• Nenhum resultado encontrado

2.3 – A E VOLUÇÃO DA S ECURITIZAÇÃO DE R ECEBÍVEIS NO M ERCADO B RASILEIRO

Houve uma defasagem de aproximadamente vinte anos entre a realização das primeiras operações de securitização no mercado norte-americano e as primeiras operações desse tipo realizadas por empresas brasileiras. O processo de desenvolvimento dessas operações no Brasil pode ser dividido em três etapas, com características próprias que as distinguem umas das outras.

Na primeira etapa desse processo, que ocorreu no início dos anos de 1990, as primeiras operações de securitização de recebíveis foram realizadas por empresas brasileiras no mercado internacional. Nessa época, o Brasil, assim como outros países em desenvolvimento, renegociava sua dívida com credores externos, de forma que os mercados internacionais mostravam-se pouco receptivos às novas emissões realizadas por empresas originárias desses países. Porém, algumas empresas que buscavam financiamento de longo prazo a custos aceitáveis conseguiram acessar esses mercados por meio de operações de securitização de recebíveis (PENTAGONO RESEARCH, 2006, p. 2; UQBAR, 2004b, p. 3).

As empresas que realizaram essas operações, dado seu ramo de atividade, possuíam direitos de crédito originados fora do país, ou seja, parte de suas receitas era derivada de vendas de produtos ou prestação de serviços para clientes residentes em outros países. Essa situação especial, aliada ao fato de que a Entidade Emissora – uma SPE - também era constituída fora do país, acabava com a necessidade de os recursos provenientes da carteira de recebíveis ingressarem no Brasil, o que era um dos principais temores dos investidores internacionais.

O risco envolvido no ingresso dos recursos no Brasil estava relacionado com a possibilidade de que o governo impusesse algum tipo de controle cambial que impedisse a remessa de recursos a outros países para quitar os títulos emitidos no mercado internacional. Eliminado o risco de congelamento das remessas de recursos para o exterior, e estando o risco da operação segregado do risco de crédito da Empresa Originadora, um número maior de investidores internacionais passou a se interessar por estas operações, de forma a baixar os custos de captação. Uma outra peculiaridade verificada nessas operações é o fato de que os direitos creditórios que serviram de lastro não eram performados, de forma que ainda não estavam registrados nos balanços das Empresas Originadoras17.

A segunda etapa é caracterizada pela ocorrência das primeiras operações de securitização de recebíveis realizadas no mercado doméstico e data de meados da década de 199018. Essas

operações tinham como principal característica, mais uma vez, a constituição de uma SPE que

17 A primeira empresa brasileira a realizar uma operação desse tipo foi a Embratel que securitizou o fluxo futuro de créditos que viria a deter contra a empresa norte-americana AT&T (UQBAR, 2004b, p. 3). 18 A primeira operação de securitização de recebíveis realizada no mercado doméstico foi a da Mesbla Trust, que securitizou parte da carteira de crédito detida pela Mesbla S.A. Essa operação ocorreu em 1994 (UQBAR, 2004b, p. 3).

atuava como veículo de securitização e emitia publicamente valores mobiliários no mercado de capitais brasileiro, na maior parte das vezes títulos de dívida representados por debêntures, e aplicava os recursos captados na aquisição de direitos creditórios gerados pela Empresa Originadora (PENTAGONO RESEARCH, 2006, p.1; UQBAR, 2004b, p. 3-4). Contudo, a falta de uma regulamentação específica que atribuísse aspectos societários19 e tributários diferenciados para essas entidades inibiu o desenvolvimento desse tipo de operação estruturada.

