenciação de células musculares, bem como modular a recuperação do múculo após a realização de exercícios mais intensivos e que podem ser prejudiciais, evitando a degeneração muscular. Ao nível do tecido muscular cardíaco também estão presentes os VDR, existindo evidências científicas que mostram que a carência em vitD influencia de forma negativa a contratilidade cardíaca e a maturação do tecido cardíaco. Isto acontece fundamentalmente porque o défice de vitamina provoca um aumento dos níveis de PTH, os quais poderão conduzir a hipertrofia ventricular esquerda. Esta por sua vez pode levar a uma alteração da capacidade de enchimento do ventrículo e da fração de ejeção, conduzindo a hipóxia do tecido muscular e a uma redução da performance desportiva.73-75

2.1.5.6. Vitamina D e o Cérebro

Nos últimos anos, a associação entre os níveis de vitD e a função cerebral tem aumentado, pois tem-se verificado que no período pré-natal é fundamental para um adequado desenvolvimento da função cerebral. Existem estudos que demonstraram uma relação inversa entre os níveis séricos de vitD e a doença de Alzheimer, bem como uma forte correlação entre a severidade do autismo e os níveis séricos desta vitamina. Contudo, é necessário continuar a investigar o seu papel a nível cerebral, a dose diária recomendada na ingestão e os níveis séricos considerados ideais para a manutenção da função cognitiva.76,77

2.1.5.7. Vitamina D e a Saúde Oral

Em Portugal, apenas 32.4% da população tem dentição completa sendo a cárie dentária e a periodontite apontadas como as principais causas da perda de dentes. A vitD devido ao seu papel essencial na homeostasia do cálcio e às suas propriedades antimicrobianas e anti-inflamatórias pode prevenir a formação de cáries, periodontite e perda dentária. Esta exerce a sua ação no complexo

33 dento-gengival de inúmeras formas, podendo atuar sobre os tecidos ósseos de suporte ou diretamente na inflamação. A vitD é um importante regulador da resposta inflamatória com um potencial papel na inflamação crónica, pois estimula a secreção de citocinas anti-inflamatórias e inibe a proliferação de células pró-inflamatórias, contudo é necessário realizar mais ensaios clínicos randomizados de forma a explorar o seu possível efeito anti-inflamatório na saúde periodontal. Nas crianças, a carência desta vitamina pode provocar defeitos no desenvolvimento da dentina, esmalte e das glândulas salivares, o que facilita o desenvolvimento de cáries. Um estudo realizado em 2013, definiu a vitD como um agente promissor na proteção da cárie, uma vez que se observou que a toma de suplementos poderia diminuir o seu risco de desenvolvimento nas crianças, devido às propriedades antimicrobianas. Para além disso, outro estudo mostrou uma associação entre baixos níveis desta vitamina na mulher grávida e o consequente aparecimento de cáries nos filhos, o que indica que a concentração sérica de vitD na mulher durante a gravidez influencia a saúde dentária das crianças. Assim, esta vitamina pode afetar a saúde oral da população em geral, no entanto torna-se essencial a realização de mais estudos que demonstrem as vantagens da suplementação na saúde periodontal, assim como a exposição à radiação solar e o seu impacto na preservação da função oral.78-81

