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E XTENSÃO P OPULAR : A E DUCAÇÃO POPULAR COMO FATOR DE RESSIGNIFICAÇÃO DA E XTENSÃO

Educar e educar-se, na prática da liberdade, é tarefa daqueles que sabem que pouco sabem – por isso sabem que sabem algo e podem assim chegar a saber mais – em diálogo com aqueles que, quase sempre, pensam que nada sabem, para que estes, transformando seu pensar que nada sabem em saber que pouco sabem, possam igualmente saber mais. Paulo Freire

A visão da extensão como mero propagador de conhecimento ou com viés assistencial de contrapartida à comunidade é limitada. O mundo humano é comunicável, portanto o estender não é mais suficiente e tornou-se conflitante com o que de fato se pretende com a extensão: comunicar saberes tradicionais e saberes científicos e acadêmicos A educação popular é um caminho para transformar premissas que, como o passar do tempo, já vinham sendo repensadas, mesmo que intuitivamente. O processo de ampliação do entendimento sobre a práxis extensionista, desde sua concepção até sua execução e resultantes, é o que alicerça a extensão popular.

No intuito de discutir com profundidade a essência da educação popular, de que forma ela conversa com as atividades de extensão que vêm sendo desenvolvidas e, não menos importante, como ambas se aplicam na dignificação do indivíduo como ser integral e na promoção dele à libertação, foi indispensável trazer a base construída por Paulo Freire e sua íntima ligação com o objeto de estudo desse trabalho.

Nas próximas seções, serão apresentadas as ideias primordiais de Paulo Freire sobre uma educação mais humana e crítica. Em seguida, com base na problematização gnosiológica provocada por ele, a extensão universitária, em seu sentido literal, será discutida e a extensão popular será apresentada como alternativa viável para preencher algumas de suas inconsistências. Por fim, empoderamento, libertação e emancipação serão refletidos sob uma base teórica sólida, no intuito de perceber suas nuances e correlações para análises posteriores.

4.1 Do comunicar ao estender, do “estender à” ao “estender com”: Problematizando e redesenhando a Extensão

4.1.1 Primeiros passos da Educação Popular

A educação é “um poderoso instrumento para um rápido crescimento econômico e para a mobilidade individual” (EMEDIATO, 1987, p. 208) e foi instrumento para aplicação de objetivos políticos e econômicos ao longo da história. A busca por estruturas pedagógicas que se contrapusessem ao modelo vigente e que se alinhassem aos interesses dos dominados ao invés dos dominantes foi crescente e intensa durante as primeiras décadas do século XX.

A educação de adultos não era vista ainda como um problema a ser resolvido até a Segunda República. Esse destaque surgiu entre 1933 e 1935, durante o Estado novo, devido a discussões decorrentes do Censo de 1940 que mostrou um dado alarmante: 55% das pessoas com 18 anos ou mais eram analfabetas. Daí veio o empasse sobre a solução: ampliar a rede de ensino já existente ou buscar alternativa de curto prazo com programas especiais para esse público? Aproveitando a ratificação da Unesco sobre essa demanda, o Estado Novo viu na alfabetização de adultos a possibilidade de se reestabelecer politicamente através da difusão ideológica e de reequilibrar a estrutura socioeconômica da população (PAIVA, 1973). Terminada a Segunda Guerra Mundial, a educação de massas tornou-se instrumento importante para construir uma sociedade condizente com a nova onda democrática. Com a expansão dos ensinos supletivos e programas destinados à educação de adultos, há otimismo pedagógico pela educação, embora correntes marxistas apontassem uma perspectiva mais realista e com entusiasmo moderado. Essa euforia entra em declínio quando as políticas nacionais e internacionais entraram numa mudança de ciclo e os programas de educação que estavam em andamento esbarram nas limitações e dificuldades práticas da escolarização das massas (PAIVA, 1973).

Com o fim do Estado Novo e diante de uma tendência de radicalização política, no final da década de 1950, personalidades com interesse em solucionar problemas

educacionais passaram a apresentar técnicas e métodos de ensino para adultos com base em suas próprias convergências políticas. De olho no desenvolvimentismo oriundo das propostas governamentais de Juscelino Kubistchek, o campo educativo ganha ares tecnicistas para formação de contingente de mão-de-obra suficiente para suprir a demanda industrial, visando os avanços econômicos almejados (PAIVA, 1973).