O tratamento tributário aplicado à SPE é similar ao de uma sociedade anônima comum. Isso implica a incidência de vários tributos e contribuições que levam a um encarecimento da operação como um todo. Dentre estes estão: o Programa de Integração Social - PIS, a Contribuição para a Seguridade Social – COFINS, o Imposto de Renda de Pessoa Jurídica – IRPJ, a Contribuição Social sobre o Lucro Líquido – CSSL e a Contribuição Permanente sobre Movimentação ou Transmissão de Valores e de Créditos de Natureza Financeira – CPMF (PENTAGONO RESEARCH, 2003, p. 4; UQBAR, 2004a, p. 5).

Os custos tributários aplicados à SPE, associados à necessidade de constituição de uma

Trust offshore, além dos outros custos envolvidos na operação como, por exemplo, a contratação

de uma instituição financeira responsável pela distribuição pública dos valores mobiliários e a contratação de um agente fiduciário20, no caso de o valor mobiliário utilizado para captar os

recursos ser uma debênture, tornaram operações de menor porte economicamente inviáveis, de forma a restringir o número de empresas que estariam aptas a se financiar por meio da securitização de recebíveis (PENTAGONO RESEARCH, 2003, p. 1).

Apenas nos últimos anos da década de 1990, teve início a terceira etapa do processo. Foram verificadas as primeiras mudanças no tratamento dado pelo governo ao mercado

19 No que diz respeito à regulação específica, as SPE são constituídas como Sociedades Anônimas, possuindo as características previstas na Lei nº 6.404, de 15 de dezembro de 1976, que cria e dá as principais atribuições das Sociedades Anônimas, e estão sujeitas às limitações impostas na regulamentação. Por esse motivo, em muitas operações foi necessária a constituição de uma Trust offshore, em um país que possuísse regulamentação específica para esse tipo de entidade. Nessas operações, o Trust é o controlador acionário da SPE, de forma a proporcionar a efetiva independência entre esta e a Empresa Originadora (PENTAGONO RESEARCH, 2002, p. 2).

20 O Agente Fiduciário representa a comunhão dos debenturistas (detentores das debêntures) perante a companhia emissora (neste caso, a SPE). Dentre suas atribuições, destacam-se: a elaboração de relatório anual sobre a companhia emissora; a proteção dos direitos dos debenturistas, de acordo com a regulamentação em vigor e com o estabelecido na escritura de emissão das debêntures; convocação de assembléia de debenturistas, entre outras. A atuação do Agente Fiduciário é regulada pela Lei nº 6.404.

doméstico de securitização e estavam voltadas para o setor imobiliário. A Lei nº 9.514, de 20 de novembro de 1997, instituiu a Companhia Securitizadora de Créditos Imobiliário - CSCI, os Certificados de Recebíveis Imobiliários - CRI que são os valores mobiliários a serem emitidos pela CSCI, e o regime fiduciário21 para recebíveis imobiliários. Em seguida a Comissão de Valores Mobiliários - CVM expediu a Instrução nº 284, de 24 de julho de 1998, posteriormente revogada pela Instrução CVM nº 414, de 30 de dezembro de 2004. Com essas medidas tornou-se possível a securitização de recebíveis imobiliários com total segregação de risco da carteira de crédito, em relação à Entidade Emissora e à Empresa Originadora.

Posteriormente, o Conselho Monetário Nacional - CMN expediu as Resoluções nº 2.493, de 07 de maio de 1998, e nº 2.573, de 17 de dezembro de 1998, ambas revogadas pela Resolução nº 2.686, de 26 de janeiro de 2000, que regulamentou a cessão de direitos creditórios oriundos de operações financeiras a uma SPE, neste caso denominadas Companhias Securitizadoras de Créditos Financeiros - CSCF, que podem captar recursos no mercado apenas mediante a emissão de debêntures simples lastreadas nesses créditos.

Por fim, já no início da primeira década de 2000, uma nova medida foi tomada, provavelmente a mais importante da terceira etapa: a criação do Fundo de Investimento em Direitos Creditórios - FIDC e do Fundo de Investimento em Cotas de FIDC - FIC FIDC, pelo Conselho Monetário Nacional, em novembro de 2001.