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EXPERIÊNCIA COLETIVA EM SALA DE AULA

7.2.2. E XPOSIÇÃO DO PLANO E RELATO DA AULA

A aula ministrada pela minha dupla expôs detalhadamente os pontos principais do texto “A gestão da onipotência: como ensinar Direito a ini- ciantes?”, de José Rodrigo Rodriguez (2009, p. 271-290), para chegar, depois, em um debate socrático a respeito dos conceitos de agressivi- dade, projeto, crise de representações, risco e senso comum. Propôs-se que refizéssemos o percurso principal do texto, a saber, que a agressi- vidade é uma reação a novos esquemas conceituais que atingirão as representações prévias que os alunos têm do conhecimento que adqui- riram ao longo dos seus anos de estudo. E que a tarefa do professor é administrar essas crises de um modo que o aluno não perca totalmen- te o interesse pelo conteúdo dado em sala de aula. Mas que, ainda assim, o professor também não mantenha o aluno em uma zona de conforto em que não haja riscos para sua aprendizagem. O autor dá um exem- plo do que seria a proporção ótima para um exercício, aquela em que o aluno tenha de dar passos novos por conta própria no seu raciocínio,

e que o exercício, portanto, seja calibrado de uma forma que o aluno entre em contato com algo que nunca aprendeu, mas não ao ponto de este algo frustrá-lo e levá-lo a alguma paralisação da sua vontade de resolver o problema à sua frente.

Feito esse percurso inicial, passamos para o debate socrático, cujo principal objetivo acabou se tornando o refinamento das informações e dos conceitos contidos no texto e a elucidação dos posicionamentos do autor. Pode-se dizer que a aula foi bem-sucedida, no entanto, os outros textos que seriam ministrados perderam espaço. Na altura do debate socrático, e não havíamos previsto isto no planejamento, o texto “Gestão da onipotência” (RODRIGUEZ, 2009) conquistou o interesse dos alu- nos. Isso foi uma surpresa que tivemos de controlar com improvisos, e acabamos não utilizando os dois textos que havíamos previsto como lei- tura obrigatória para aula.

É difícil aferir se o objetivo de uma aula foi cumprido. Do ponto de vista do conteúdo do texto, pode-se dizer que ele foi trabalhado adequadamente. Quanto à tarefa de suscitar reflexões nos alunos, per- cebi o seguinte: em um determinado estágio da discussão, vi que o conteúdo do texto pode ter levado alguns alunos a darem outro signi- ficado para suas crises durante os anos letivos na DIREITO GV. A crise não se tratava mais de uma experiência inteiramente negativa, e agora passava a ser um fenômeno com um sentido bem definido, a saber, uma reação à desestruturação de algum conjunto prévio de crenças sobre o que os alunos acreditavam. Ter consciência do processo de uma crise auxilia o aluno a encará-la. E posso dizer com certa segurança que essa foi uma das realizações da aula.

7.3. FELIPE

Este breve relato se divide em três partes: expectativa, execução (como aluno e como professor) e avaliação.

7.3.1. EXPECTATIVA

O curso, uma das matérias eletivas oferecidas pela faculdade, foi esco- lhido em função de depoimentos de colegas que afirmaram se tratar de um curso fácil, com carga horária reduzida e poucas leituras, o que se adequava a meu foco em meu Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) e no estágio naquele momento. A notícia de que a professora seria dife- rente dos que haviam ministrado anteriormente o curso também foi um

elemento que pesou em minha decisão: já havia tido aulas com a Professora Marta Machado e – apesar de meu pouco interesse em direi- to penal – tais aulas tinham sido bastante interessantes.

As discussões a respeito da estrutura do curso e dos modos e crité- rios de avaliação foram positivas. Decidiu-se que cada grupo apresentaria uma aula sobre determinado tema, que os colegas que os tivessem assis- tido fariam uma avaliação, a qual seria complementada por uma autoavaliação e pela avaliação da professora. O processo de escolha dos temas (estes, em alguma medida, já predeterminados) foi caótico: aque- les que primeiro se manifestaram ficaram com os temas e datas mais interessantes, o que gerou um clima de insatisfação para alguns, além de corridas e quase brigas.