O país havia chegado a um limite de progresso para o nível de instrução da população. Difundir a educação para as massas de trabalhadores, especialmente no âmbito rural, oferecendo instrumentos mínimos para aprimorar a conjuntura social, cultural e econômica não era mais uma opção. Tornou-se questão de sobrevivência prover recursos humanos para a indústria e o mercado quando disso dependia o aumento de produtividade que subsidiaria o crescimento econômico da nação (PAIVA, 1973).

A Campanha de Educação de Adolescentes e Adultos (CEAA) foi lançada em 1947, promovida pelo Ministério da Educação e Saúde, e registra-se como a primeira grande campanha voltada aos analfabetos da zona urbana e rural. Apesar de marcada pelo objetivo não declarado de ampliar bases eleitorais, com seus contornos de ação extensiva conseguiu também integrar parte da população analfabeta e marginalizada que não participava do processo desenvolvimentista da nação. Tinha, ainda, a intenção de culminar na criação de universidades populares, de introduzir outros instrumentos para educar as massas como rádio, cinema e bibliotecas populares, e de influir a comunidade a participar como voluntária na instrução popular. Em decorrência de cortes orçamentários, de ter alcançado êxito quantitativo em detrimento do qualitativo e de questões políticas e de administração, a campanha se desgastou e foi encerrada em 1963 (PAIVA, 2013).

A Campanha Nacional de Educação Rural (CNER) surgiu em 1952 como um desmembramento do CEAA. Após adquirir independência, ficou a cargo de preparar a população rural e adequar métodos e técnicas sociais para uma pedagogia que perpassava a escolar, voltada para o desenvolvimento comunitário, conhecida como educação comunitária. Da primeira experiência em Itaperuna, Rio de Janeiro, outros dois experimentos foram desenvolvidos em parceria com a Igreja Católica: o Serviço de Assistência Rural (SAR), no Rio Grande do Norte, e outro na cidade de Campanha, em Minas Gerais. Assim como a CEAA, também foi extinta em 1963 (PAIVA, 2013).

O contexto social, contudo, não havia se perdido definitivamente e esteve presente no manifesto de educadores e intelectuais denominado “Mais uma vez convocados”. Veio a ganhar força quando o pensamento filosófico cristão europeu (menos conservador) começou a ser difundido no Brasil e quando Paulo Freire representou Pernambuco no Congresso de 1958 e expôs suas ideias pedagógicas. Nesse mesmo tempo, fortificou-se a defesa pelo voto dos analfabetos e o empenho pela difusão da cultura popular e da conscientização dos indivíduos através da educação de adultos (PAIVA, 1973).

Esse clima de mobilização e democratização do ensino no Brasil daquela década promoveu iniciativas focadas na transformação social e valorização cultural. Geralmente vinculados à orientação católica através da corrente filosófica da “teologia da libertação”, esses movimentos tinham pontos em comum, também, com o movimento escolanovista, criando algo como uma “Escola Nova Popular” (SAVIANI, 2008).

Outro aspecto comum é o impacto que esses movimentos sofreram durante o período de repressão militar. Alguns foram sufocados, outros sobreviveram e se mantêm até hoje. Saviani (2008, p. 244) explica que, na busca por uma escola sólida, democrática e popular, um dos preceitos da Escola Nova era:

organizar a escola como um meio propriamente social para tirá-la das abstrações e impregná-la da vida em todas as suas manifestações. Dessa forma, propiciando a vivência das virtudes e verdades morais, estará contribuindo para harmonizar os interesses individuais com os coletivos.

Retornando ao Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova, tem-se o ideário que corrobora o que fora dito anteriormente por Saviani (2008) sobre o potencial da educação pensada de maneira mais generosa e crítica:

O trabalho, a solidariedade social e a cooperação, em que repousa a ampla utilidade das experiências; a consciência social que nos leva a compreender as necessidades do indivíduo através da comunidade, e o espírito de justiça, de renúncia e de disciplina, não são, aliás, grandes ‘valores permanentes’ que elevam a alma, enobrecem o coração e fortificam a vontade, dando expressão e valor à vida humana? (MANIFESTO, 1984, p. 407 apud SAVIANI, 2008, p. 244).

Essas propostas podem ser entendidas, basicamente, em dois modelos: um, focado na ampliação do acesso das camadas populares à educação escolar; e outro, baseado na pedagogia libertadora de Paulo Freire – inspirado na teologia da libertação e com ideal de promoção de autonomia e valorização do saber popular, dentro e fora da estrutura escolar –, aspecto fundamental da educação popular (SAVIANI, 2008).

