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O ato de vontade e a ação corporal

No documento A compreensão de Schopenhauer da coisa em si (páginas 118-121)

CAPÍTULO III- A COISA EM SI SEGUNDO A METAFÍSICA DE

3.4 O corpo animal como caminho para uma possível denominação da coisa em si

3.4.1. O ato de vontade e a ação corporal

Esta peculiaridade dada ao corpo por Schopenhauer deve-se ao fato do corpo não ser conhecido pelo sujeito cognoscente de maneira apenas mediata pela forma da representação, mas, sobretudo, de modo imediato através de um sentimento denominado pela linguagem de vontade. Este sentimento é experimentado pelo indivíduo durante a sua vida inteira, já que a

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SCHOPENHAUER, Arthur. O mundo como vontade e como representação, 2005, p.156.

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No entanto, real no sentido de não ser uma ficção solipsista do sujeito cognoscente, porque real em um sentido específico somente a coisa em si, a qual, como já vimos, não pode ser alcançada e conhecida através da estrutura mental do indivíduo.

vontade, – semelhante à água cristalina que brota de uma nascente e impede que os seres vivos morram de sede – brota do interior de todo ser, para assim, mantê-lo vivo. Isto posto, o sentimento de vontade é traduzido pelo corpo do indivíduo em movimentos, os quais expressam nada menos que o ato de querer, isto é, a busca para se obter algo.

Em outras palavras, o ato de querer algo e o movimento produzido pelo corpo para se obter este algo, não são eventos proporcionados pela aplicação da lei de causalidade, ou mesmo, eventos distintos um do outro. Pelo contrário, são exatamente as mesmas coisas, entretanto vistas sob perspectivas diferentes, porque o movimento é a exteriorização do querer, isto é, a exteriorização da vontade interiorizada do ser. Contudo, a exteriorização da vontade apenas é percebida pelo entendimento humano a partir da intuição intelectual dando, por isso, a falsa impressão de serem, ato de vontade e ação corporal, eventos causais ou

opostos. Nas palavras de Jair Barboza:

O ato da vontade e a ação corporal não são dois estados díspares relacionados mediante causa-efeito, mas são um e mesmo dados de duas maneiras distintas: numa, imediatamente sentido, noutra, na intuição do entendimento. Todo ato imediato e autêntico da vontade é, logo a seguir, fenômeno do corpo, e vice- versa, toda atuação sobre o corpo é, logo a seguir, atuação sobre a vontade; se lhe é conforme, tem-se o bem-estar, o prazer, se lhe é contrário, tem-se a dor.313

Na verdade, apenas na reflexão abstrata que ato de vontade e ação corporal parecem coisas diferentes, porém não são, ainda que na efetividade seja mostrado ao sujeito cognoscente exatamente o contrário. Contudo, mediante a intuição intelectual, o sujeito pode compreender, quando abandona aquela falsa impressão provocada pelo nexo de causalidade, que, o que ele possui é um conhecimento a posteriori de sua vontade, efetuado através dos movimentos desenvolvidos pelo seu corpo ao tentar executar uma determinada ação.

Dessa forma, “todo ato verdadeiro, autêntico, imediato da vontade é também

simultânea e imediatamente ato fenomênico do corpo”314

, não obstante, a recíproca também é verdadeira. Isto é, “toda ação sobre o corpo é também simultânea e imediatamente ação sobre

a vontade”315

, mais precisamente, caso uma determinada ação sobre o corpo seja desconfortante, ela pode ocasionar à vontade do indivíduo dor, nervosismo, angústia e etc.

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BARBOZA, J. A metafísica do belo de Arthur Schopenhauer, 2001, p.32.

314

SCHOPENHAUER, Arthur. O mundo como vontade e como representação, 2005, p.158.

Entretanto, caso a ação sobre o corpo seja cômoda à vontade, então, ela acarreta alegria, calma, prazer, ou seja, sensação de bem-estar em geral à vontade.

Nesse sentido, dor e prazer podem ser descritos como afecções da vontade em plena visibilidade. Ou melhor, afecções que se efetivam de modo imediato no corpo animal a partir de um querer ou não querer, concretizados ou não concretizados, para o agrado ou desagrado da vontade. No entanto, nem toda impressão sobre o corpo é um fomento para à vontade, já que algumas impressões dizem respeito ao ato de conhecer e não ao ato de querer ou não querer algo. Assim, tais impressões devem ser entendidas como simples representações do sujeito cognoscente, porque o corpo neste caso não se torna um espelho da vontade, mas sim um objeto imediato do conhecimento. É o caso, por exemplo, como atesta Schopenhauer, das afecções:

dos sentidos puramente objetivos da visão, da audição, e do tato, embora só à medida que seus órgãos são afetados conforme sua maneira natural, específica; o que é um estímulo tão excepcionalmente fraco da sensibilidade realçada e modificada dessas partes que não afetam a vontade, mas, sem ser incomodados pelos estímulos desta, apenas fornecem ao entendimento os primeiros dados de onde deriva a intuição.316

Qualquer outro tipo de afecção, isto é, com um grau de intensidade maior do que aquele necessário à intuição de algo pelo entendimento, já afeta diretamente a vontade do indivíduo. Pois, se de um lado a luz é necessária e benéfica para que o indivíduo possa enxergar ou intuir o mundo ao seu redor, por outro lado, ela em um grau muito maior ao necessário já começa a causar incômodo ou mesmo dor aos olhos. Daí que os nervos corporais ao serem afetados, dependendo da delicadeza que possuírem, podem fazer com que a vontade se manifeste ou não no corpo. Por exemplo, um indivíduo de melanina escura não se sentirá tão incomodado à exposição solar quanto um indivíduo albino, um indivíduo que habita regiões próximas aos trópicos da linha do Equador não se sentirá tão incomodado pelo calor quanto aquele indivíduo que vive em regiões gélidas do planeta. Desse modo, é possível constatar que a vontade ao se expressar pelo corpo tem a capacidade de abalar “sua

engrenagem interior, perturbando o curso de suas funções vitais”317, para que o indivíduo não

se sucumba.

316

SCHOPENHAUER, op. Cit., p.158.

No documento A compreensão de Schopenhauer da coisa em si (páginas 118-121)