2.1.5.8. Vitamina D e a Saúde Feminina

A vitD tem sido amplamente avaliada na saúde da mulher desde a gravidez até à menopausa, isto porque a sua carência é mais prevalente no sexo feminino, especialmente durante a gravidez. O défice marcado desta vitamina em mulheres grávidas pode conduzir a complicações materno-fetais, incluindo recém-nascidos que apresentam baixo peso, menor tolerância à glicose, pré-eclâmpsia, maior risco de cesariana e aumento das infeções vaginais. Na diabetes gestacional, a vitD revela-se benéfica pois diminui o risco de parto prematuro e macrossomia. Existe também uma correlação entre a toma de suplementos de vitD durante a gravidez e o aumento dos níveis de calcidiol, com consequente aumento do comprimento e do peso do bebé ao nascimento. No entanto, a suplementação em mulheres grávidas apesar de ser segura, ainda hoje, é alvo de controvérsia entre a comunidade científica e a sua necessidade deve ser avaliada individualmente. Esta é aconselhada a todas as mulheres que apresentam um maior risco de carência e que incluem: gestação múltipla, fumadoras, obesas, adolescentes, grávidas com doenças inflamatórias intestinais, raça negra, mulheres que exerçam a sua atividade profissional em locais fechados ou que tenham idade superior a 40 anos, pois nesta idade há uma maior perda de massa óssea e os níveis de vitD são menores. No que diz respeito às doses a serem suplementadas, existem estudos que indicam que uma dose de 600 a 800 UI/dia deve ser fornecida a todas as grávidas e 2000 UI/dia ou doses superiores, quando suspeitas de hipovitaminose severa. Segundo algumas investigações realizadas, a carência desta vitamina poderá interferir com a fertilidade na mulher e no homem, uma vez que em casais com dificuldade em engravidar e que foram previamente avaliados com défice de vitD, a suplementação conduziu a resultados benéficos para a concretização da gravidez. Isto porque, é capaz de diminuir a inflamação e a síntese de citocinas inflamatórias o que contribui para a diminuição do risco de

34 ocorrência de abortos espontâneos. Esta poderá ainda diminuir o aparecimento de vaginose bacteriana, pois observou-se um risco aumentado do desenvolvimento desta infeção em mulheres com baixos níveis de vitD. A explicação poderá estar na promoção da síntese de proteínas, por parte da vitD, que exercem um papel importante na defesa contra as infeções causadas por bactérias. A suplementação também se tem revelado eficaz no combate à dismenorreia, verificando-se uma menor intensidade e frequência da dor pélvica algumas semanas após a toma desta vitamina. Na fase pós- menopausa é também importante, pois o envelhecimento cutâneo e as mudanças nos hábitos de vida poderão contribuir para um maior défice e para além disso, também desempenha um papel fundamental ao nível do metabolismo ósseo, diminuindo o risco de fraturas.82-84

2.1.6.Toxicidade

O desenvolvimento de toxicidade por vitD é raro e normalmente acontece após a toma de suplementos inadequados e durante um período de tempo prolongado, particularmente com quantidades de calcidiol superiores a 150-200 ng/mL, sendo que esta dose sofre variação interindividual. A exposição à radiação solar de forma prolongada não constitui risco de intoxicação, pois o organismo tem a capacidade de converter a vitamina que está em excesso nos seus metabolitos inativos. Quando existe toxicidade verifica-se níveis aumentados de cálcio na urina (hipercalciúria), e seguidamente aumento dos níveis de cálcio no sangue (hipercalcemia), podendo originar determinados sintomas incluindo: náuseas, vómitos, confusão, cansaço, perda de apetite, diminuição de peso, entre outros.85

2.2. Enquadramento Prático

Durante o atendimento ao público, apercebi-me de uma grande procura por suplementos que incluíam esta vitamina, quer para adultos quer para crianças, bem como uma quantidade enorme de prescrições médicas que continham vitD. De entre os medicamentos mais prescritos destaca-se o Vigantol®, uma solução oral de colecalciferol que está indicada para inúmeras situações, como por

exemplo na prevenção da osteomalacia em adultos e do raquitismo em crianças.86 Apesar de

vivermos num país solarengo, estudos realizados demonstraram que a população portuguesa apresenta um défice elevado e que em muito se deve à falta de informação da comunidade sobre esta temática, e à vida sedentária e em espaços mais fechados. Na situação em que vivemos atualmente, devido à pandemia da COVID-19, permanecer em casa é importante, no entanto também pode conduzir a uma menor exposição à radiação solar, e consequentemente a um maior défice de vitD fundamental para o organismo humano. Desta forma, é de extrema importância não esquecer que esta vitamina desempenha inúmeras funções no organismo e que é necessário adotar estratégias que visem corrigir ou minorar a sua deficiência.