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VOTAÇÃO SECRETA NO SENADO: UMA QUESTÃO APENAS DE TRANSPARÊNCIA?

No documento O Supremo e o processo eleitoral (páginas 198-200)

Luiz Fernando Esteves Gomes 18 | 01 | 2019

Votação aberta abre caminho para uma rígida influência do Executivo sobre o Senado.

No atacado de decisões monocráticas no fim de 2018, o ministro Marco Aurélio determinou que a escolha do próximo presidente do Senado seja feita por voto aberto, e não secreto. Essa decisão não cha- mou tanta atenção quanto às decisões monocráticas sobre execução provisória da pena203 – do próprio Marco Aurélio, inicialmente, e

depois de Toffoli. Mas obrigar voto aberto nesse processo no Senado tem graves implicações para a separação de poderes, alterando a dinâ- mica de funcionamento do Legislativo e tornando-o mais vulnerável a ataques do Executivo. Apesar da liminar de Marco Aurélio ter sido suspensa por Toffoli, a discussão sobre a forma de votação parece não ter sido encerrada, sobretudo porque há no STF recurso de um deputado que teve negado o pedido de votação aberta na Câmara.204

Na decisão de sete páginas, o ministro Marco Aurélio argumenta que a transparência deve ser aplicada a todos os atos de exercício dos três poderes. Especificamente quanto ao Legislativo, afirma que a Constituição é clara ao prever votações fechadas apenas nas três 203 ARGUELHES, Diego Werneck. A liminar de Marco Aurélio: da mono-

cratização à insurreição? JOTA, 27 dez. 2018. Disponível em: <https:// www.jota.info/especiais/a-liminar-de-marco-aurelio-da-monocratiza- cao-a-insurreicao-27122018>. Acesso em: 11 fev. 2019.

204 REDAÇÃO JOTA. Kim Kataguiri vai ao STF para tentar garantir candidatura à presidência da Câmara. JOTA, 16 jan. 2018. Disponível em: <https://www.jota.info/stf/do-supremo/kim-kataguiri-vai-ao-stf-pa- ra-tentar-garantir-candidatura-a-presidencia-da-camara-16012019>. Acesso em: 11 fev. 2019.

hipóteses nos incisos III, IV e XI do Art. 52 da Constituição, que não dizem respeito à eleição para presidente do Senado, mas sim à escolha de magistrados e outras autoridades, nos casos indicados no próprio texto constitucional, bem como para a exoneração do Procurador Geral da República, antes do término de seu mandato. Fora desses casos, para o ministro, apenas uma emenda à Constituição, e não uma lei ou resolução do Senado, poderia criar novas exceções à regra da transparência.

O argumento geral de transparência não faz sentido, ao menos nesses termos tão rígidos. A Constituição determina que os atos ju- diciais sejam públicos, mas não fala nada sobre outros atos realiza- dos no âmbito do Poder Judiciário. Isso significa que a eleição para Presidente do Supremo só pode ocorrer por voto aberto? Estaria o próprio Supremo, nesse raciocínio, violando um dever geral de publicidade e transparência a cada eleição de seu presidente? Se aplicarmos essa lógica, no limite, reuniões presidenciais com seus ministros ou mesmo as razões que levam à escolha dos processos que irão compor a pauta de julgamentos de um tribunal deveriam ser abertas ao público, já que nada na Constituição excepciona a regra da transparência nesses casos. Mais razoável seria ler, na Constituição, uma exigência ou princípio geral de transparência que precisa ser compatibilizada com outras razões, também constitucionais, em sentido contrário – como, por exemplo, eficiência e capacidade de- cisória na administração pública, independência de certos atores de pressões externas, preservação da privacidade de atores privados em seus contatos com o poder público.

O argumento mais específico sobre votações no legislativo parece mais promissor. Aqui, porém, as implicações continuam sendo graves, por uma razão muito peculiar: ela interage com o papel da Presidência da casa, alterando o perfil da liderança que os senadores estariam escolhendo. Ao fornecer informação pública sobre como votam os senadores nessa eleição interna, a regra de voto aberto transforma a natureza institucional do Presidente do Senado.

Ao estudar diferentes tipos de presidência de parlamentos, os pes- quisadores Marcelo Jenny e Wolfgang Müller encontraram 4 espécies de presidentes:205

205 JENNY, Marcelo; WOLFGANG, Mueller. Presidentes of Parliament: Neutral Chairmen or Assets of the Majority? DÖRING, Herbert. Parliaments and Majority rule in Western Europe. Frankfurt: Campus

O SUPREMO E O PROCESSO ELEITORAL

I. o líder partidário; II. o líder da minoria;

III. o representante do parlamento; IV. o líder neutro.

O líder neutro seria aquele escolhido por uma eleição consensual, e não se envolveria em conflitos partidários. Assim, teria uma esta- bilidade reforçada, já que provavelmente não seria de interesse dos membros da casa legislativa a criação de uma crise que colocasse em risco a manutenção do poder presidencial. O principal exemplo indicado pelos autores é o do presidente da Câmara dos Comuns, no Reino Unido, que normalmente é recrutado entre aqueles par- lamentares que não se envolvem em conflitos partidários antes da escolha e, após assumir o cargo, deixa de participar das reuniões de seu partido, se isola dos eventos sociais promovidos pela própria Câmara dos Comuns e não vota nas questões submetidas à sua casa legislativa.

O líder da minoria teria poucos poderes para atuar no processo le- gislativo e na relação com outros poderes. De forma simples e direta, o líder partidário nada mais seria do que uma figura decorativa. Até por isso, as eleições sequer seriam objeto de grande disputa, e pouco risco haveria de instabilidade, dada a falta de importância do cargo, reduzido a mero simbolismo.

Por outro lado, o presidente do tipo líder partidário seria escolhido em uma eleição cercada de disputas e conflitos, e o vencedor, além de possivelmente ter a eleição contestada, rapidamente poderia ser sugado por crises, diante da falta de apoio dos perdedores nas eleições. Isso ocorre porque esse tipo de presidente tem grandes poderes para atuar no processo legislativo e para dialogar com os outros poderes em nome da casa legislativa que representa. Porém, está autorizado a fazer tudo isso não em nome do Legislativo, mas sim para beneficiar seu próprio partido e seus aliados. Caso simbólico e pontual desse tipo de presidente no Brasil é o de Eduardo Cunha, que utilizou seus amplos poderes para tentar sufocar a oposição que não o apoiava, como no caso das sucessivas votações da proposta de redução da maioridade

Verlag, 1995, p. 326-364. Disponível em: <https://www.researchgate.net/ publication/265563491_Presidents_of_Parliament_Neutral_Chairmen_ or_Assets_of_the_Majority>. Acesso em: 11 fev. 2019.

No documento O Supremo e o processo eleitoral (páginas 198-200)