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2 CONCEITOS DE POBREZA: DA POBREZA UNIDIMENSIONAL À

2.2 A visão multidimensional da pobreza

2.2.3 Voices of the Poor: os estudos de Deepa Narayan

Durante os anos de 1990, o Banco Mundial realizou uma pesquisa que envolveu 60.000 homens e mulheres considerados pobres de 60 países. A ideia era analisar o motivo pelo qual as situações de pobreza persistiam a partir das realidades, das experiências e dos pontos de vista das próprias pessoas e, também, do ponto de vista institucional. Os resultados dessa pesquisa foram publicados em três relatórios (“Alguém pode nos escutar?”, “Clamando por mudanças” e “Desde muitos lugares”) coordenados por Deepa Narayan.

Os relatórios não se propuseram a realizar uma avaliação de políticas públicas ou de programas especiais de combate à pobreza. A intenção foi apresentar o mundo como ele era visto pelos pobres (NARAYAN, 1999). Tratava-se de expandir o conceito de pobreza de Sen utilizando a compreensão dos pobres sobre sua própria situação e sobre as oportunidades que a sociedade lhes oferece de superá-la. A partir das Avaliações Participativas sobre a Pobreza (APP), a autora procurou subsidiar a elaboração de políticas públicas de desenvolvimento que estivessem de acordo com as reais necessidades e expectativas dos pobres (WILTGEN, 2012).

Narayan fundamentou suas análises na visão que as pessoas pobres têm sobre as diversas dimensões da pobreza, em quais são os principais motivos para que se encontrem nessa situação e em como elas percebem as possibilidades e os limites das oportunidades que possuem para superar essa situação. Através das APP’s, é possível analisar a pobreza sob uma ótica mais ampla, pois consideram os indivíduos como agentes ativos, e não apenas passivos, das mudanças em seu destino (WILTGEN, 2012). São seis os principais resultados a que Narayan (1999) chegou em seu estudo com a utilização das APP’s:

i. pobreza como sendo formada por múltiplas dimensões estreitamente relacionadas entre si;

ii. pobreza comumente definida como falta do mínimo necessário para garantir bem-estar material, o que leva à fome e a privações físicas;

iii. os pobres têm consciência de que sua falta de voz, poder e independência os sujeita à exploração e ao tratamento desumano por parte da sociedade civil e dos funcionários públicos a quem recorrem em busca de auxílio; eles também expõem a dor que sentem por serem obrigados a quebrar as regras sociais e pelo fato de não poderem manter suas identidades culturais, o que

leva à degradação de suas relações sociais; são os aspectos psicológicos da pobreza;

iv. a falta de infraestrutura básica é apontada como sendo um problema extremamente crítico;

v. existe um grande temor com relação a doenças, uma vez que levam muitas famílias à miséria, pois os serviços de saúde são insuficientes, e os que existem são muito caros para seus padrões de renda; a alfabetização é considerada importante, mas o nível de escolaridade é, algumas vezes, visto como um fator importante para suas vidas e, em outras, não;

vi. os indivíduos pobres concentram sua atenção bem mais na falta de ativos do que na renda e consideram que sua carência de ativos físicos, humanos, sociais e ecológicos está diretamente relacionada a sua vulnerabilidade e suscetibilidade aos riscos.

Esses resultados podem ser condensados, de acordo com Narayan (1999), em três blocos, que permitem uma visão mais geral de como os pobres definem e compreendem a pobreza e de como enxergam as políticas construídas para a aplicação dos recursos escassos que são disponibilizados para superá-la ou diminuir seus efeitos:

i. os ativos utilizados pelos pobres para enfrentar suas adversidades sociais, econômicas e ecológicas são tanto tangíveis como intangíveis e formados por um amplo espectro de recursos físicos, humanos, sociais e ecológicos; ii. esses ativos são escassos e, portanto, muito disputados; sendo assim, a

capacidade de utilizá-los em períodos nos quais são necessários depende das relações de poder e controle, bem como existem consideráveis diferenças de acesso relacionadas à questão de gênero;

iii. a renda é mencionada com pouca frequência se comparada a outros ativos que permitem aos pobres atender suas próprias necessidades, tais como acesso aos serviços de saúde, oportunidade de trabalho e acesso à terra. O trabalho de Narayan permitiu verificar que as pessoas pobres percebem a pobreza como formada por múltiplas dimensões diretamente relacionadas, e que a busca por alimentos e por condições para garantir seu próprio sustento, assim como a falta de poder e de voz e a dependência de políticas públicas, são fatores importantes na definição de pobreza pelos pobres. Falta de poder e de voz também são fatores que influenciam a sensação de vulnerabilidade e de incapacidade de suprir suas necessidades de sustento por conta própria.

Os avanços introduzidos pelos estudos de Sen e Narayan são inegáveis. Porém, os trabalhos que utilizam a renda como proxy da pobreza ainda são dominantes quando se trata de analisar a questão, pois os dados a respeito da renda são amplamente

disponíveis e permitem uma comparação mais direta acerca da condição social das pessoas e das populações.

As abordagens multidimensionais da pobreza se mostram, analiticamente, mais ricas que as unidimensionais, pois, mais do que medir, procuram compreender o fenômeno da pobreza. Por isso, é através das análises feitas a partir delas que podem ser construídas políticas públicas realmente eficazes para superar a situação em que se encontram várias famílias em todas as nações, especialmente naquelas em desenvolvimento.

As três visões multidimensionais de pobreza descritas neste trabalho tiveram como fundamento o fato de que a renda não é a única variável que deva ser utilizada para analisar a pobreza, e sim que esta é uma composição de vários fatores que não podem ser desconsiderados se, efetivamente, quiserem-se propor políticas sociais capazes de superá-la.

Na parte seguinte deste trabalho, apresenta-se a metodologia utilizada na análise dos dados do Censo de 2010, tanto na comparação dos indicadores primários do Brasil e do Rio Grande do Sul, quanto para a elaboração dos índices de pobreza utilizados na realização do estudo sobre a distribuição espacial da pobreza no estado.

3 METODOLOGIA E FONTE DE DADOS

Neste capítulo, consta a metodologia adotada na construção dos índices utilizados no estudo da análise e da distribuição da pobreza no território gaúcho. Inicialmente, apresentaram-se alguns dos índices utilizados pelo PNUD para medir a pobreza. Em seguida, detalharam-se o método do IPH e as técnicas de Análise Exploratória de Dados Espaciais (AEDE) utilizadas. Por fim, apresentou-se a fonte dos dados consultada na construção dos índices de pobreza.