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PARTE I: OS CLÁSSICOS DO IMPERIALISMO E DA DEPENDÊNCIA

A TEORIA CLÁSSICA DO IMPERIALISMO

1.5 Vladimir I U Lenin

Rebatendo Bukharin, Lenin revela que a “norma” para o desenvolvimento do capital monopolista era, em geral, não a da confiança única, nem no país como um todo, nem mesmo dentro de cada setor da indústria, mas uma competição, inclusive internacional, entre vários produtores. Neste sentido, Bukharin pode ser criticado por ter visualizado apenas uma tendência à constituição de um capitalismo de Estado, deixando de lado a penetração dos

capitalistas monopolistas em outros Estados, que é um aspecto da internacionalização da economia mundial. Ao fazê-lo, o autor também não teria percebido que o Estado capitalista não se limita a representar o interesse comum da classe dominante, mas também aparece como um conjunto de instituições através das quais a burguesia estabelece a sua unidade através de conflitos entre diferentes frações da classe capitalista.

Seguindo essa linha de crítica, Lenin, então, oferece um esboço preciso do que seria o imperialismo capitalista nos anos anteriores a 1914. Embora seu famoso panfleto fosse um “esboço popular”, a sua ambição era a de apresentar “uma análise exclusivamente teórica e especificamente econômica dos fatos”. Ele foi escrito a fim de pôr a nu as causas econômicas da guerra de 1914-18. Seu objetivo era esclarecer que o conflito foi uma guerra imperialista realizada a fim de promulgar uma violenta redivisão do mundo entre as grandes potências imperialistas europeias.

Neste sentido, Lenin oferece uma definição sumária do imperialismo como

o capitalismo na fase de desenvolvimento em que ganhou corpo a dominação dos monopólios e do capital financeiro, adquiriu marcada importância a exportação de capitais, começou a partilha do mundo pelos trusts internacionais e terminou a partilha de toda a terra entre os países capitalistas mais importantes (LENIN, 2009, p. 90).

E segue, identificando cinco traços fundamentais do imperialismo, tal como segue:

1. a concentração da produção e do capital levada a um grau tão elevado de desenvolvimento que criou os monopólios, os quais desempenham um papel decisivo na vida econômica; 2. a fusão do capital bancário com o capital industrial e a criação, baseada nesse capital financeiro, da oligarquia financeira; 3. a exportação de capitais, diferentemente da exportação de mercadorias, adquire uma importância particularmente grande; 4. a formação de associações internacionais monopolistas de capitalistas, que partilham o mundo entre si; e 5. o termo da partilha territorial do mundo entre as potências capitalistas mais importantes. (LENIN, 2009, p. 90)

Ao fazer essa definição, ressaltando o papel decisivo dos monopólios na vida econômica, fica clara a filiação em relação às ideias de Hilferding sobre a concentração e centralização do capital e a ascensão ao poder dos monopólios sob a égide dos bancos. A fusão do capital

bancário e industrial para formar o capital financeiro também foi desenhada a partir de Hilferding.

Aliás, como nota Lukács,

De modo aparentemente paradoxal, a concepção leniniana do imperialismo é, por um lado, uma importante realização teórica e contém, por outro, muito pouco de verdadeiramente novo, se observada como pura teoria econômica. Em muitos sentidos, ela se baseia em Hilferding e não demonstra, vista em termos puramente econômicos, a profundidade e a grandeza da continuidade da teoria marxiana da reprodução realizada por Rosa Luxemburgo. A superioridade de Lenin consiste – e esta é uma proeza teórica sem igual – em sua articulação concreta da teoria econômica do imperialismo com todas as questões políticas do presente, transformando a economia da nova fase num fio condutor para todas as ações concretas na conjuntura que se configurava então (2012, p. 61, o itálico é original). O primeiro ponto que devemos observar é que, no avanço desta definição, Lenin não estava sugerindo que todos esses recursos são desenvolvidos na mesma medida em cada país considerado. A análise realizada por ele ilustra a maneira desigual por meio da qual esses recursos se desenvolvem entre os principais países imperialistas e, mesmo, no interior de suas estruturas.

Lenin argumentava que o estágio mais elevado do capitalismo de livre concorrência terminara com a crise cíclica de 1873. Houvera, em seguida, um período de transição, coincidindo com a "Grande Depressão", que combinara características da livre concorrência e os períodos de monopólio. Em termos concretos, esse período fora o momento em que as novas potências capitalistas (Alemanha e EUA) elevaram suas tarifas e construíram suas indústrias atrás de paredes protecionistas. O início tardio dessas potências capitalistas, privadas de colônias, significava que elas apenas poderiam fazer frente às antigas potências (França e Grã- Bretanha) através de um ataque acelerado de concentração e centralização, juntamente com uma fusão rápida de bancos e da indústria para supervisionar o processo de acumulação. As últimas décadas do século XIX teriam visto o domínio da Grã-Bretanha em relação ao comércio mundial ser desafiado com sucesso pela Alemanha e EUA. À medida que essas economias ficavam mais fortes, buscavam suas próprias possessões coloniais, algo que a Grã- Bretanha e a França já possuíam em abundância. O resultado foi uma corrida para anexar

essas áreas do mundo ainda divididas, culminando com a partilha da África ocorrida na década de 1880. Para Lenin, esta fase de transição para uma nova época do capitalismo, a fase imperialista, foi concluída durante os anos de boom, entre 1895 a 1900.

A partir daí, formava-se uma tendência à deterioração dos velhos imperialismos, particularmente o da Grã-Bretanha, cuja indústria foi sendo superada pelos novos poderes. E estava justamente nesta tendência o cerne para o desenvolvimento de monopólios, que, longe de retardarem a evolução capitalista dos países dependentes, levaram a um desenvolvimento mais rápido do capitalismo nos países receptores de capital, ainda que de forma desigual.14

Nessa esteira, Lenin argumenta que a exportação de capital, independentemente da forma ou da direção, predomina sobre a exportação de mercadorias. O capital é exportado a partir dos velhos imperialismos para suas colônias como resultado de uma crise de acumulação nos países avançados. Desenha-se, assim, a divisão do mundo entre as grandes potências.

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Apresentadas as teses clássicas sobre o imperialismo, podemos dizer, seguindo Corrêa (2011), que o contorno que se desenha para elas é o de que as abordagens de Hilferding e Bukharin se aproximam de uma interpretação do imperialismo como a conformação política necessária para lidar com a era do capital financeiro, enquanto a interpretação de Lenin reconhece no imperialismo algo além de um mero arranjo político, entendendo este processo como uma fase particular do desenvolvimento capitalista, sua fase monopolista, de tal forma que sua análise leva a cabo uma proposta de periodização histórica do desenvolvimento capitalista. Essa observação faz-se relevante em razão das interpretações sobre o imperialismo contemporâneo desenvolvidas no Capítulo 4. Como já deve ter ficado claro por tudo o que foi dito aqui desde a introdução, nós mesmos aderimos à noção do imperialismo como fase do capitalismo e não exclusivamente como uma política adequada a determinadas características apresentadas pelo sistema em diferentes momentos do tempo. Nossa percepção, portanto, está muito mais alinhada com a de Lenin do que com a dos demais teóricos clássicos.

14 A noção de desenvolvimento desigual presente em Lenin constitui, sem sombra de dúvida, a principal fonte

teórica que, mais tarde, daria origem à teoria da dependência desenvolvida na América Latina na década de 1970, que discutiremos no Capítulo 2.

CAPÍTULO 2

INTERPRETAÇÕES SOBRE O DESENVOLVIMENTO CAPITALISTA NA