O Movimento de Cultura Popular (MCP) foi criado e implantado, inicialmente, durante a gestão de Miguel Arraes na prefeitura de Recife em 1960. Seu primeiro ponto de funcionamento foi o antigo Arraial do Bom Jesus, hoje Sítio Trindade, no bairro de Casa Amarela. Tinha como intuito principal a “conscientização das massas por meio da alfabetização centrada na própria cultura do povo” (SAVIANI, 2008, p. 318) para combater a miséria e promover a emancipação da população recifense, oferecendo aos atendidos a oportunidade de ler, escrever, refletir e contar suas histórias. Ademais, sua prática educativa estava alicerçada em manifestações coletivas de arte e cultura popular (teatro, artesanato, cinema, núcleos de cultura popular), sendo retroalimentada pela própria massa (PAIVA, 1973) (COELHO, 2002). No Rio Grande do Norte, aconteceu em Angicos um outro movimento que alcançou inicialmente cerca de 400 (quatrocentos) aprendentes e foi financiada pelo governo do estado, chegando a receber o presidente João Goulart em seu encerramento. Posteriormente, a equipe foi responsável por treinar e orientar outras experiências no bairro das Quintas e no 16º Regimento de Infantaria, ambos em Natal; na Fundação Campanha de Educação Popular (CEPLAR), na Paraíba; e em Osasco, no estado de São Paulo (PAIVA, 1973) (PILETTI, 2014).

A criação do Movimento de Educação de Base (MEB), em 1961, marca o registro de uma nova concepção para a educação popular: de consciência da realidade e de participação política das massas. Inicialmente articulado pela Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), mas fomentado pelo governo federal, sobreviveu ao regime militar e aos anos posteriores de repressão e teve maior fecundidade no âmbito rural. Sua proposição era oferecer aos educandos, sob a condução de um coordenador, um sistema de alfabetização de adultos através de transmissões de rádio de emissoras católicas e da instalação de escolas radiofônicas sob a responsabilidade da igreja (PAIVA, 1973) (SAVIANI, 2008) (PILETTI, 2014).

Em Natal, no Rio Grande do Norte, em 1961, aconteceu a reconhecida campanha “De pé no chão também se aprende a ler”. Suas atividades aconteciam em pavilhões, cobertos de palha e com chão de barro batido, instalados num terreno baldio. Neles, havia horta e cultivo de aves para a alimentação dos alunos; biblioteca comunitária; oferta de cursos elementares de dia e profissionalizantes a noite. Além de tudo isso, o folclore local foi valorizado pela democratização da arte que era levada aos bairros através da apresentação de teatro nas praças e da disposição de galeria de arte itinerante. Esta foi responsável por alfabetizar cerca de 25 (vinte e cinco) mil crianças, sem contabilizar aquelas do interior do estado (PAIVA, 1973) (MARANHÃO, 2011).

A LDB de 1961 (Lei n. 4024, de 20 de dezembro de 1961) trouxe consigo, após cerca de treze anos de discussão, vitórias relativas à democratização do ensino e preceitos de liberdade e de solidariedade. Isso foi considerado um avanço em relação à LDB anterior, assim como a flexibilização curricular, que permitia a inserção de conteúdo ou disciplinas próprias da região (PILETTI, 2014).

O Governo Federal, através do Decreto n. 53.465, de 21 de janeiro de 1964, designou o Programa Nacional de Alfabetização e convocou grupos estudantis, associações e organizações, entidades religiosas, entre outros setores da sociedade, para criar turmas e alfabetizar a população. Assim, foram federalizados o MCP e o Centro Popular de Cultura (CPC) da UNE – nascido em 1961, no Sindicato dos Metalúrgicos de Santo André, floresceu no ano seguinte para outras cidades e estados, e tinha base de atuação no teatro de rua, cinema e artes plásticas (PAIVA, 1973).

Através de um convênio pactuado com o Programa Sirena do MEC, a Prefeitura de Recife e o MCP receberam o material impresso e digital para alfabetização de adultos. Após análise, o material foi reprovado por ser considerado inadequado pelo MCP e o convênio fracassou. Alguns educadores, participantes do movimento, usaram suas experiências práticas com a pesquisa e construíram material próprio e inédito para o mesmo fim, intitulado Livro de Leitura para Adultos, além de um guia para uso dos alfabetizadores (COELHO, 2002).

