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2.1 Educação Integral e escola de tempo integral: conceitos em discussão

2.1.1 Voltando às origens: a paideia grega e o conceito de educação integral

A educação como possibilidade de oferecimento de uma formação completa passou por diferentes movimentos ao longo da história e suas origens se remontam aos princípios educacionais da civilização grega antiga conhecida como a Paidéia grega, que continha o germe do que mais tarde se denominaria de educação integral (COELHO, 2009).

A Paideia conforme Jaeger (1994) se traduzido de forma simplista, como “criação de meninos” não é suficiente para definir o significado, a força e o alcance desse movimento educacional. O autor afirma que, assim como outras palavras gregas, esse termo é de difícil e complexa tradução, tendo em vista que remete à tradição, à cultura, à civilização, à educação e à literatura como parte de sua conceituação.

No ideário da educação grega se objetivava a formação da nobreza cuja natureza, estava calcada no exercício da razão e da liberdade. Motivo pelo qual se procurava que esta formação fosse a mais perfeita possível sendo capaz de promover, nesta classe, a sensibilidade para apreciação do justo, do belo e do bom, com habilidades para o exercício ético da liderança e da obediência e com capacidade para desempenhar um papel significativo na sociedade.

Para os antigos gregos, a formação do ser humano implicou, portanto, a promoção da formação integral do espírito humano como finalidade máxima da educação, e, para alcançar este propósito, o percurso pedagógico deveria envolver uma diversidade de métodos e processos.

Na perspectiva de Jaeger (1994)

Basta para tanto que nos figuremos o conceito de espírito na multiplicidade dos seus aspectos possíveis. Por um lado, o espírito é o órgão através do qual o Homem apreende o mundo das coisas e se refere a ele. Porém, se abstraímos de qualquer conteúdo objetivo (e esta é uma nova faceta do espírito, naquele tempo), também o espírito não é vazio, mas revela pela primeira vez a sua própria estrutura interna. É este o espírito como princípio formal. De acordo com estes dois aspectos, deparamos nos sofistas com duas modalidades distintas de educação do espírito: a transmissão de um saber enciclopédico e a formação do espírito nos seus diversos campos. [...] A poesia e a música eram para ele as principais forças modeladoras da alma, ao lado da gramática, da retórica e da dialética. É na política e na ética que mergulham as raízes desta terceira forma de educação sofística. Distingue-se da formal e da enciclopédica, porque já não considera o homem abstratamente, mas como membro da sociedade. É desta maneira que coloca a educação em sólida ligação com o mundo dos valores e insere a formação espiritual na totalidade da Arete humana. Também sob esta forma é educação espiritual; simplesmente, o espírito não é considerado através do ponto de vista puramente intelectual, formal, ou de conteúdo, mas sim em relação com as suas condições sociais (JAEGER, 1994, p. 342-343).

O citado autor argumenta ainda que, na prática, a articulação dos métodos que foram utilizados pelos gregos para associar o saber enciclopédico com os valores socioculturais não foi algo simples de implantar e aplicar, assim como também não se constituiu como atividade de fácil execução, devido ao fato de que a educação grega procurou primar pela instauração de um processo formal de natureza intelectual no mais alto sentido da palavra.

Entretanto, o restante da sociedade civil que constituía em sua totalidade a sociedade grega

tinha uma grande desvantagem em relação à aristocracia, porque, embora possuísse um ideal de Homem e de cidadão e o julgasse, em princípio, muito superior ao da nobreza, carecia de um sistema consciente de educação para atingir aquele ideal. A educação profissional, herdada do pai pelo filho que lhe seguia o ofício ou a indústria, já não se podia comparar à educação total de espírito e de corpo do nobre, [...] baseada numa concepção total de Homem. Cedo se fez sentir a necessidade de uma nova educação capaz de satisfazer os ideais do homem da pólis (JAEGER, 1994, p. 336).

Além disso, a educação na antiga Grécia nunca foi organizada para todos, nem foi disponibilizada para qualquer pessoa, mas basicamente para os cidadãos livres, os nobres

aristói, motivo pelo qual é fato fundamental da história da educação que toda cultura

considerada superior “surge da diferenciação das classes sociais, que por sua vez se origina da diferença natural de valor espiritual e corporal dos indivíduos” (JAEGER, 1994, p. 24-25).