7.3.2. EXECUÇÃO

Procedeu-se, assim, às aulas propriamente ditas. Em minha visão e de forma simplificada, a qualidade das aulas foi maior no meio do semestre. Tal fenômeno poderia ser explicado por dois motivos: (i) aproveitamen- to das experiências anteriores; e (ii) intensificação das demandas no fim de semestre. Os alunos se aproveitavam de diversos recursos e as aulas (apesar de estruturalmente parecidas) realmente se diferenciavam.

Neste ponto, dois elementos merecem destaque. O primeiro deles foi a inter-relação com formas de expressão culturais: os alunos utiliza- ram-se de trechos de filmes, de literatura, de testes psicológicos e de textos de outras disciplinas, para suscitar o debate. Este, na minha opi- nião e do ponto de vista material, foi o principal elemento diferenciador das aulas dadas pelos alunos em relação às aulas tradicionais.

O segundo elemento é o relacionamento entre os alunos. Era evi- dente que alunos que apresentavam um melhor relacionamento geral com a classe eram mais respeitados, que havia um esforço maior de par- ticipação dos colegas, um esforço maior de leitura e um companheirismo na avaliação (ponto que retomarei). Ainda sobre esse relacionamento, diferentes alunos assumiram de forma distinta o “papel de professor” e aqueles que buscavam se impor mais, se utilizar da autoridade efetiva que lhes era emprestada, eram rapidamente rejeitados. Não se aceitava, na minha visão, que os alunos-professores não tratassem os colegas como academicamente iguais.

Os temas escolhidos, assim como a literatura sugerida, foram gran- des impulsionadores do curso. O mérito tem de ser atribuído à Professora

Marta: as discussões das diferentes aulas apresentavam diversas inter-rela- ções, porém os temas eram distintos, assim como o grau de profundidade com que eram tratados. Os alunos, de forma geral, levantaram diversos questionamentos (a grande maioria salutarmente deixados sem respos- tas) a respeito do papel do professor (quão necessária é a autoridade; qual o limite dessa autoridade; qual o ponto ótimo de incentivo; como reagir a diferentes alunos que absorvem tais incentivos de formas dis- tintas), da universidade (o foco deve ser na formação de um advogado ou acadêmico; em que limite essa se diferencia das outras possíveis ati- vidades possíveis para um bacharel em direito; o foco deve ser na formação profissional ou pessoal) e do advogado (qual o papel do advo- gado; qual o limite de seu exercício).

Sobre a postura dos alunos, duas atitudes prejudicaram as aulas: a primeira delas foi que – dos cerca de 40 alunos – apenas cinco liam os textos obrigatórios para a cada aula. Este cenário impedia um maior aprofundamento do tema e, muitas vezes, obrigava os professores a adaptar a aula a essa realidade. O motivo para tal atitude é simples: os alunos matriculados nessa disciplina se encontram no segundo semes- tre do 4º ou 5º ano. A grande maioria está estagiando em escritórios de advocacia e os que estão no 5º ano contam ainda com a pressão adicional de passarem no Exame de Ordem e terminarem seu Trabalho de Conclusão de Curso (TCC). Assim, o curso não era a prioridade de nenhum dos alunos, a não ser daqueles que apresentassem um inte- resse exacerbado por ele.

Tal cenário era complementado pela ausência de incentivos para a leitura. Dentre as consequências da liberdade dada aos alunos, essa foi a mais negativa, e deveria ser revista a fim de se criar os incentivos ade- quados para se assegurar tal leitura (que deve ser ponderado com uma suposta “perda de liberdade”).

Segunda atitude que prejudicou as aulas foi a baixa presença de alu- nos em sala de aula e o fato de muitos saírem nos últimos minutos da aula, o que impedia um bom fechamento desta. Os motivos para tal ati- tude é semelhante aos apontados acima, somados ao fato de a aula ter sido ministrada no último horário da manhã. Possivelmente esse últi- mo fator é consequência do fato de estarem todos trabalhando e terem de entrar às 14h00 no estágio, o que lhes dá pouco tempo para o almo- ço. Manter uma chamada dupla poderia aumentar os incentivos para tanto. Melhor solução seria trocar o horário da aula.