Neste momento, surge a figura de Paulo Freire que, mesmo chegando depois da criação do movimento, se inseriu a tempo de assinar seu estatuto e encantar-se pelo problema da alfabetização de adultos. Esse movimento inspirou suas ideias –

método pedagógico “ativo, dialogal, crítico e criticizador” (FREIRE, 1974, p. 107 apud SAVIANI, 2008, p. 325); poder de transformação do mundo pela pronunciação da palavra e seus significados; alfabetizandos como sujeitos participantes, não como objetos do processo educativo; entre outras coisas – e se retroalimentou com elas. Suas ideias foram sistematizadas desde 1962 e, após o ingresso desse icônico educador, o movimento não poderia mais ser pensado sem ele (PAIVA, 1973) (COELHO, 2002).

Na próxima seção, a literatura de Paulo Freire e leituras complementares são investigadas em busca dos preceitos basilares de sua filosofia. Ainda, o termo Extensão é analisado sob sua tutela no sentido de problematizá-lo e explicitar a lacuna por ele indicada.

4.1.2 O pensamento freireano e a problematização da Extensão

Durante décadas, mesmo nas ações com características de extensão, o ensino era difundido em “mão única”, verticalizado, onde a Universidade detinha todo o conhecimento e “domesticava” a comunidade. A partir da década de 1980, o pensamento de Paulo Freire passou a fazer parte da extensão, que só então adquiriu o conceito de “mão dupla”, de troca, de interrelação entre o conhecimento acadêmico e o saber popular (SERRANO, 2010).

Ao pensar o ser humano com ser complexo, dinâmico e mutável, e a educação como um processo contínuo e interativo, entende-se que é necessário aproveitar os conhecimentos acumulados pelos povos e desenvolver um processo educativo que deixe de lado o uso estrito de ideias pré-fixadas e passe a realizar um resgate cultural dos povos atendidos. A valorização equilibrada das dimensões de nossa vida: corpo, mente, coração, sentimento, emoções, sentidos, intelecto, razão, consciência, entre outras, para superar a dicotomia corpo-espírito e sentidos-razão, também era uma de suas preocupações. Entendia que o ser humano se constitui dialeticamente – contraposição de ideias, debate, diálogo entre visões teóricas e/ou empíricas – e, por isso, dialogicamente com o mundo.

Filosoficamente, entendia que a arte do ensino, seja em que modalidade acontecesse, deveria se dar pela troca, diálogo, comunicação e aprendizado mútuo,

promovidos pela curiosidade do sujeito em relação ao mundo. As ações educativas deveriam favorecer o esclarecimento desses sujeitos num movimento inverso ao da invasão cultural, domesticação e antidialogicidade. Quanto mais acredita-se saber, menos se sabe. Quanto mais entende-se que o domínio de seu saber é limitado, mais é possível aprender com o outro. Esse processo de amadurecimento educativo pelo exercício da empatia, da despretensão, da simbiose com o coletivo, parece salutar e rico.

Apesar de reconhecer o capitalismo dos anos 1990 como uma versão transformada, modernizada, do que se apresentava nas décadas de 1970 e 1980, não houve a adoção dogmática de um referencial puramente marxista, especialmente por não reconhecer estritamente o conceito de luta de classes. A isso, se justificou dizendo que, apesar de causar estranhamento que “em lugar de classes sociais, eu trabalhasse com o conceito vago de oprimido” (FREIRE, 1994, p. 89 apud ZITKOSKI, 2006, p. 19), considerava uma redução do indivíduo vê-lo como um mero resultado das questões socioeconômicas.

Há referências marxistas fortes na obra de Freire, por isso ele é, por vezes e equivocadamente, rotulado como um filósofo, pedagogo e escritor de perspectiva teórica marxista. Embora essa e outras correntes tenham colaborado em sua reflexão filosófica e na construção de sua concepção teórica, na voz de Saviani (2008, p. 333), a “filosofia personalista na versão política do solidarismo cristão” é aquela que descreve Freire mais adequadamente.

A construção de uma nova sociedade se dá através da articulação das classes populares e este processo deve ser desenvolvido sem reproduzir a dominação ou transformar o oprimido em uma imitação de seu opressor como modelo de vida. Ademais, a solidariedade é tida como fator determinante para essa superação cultural advinda da articulação e organização dos oprimidos (FREIRE, 2005b, p. 50).

A Pedagogia do oprimido, como Pedagogia humanista e libertadora, terá dois momentos distintos. O primeiro, em que os oprimidos vão desvelando o mundo da opressão e vão comprometendo-se, na práxis, com sua transformação; o segundo, em que, transformada a realidade opressora, esta pedagogia deixa de ser do oprimido e passa a ser a pedagogia dos homens em processo de permanente libertação. (FREIRE, 1993, p. 33 apud ZITKOSKI, 2006, p. 35).