Por isso é forçoso reconhecer que, desde o início, o movimento educacional da nobreza grega, desde os sofistas até Aristóteles, nunca teve por finalidade proporcionar educação para todo o povo independentemente das classes sociais, e sim promover formação educacional àqueles cidadãos oriundos da própria nobreza que reuniam condições de assumir cargos e funções de comando.

No fundo não era senão uma nova forma de educação dos nobres. [...] os sofistas dirigiam antes de mais nada a um escol, e só a ele. Era a eles que acorriam os que desejam formar-se para a política e um dia tornar-se dirigentes do estado (JAEGER, 1994, p.338).

Nesse sentido, considera-se que do ponto de vista filosófico, a educação grega foi compreendida no contexto de uma perspectiva idealista traduzida, desde os primórdios, numa visão dualista e fragmentada, dentro da qual foi difundida a crença de que nem todos os homens estavam preparados ou necessitavam de uma cultura refinada, uma vez que a condição e a posição social eram fatores determinantes para definir a diferença “natural” das classes e suas ocupações teórico-profissionais. Desse modo, o percurso educativo dos

indivíduos deveria ser norteado conforme os valores espirituais e corporais de cada um de acordo com o lugar que ocupava na escala social.

Segundo Manacorda (1992), a necessidade de constituir e perpetuar a cultura grega implicou para as classes dominantes a criação de uma política educacional capaz de preparar a elite para o exercício do poder que envolvia de forma integrada e interativa três aspectos centrais, o “pensar”, o “falar” e o “fazer” à posição inerente a classe. O aspecto do “pensar” e do “falar” relacionavam-se às artes, à retórica, ao raciocínio lógico-matemático, à argumentação, à ética e à política e o “fazer” à elaboração das leis e uso da força, seja ideológica ou das armas. Enquanto isso, cabia aos produtores e às pessoas com serventia de natureza utilitária e objetiva do ponto de vista social, a capacitação necessária para a prática do ofício destinado a cada um, por meio do treinamento técnico de modo a desincumbirem eficazmente seus afazeres. E finalmente, às camadas do mais baixo escalão social, ou seja, os escravos, reservava-se a opressão e, em diferentes graus, a mesma aculturação advinda dos altos comandos sociais aos subalternos.

Segundo Cambi (1999) a educação grega pautada por uma organização social dividida em classes sociais foi sendo reelaborada como Paidéia cristã, humanística e bildung, conforme o desenvolvimento das sociedades e da própria educação em cada período histórico. Desta forma, é possível afirmar que a Paidéia grega constituiu um arcabouço fundamentado na cultura, na filosofia e na política da realidade da vida da polis estruturada em estratos sociais antagônicos contribuiu para promover durante muitos séculos e, inclusive na atualidade, reflexões educativas no ocidente.

A Paidéia cristã, por outro lado, representou uma estrutura educacional baseada, fundamentalmente, nos valores dos ensinamentos cristãos profundamente influenciados pelo pensamento greco-romano. Essa filosofia, cujas bases consagram-se nas sagradas escrituras, tem o Cristo como modelo de homem ou sujeito ideal. Visando alcançar essa referência a educação do indivíduo se concentra na preparação para uma vida celestial, a vida superior e verdadeira, situada além dos valores comezinhos da realidade terrena (Cambi, 1999).

Para além da Idade Média, com o surgimento da denominada “escola humanista”, transparece novamente a herança europeia que norteou diversos períodos, fundamentando seus preceitos na retomada de uma formação ancorada na própria natureza humana, a qual considera fatores como a idade, a índole, a motivação e os interesses individuais como indicadores para a estruturação do processo educativo.

A bildung (traduzido como formação) implica em atribuir à educação duas tarefas. Por um lado, a promoção da formação intelectual voltada para o desenvolvimento científico e, por outro, conteúdos voltados para a formação moral dos indivíduos.

Tomando como referência a educação grega, considerando os aspectos acima apontados, é possível afirmar que esta foi, de alguma forma, o berço de uma perspectiva de educação integral capaz de promover, como possibilidade, um tipo de formação que considera o ser humano em sua totalidade e não como um ser fragmentado. Apesar de reconhecer que este tipo de concepção amplia a visão de homem, ela foi pensada para atender aos anseios e necessidades de uma classe dominante, por isso não significa que, enquanto educação, se configura como direito de todos, nem em mecanismo destinado a contribuir com a construção de uma sociedade igualitária. Esse pressuposto vai incorporar as lutas travadas pelo movimento revolucionário anarquista no contexto da França dos séculos XVIII e XIX.

2.1.2 A educação integral no movimento revolucionário anarquista francês dos