Sobre a aula que foi ministrada por mim e pelo meu grupo (Bianca Stembaum, Luis Eduardo Bologna e Deborah Toledo), tivemos uma impressão boa, conforme se verifica de nossa autoavaliação (entregue no fim do curso):

Acreditamos que a aula dada cumpriu o proposto no plano que fizemos. Uma dificuldade que encontramos na preparação da aula foi o fato de que, como nossa aula foi fruto de duas aulas,7 tínhamos muito conteúdo para passar em um tempo

relativamente curto. Com isso, tivemos que afunilar o conteúdo e focar apenas nas questões primordiais para que a aula fizesse sentido e não fosse cansativa.

Evidentemente tínhamos a opção de selecionar/focar em um dos conteúdos; porém, uma vez que ambos eram extremamente relevantes para a condução do diálogo, optamos por manter os dois. Além disso, outra dificuldade que nos deparamos foi o fato de que ninguém da sala havia lido a leitura proposta para a primeira parte da aula. [...] Por fim, a experiência de ser avaliado pelos próprios alunos pareceu um pouco delicada quando começamos a aula, mas, ao final, quando foi possível uma maior interação com os mesmos, nos sentimos mais à vontade.

Observam-se dois problemas principais: um de metodologia (na separação e união das duas partes da aula) e o outro, já referido, a difi- culdade enfrentada em função da falta de leitura dos textos por parte dos alunos. Conforme se pode notar do plano de aula, buscou-se uma redução máxima da leitura obrigatória, focando apenas em trechos relevantes e justificando tal leitura. Esta estratégia foi insuficiente.

A participação dos alunos era essencial para o bom andamento da aula, e essa foi incentivada por meio dos casos apresentados para dis- cussão (Anexo 2 – Plano de Organização de Aula e Casos Concretos para Exercício), os quais buscavam aproximar algumas questões pós- colonialistas da realidade acadêmica dos alunos.

7.3.3. AVALIAÇÃO

Nas semanas seguintes à aula recebemos as avaliações dos alunos. Todas as críticas lá realizadas eram pertinentes e a maioria dizia respeito à

necessidade de melhor organização entre os temas, ponto central em nossa autocrítica.

O processo de receber críticas/elogios de cerca de 40 alunos é inte- ressante, pois permite perceber a forma como diferentes pessoas reagem de forma distinta aos incentivos dados em sala de aula. A lição, nesse ponto, foi da grande complexidade existente em uma sala de aula, mesmo de uma classe aparentemente tão homogênea como aquela.

Além disso, ainda sobre a avaliação recebida (e que também realizei sobre todas as aulas em que estive presente), o que se observa é um gran- de companheirismo no momento de se atribuir nota aos colegas. Aulas que eram minimamente bem preparadas e organizadas não recebiam notas piores que nove. Evidente que as aulas foram, em sua maioria, muito boas e permitiram grandes discussões. Porém, de forma não con- clusiva, pergunto-me até que ponto é possível julgar um colega (cuja realidade você conhece e também vive) de forma imparcial.

Minha avaliação do curso, apesar das críticas aqui levantadas, é extremamente positiva. Foi uma das minhas grandes experiências aca- dêmicas e me foi apresentada em um momento de vida pessoal de questionamentos, os quais apenas se tornaram mais complexos depois da aula.

N E X O 1 : E T A L H A M E N T O D O P L A N O D E D I S C I P L I NA e rs ã o 1 4 .0 8 .1 2 ] 2 0 1 2 / 1 . C O M O C A D A U M D E N Ó S E R A V Á R IO S , J Á E R A M U IT A G E N T E : U M R E L A T O D E U M A E X P E R IÊ N C IA C O L E T IV A 14 2 : s u m á r io CICLO PERÍODO QUARTO DIURNO

CÓDIGO DISCIPLINA CARGA HORÁRIA

1904-1 ENSINO DO DIREITO - MARTA MACHADO 30

CÓDIGO OFICINA CARGA HORÁRIA TOTAL

30 60