Freire (2005a) discute, entre outros aspectos, a necessidade do indivíduo reconhecer-se e não reproduzir a opressão sofrida, e a dualidade entre querer ser livre e temer ser livre. Em sua lógica, um indivíduo não liberta o outro, tampouco ele liberta a si mesmo. Em seu entendimento, as pessoas libertam-se em comunhão, através da consciência, organização, da dialogicidade e da busca pelo “ser mais” através da educação emancipadora e libertadora. Para o autor, a:

libertação, por isto, é um parto. E um parto doloroso. O homem que nasce deste parto é um homem novo que só é viável na e pela superação da contradição opressores-oprimidos, que é a libertação de todos (FREIRE, 2005A, p. 38)

Ao afirmar a variedade de lutas populares, Freire (2005b) provoca os educadores a pensar sobre como atuar diante e com essa complexidade de demandas e atuações políticas. As lutas cotidianas promovem um processo de identidade político-cultural que, por sua vez, constroem a cidadania coletiva (GOHN, 2005).

Há lutas populares que são organizadas, são sindicais, são partidárias ou regionais. Há outras também. Há lutas cotidianas, lutas diárias de buscar pela água, lutas que têm sua forma de ensinar e aprender a sobrevivência. E aí se coloca o desafio de como é que minha inteligência de intelectual se molha nessa luta. Como é que eu vou fazer meu trabalho intelectual engravidada dessa tradição de conhecimento? (FREIRE, 2005b, p. 27)

Freire alerta, também, que o ideal neoliberal se articula, especialmente, no discurso fatalista no qual afirma que a realidade assim como está posta é indispensável, convencendo o povo através da mídia e formando uma população sonolenta, conformada e entorpecida. Em sua visão, a globalização prega uma ética que serve apenas aos interesses de uma minoria, aumentando a riqueza de poucos e distribuindo a pobreza e a miséria entre muitos, de maneira desumana e independente de práticas sociais efetivas.

O processo de dominação em curso surge de várias frentes. A exemplo disso, a mídia sempre teve forte poder na formação da consciência das pessoas, condicionando e estreitando seu pensar para aquilo que é mostrado nas fontes de informação midiáticas (TV, internet, rádio etc.). Não raros são os casos em que se identifica no indivíduo a formação do pensamento acrítico com base naquilo que foi veiculado nos meios eletrônicos (ZITKOSKI, 2006).

Tanto os fatalismos de direita, quanto as visões mecanicistas de esquerda reproduzem uma concepção domesticadora do futuro histórico da humanidade ao conceberem que, necessariamente, os fatos seguirão um processo previamente definido, independentemente das vontades subjetivas, das esperanças, dos sonhos e das utopias existentes na interação dos seres humanos em um mundo histórica e socioculturalmente construído. (ZITKOSKI, 2006, p. 85)

Freire defendeu que “o respeito à autonomia e à dignidade de cada um é um imperativo ético e não um favor que podemos ou não conceder uns aos outros” (FREIRE, 1997, p. 66 apud ZITKOSKI, 2006, p. 59) e que, apesar de transgressões éticas serem historicamente comuns, não são inerentes aos seres humanos.

A pedagogia proposta por ele é alicerçada nas necessidades e demandas emancipatórias dos oprimidos. Por isso, educação nunca esteve à margem da política, “prática educativa e a reflexão sobre essa prática constituíam atos políticos: de escolha, de decisão, de luta entre contrários, de conquista da cidadania negada” (SCOCUGLIA, 2003, p. 15). Portanto, educação não está desvinculada da política, ambos radicais inseparáveis de onde surgem percepções sobre a educabilidade da política e a politicidade da educação.

Seu método era balizado pelos círculos de cultura e os centros de cultura nos quais o diálogo a partir de debates dialogados sobre temáticas de sua realidade seriam a fonte de palavras geradoras para o início do processo de alfabetização e da sua transformação enquanto indivíduos. Para tal, era necessário antes conhecer o universo de vocábulos daquele grupo, para que as palavras mais representativas e ricas no tocante ao estudo da língua fossem selecionadas. Nesse momento, cartilhas pré-existentes foram abandonadas para que o material didático fosse construído nessa etapa de preparação prévia dos coordenadores e mediadores.

Sua produção esteve marcada, inicialmente, pelo nacionalismo- desenvolvimentista (classe média ser apta, naquele momento histórico, para liderar